07 Abril 2022
A especialista em energia eólica e pesquisadora da Universidade Técnica da Dinamarca é uma das autoras do capítulo centrado em sistemas energéticos do último relatório do painel de especialistas da ONU.
A entrevista é de Juan F. Samaniego, publicada por La Marea, 05-04-2022. A tradução é do Cepat.
Quase 60 bilhões de toneladas. Essa é a quantidade de gases de efeito estufa, medida em CO2 equivalente, que as atividades humanas emitiram na atmosfera em 2019. É 12% a mais que em 2010 e 54% a mais que em 1990, de acordo com o relatório que acaba de ser publicado pelo grupo de trabalho 3 do IPCC, o painel de especialistas sobre mudanças climáticas vinculado à ONU.
Pouco mais de 70% dessas emissões têm a ver com o uso de energias. Usamos grandes quantidades de combustíveis fósseis para nos locomover, produzir eletricidade e aquecer nossas casas. Tudo isso gera uma pegada de carbono que há muito tempo é insustentável. Para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas, a descarbonização da produção de energia é urgente.
Andrea N. Hahmann, especialista em energia eólica e pesquisadora da Universidade Técnica da Dinamarca, é uma das principais autoras do capítulo sobre sistemas de energia do último relatório centrado na mitigação das mudanças climáticas, ou seja, nas soluções para esse enorme desafio. A cientista chilena, meteorologista de formação, olha com otimismo para um futuro mais renovável, mas não ignora as tremendas dificuldades que se avizinham.
O setor da energia é o maior emissor de gases de efeito estufa. Se quisermos que essas emissões parem de aumentar em 2025, a produção de energia deve se afastar drasticamente dos combustíveis fósseis. Como?
Temos muitas alternativas, mas nenhuma delas é simples. O desenvolvimento das energias renováveis é importante, pois elas podem ser implementadas rapidamente. São uma das formas mais eficazes de agir a curto prazo. As energias nuclear e hidroelétrica, em comparação, levam muito mais tempo para serem implementadas.
Além disso, os preços das tecnologias eólica e solar caíram tanto nos últimos anos que também compensam em termos econômicos. Dez anos atrás, ninguém poderia prever que o custo das energias renováveis cairia tanto. Penso que esta é uma das conclusões mais importantes do capítulo da energia e do próprio relatório. Coisas que há uma década não achávamos possíveis agora são.
Além de vantagens como preço e velocidade de implementação, as energias renováveis também apresentam alguns problemas, como, por exemplo, o da intermitência. O relatório reconhece que ainda não se tem certeza de como resolvê-lo.
Não podemos nos fixar apenas naquilo que o vento ou o sol fazem localmente. Agora em Copenhague há apenas uma brisa leve, mas talvez na Suécia haja ventos fortes. Muitas vezes esquecemos que temos que pensar em uma rede integrada de produção de energia. No futuro, poderemos transportar facilmente a eletricidade de um lugar para outro para minimizar os problemas da intermitência.
É verdade que é algo que ainda está sujeito a muito debate. Também temos que pensar que aquela parte que não podemos cobrir com energias renováveis, que podem ser 10 ou 20%, podemos cobrir com combustíveis sintéticos ou vetores de energia como o hidrogênio. O excedente de energia renovável quando há picos de produção poderia ser utilizado para produzir esses combustíveis ou armazenado em baterias.
Há usos dos combustíveis fósseis para os quais não temos substitutos. Algumas indústrias, o transporte pesado, a aviação... Como descarbonizá-los?
São mais difíceis de descarbonizar, mas não é impossível. Aqui poderiam desempenhar um papel importante esses combustíveis sintéticos de que falei anteriormente. Não é possível abandonar os combustíveis fósseis da noite para o dia. Todos os cenários analisados contemplam que continuam a ser utilizados por um determinado tempo. Mas temos que fazer isso acontecer no menor tempo possível.
A mensagem mais importante do relatório é que as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas a partir de 2025 se quisermos que a temperatura não suba mais de 1,5º C em relação aos níveis pré-industriais.
Os combustíveis fósseis possibilitaram a emergência de um sistema que cresceu sem parar. Abandoná-los implica mudar o sistema?
O sistema vai mudar de muitas maneiras. Acho que temos que focar nos aspectos positivos, como reduzir a poluição ambiental, acabar com a dependência de combustíveis fósseis, melhorar a qualidade do ar que respiramos… Nosso mundo está baseado nos combustíveis fósseis e não podemos ignorar a inércia do sistema político e econômico. As coisas precisam mudar rápido, mas não é possível fazer isso da noite para o dia.
Falando de inércias, o relatório também conclui que, se não pararmos de investir na geração de energia a partir de combustíveis fósseis, dificultaremos muito a mudança no longo prazo.
O estudo do chamado bloqueio de carbono e da inércia do sistema não é minha especialidade. Mas pensemos que para construir uma termelétrica há quem a pague. Para isso, geralmente é necessário pedir dinheiro emprestado, pois o investimento é alto. Isso significa que, para pagar o empréstimo, a planta precisa operar por X tempo. Não pode ser fechada sem consequências.
Existem muitos estudos que indicam que muitas das infraestruturas de produção de eletricidade construídas nos últimos anos ainda não foram pagas. Desligá-las não é tão fácil. Para desligar as que instalações que construímos hoje vai demorar ainda mais. A solução para a mudança climática deve vir de mãos dadas com a interação de todos os sistemas, energético, político, financeiro...
A Dinamarca, onde você está trabalhando, reduziu suas emissões per capita para um terço do que eram na década de 1990. Qual é a receita para isso?
A Dinamarca investiu pesadamente na energia eólica. A primeira usina eólica de turbinas marinhas do mundo foi construída aqui em 1991. Atualmente, existem sete desses parques eólicos em operação contínua. A Dinamarca fez essa opção, mas também é verdade que tinha capacidade para fazê-lo. O investimento inicial necessário para construir este tipo de instalação tem sido muito alto até recentemente. A maioria dos projetos precisava de apoio público para prosperar.
Hoje não é mais assim. Cada vez mais instalações são lucrativas por si mesmas, não precisam de subsídios ou incentivos. Os preços da tecnologia caíram muito. O mais importante agora, para desenvolver e implementar a intensidade de energias renováveis necessária, é garantir que os parques eólicos ou usinas fotovoltaicas não tenham impactos ecológicos ou sociais onde estão instalados. A transição deve ser responsável.
O papel desempenhado pela política é muito importante. Isso aconteceu na Dinamarca, quando a indústria eólica começou a se desenvolver há 30 anos graças ao apoio público. Aconteceu também na Espanha, onde a construção de novas infraestruturas ficou paralisada durante anos por decisões políticas. E será importante quando se trata de garantir que o desenvolvimento das energias renováveis for feito de forma respeitosa.
Para construir e manter as tecnologias que permitem aproveitar as energias renováveis, é necessário gastar combustíveis fósseis. Não são tecnologias isentas de emissões de CO2. Dado que temos um orçamento de carbono cada vez menor e um prazo cada vez exíguo, devemos alocar tudo para o desenvolvimento de energias renováveis?
Uma das mensagens mais importantes do relatório é que é preciso investir em todas as frentes ao mesmo tempo. Não podemos pensar que por gastar tudo para desenvolver as energias renováveis vamos resolver o problema. Temos que mudar o sistema de transporte, o sistema agrícola... E tudo isso garantindo que todos mantenham um padrão de vida digno. Nenhuma ação vai resolver o problema por si só.
Algo sobre o que raramente se fala é a conservação da energia. Podemos reduzir significativamente o consumo reduzindo apenas o desperdício. Falar sobre a redução do consumo não é tão sexy quanto falar sobre as energias renováveis, mas é muito importante. Precisamos de melhores construções, de edifícios eficientes, melhor planejamento urbano…
Outro problema da energia limpa é que as tecnologias para seu uso não são renováveis, precisam de minerais que são finitos. A transição já está desencadeando problemas relacionados a recursos, como é o caso, por exemplo, no Chile com a mineração de lítio.
É verdade, mas também é verdade que já existem alternativas para não depender de minerais escassos ou cuja produção está nas mãos de um único país. No Chile, a mineração de lítio gerou problemas ecológicos e sociais. Por isso, tudo deve ser levado em consideração, e ninguém pode ficar para trás apenas para cumprir o objetivo de reduzir as emissões a qualquer custo.
Como você aponta bem, as energias renováveis não estão isentas de impactos sociais ou ambientais. Qual é o caminho para uma transição justa?
Deve ser, acima de tudo, justo. A política é importante. Os governos têm o poder de facilitar a implementação das energias renováveis. Mas eles também devem garantir que as regras que protegem os direitos da população sejam seguidas. Existem países pequenos, como no caso da Dinamarca, onde já é muito difícil encontrar locais para construir novos parques eólicos, por estarem próximos a áreas residenciais ou porque podem causar danos ambientais.
Nesse caso, alternativas devem ser buscadas, mas as normas sempre devem ser seguidas. Além disso, outra coisa importante é fazer com que os vizinhos participem dos benefícios das energias renováveis. Se você mora perto de uma turbina eólica, mas recebe algo em troca, você a verá com outros olhos. É preciso vontade política para que ninguém seja prejudicado. Não é fácil, mas é necessário e é possível.
As reservas de combustível não são infinitas e o relatório do IPCC pede que não continuem a ser extraídas. Conseguiremos deixá-los no subsolo ou vamos esperar até que estejam completamente esgotados?
Como disse, a inércia do sistema político e econômico e dos hábitos da população é clara. Não precisamos apenas de combustíveis fósseis para produzir energia. Precisamos deles para uma infinidade de produtos e materiais, como plásticos ou fibras sintéticas. Corrigir esta inércia é difícil. Estamos começando a caminhar na direção certa, mas precisamos acelerar o ritmo da mudança.
Acho que a mudança é possível. Pode não parecer muito, mas pensemos no exemplo das sacolas. Dez anos atrás, parecia impossível sair de um estabelecimento comercial qualquer sem pelo menos uma sacola de plástico. Hoje, em muitos países, a maioria da população as reutiliza ou leva de casa. Não era tão importante que nos dessem sacolas no supermercado, embora nos parecesse que fosse.
Provavelmente continuaremos usando combustíveis fósseis por algum tempo, mas precisamos garantir que reduzamos seu consumo o mais rápido possível para conter o aumento das temperaturas e as mudanças climáticas.
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“A solução para a mudança climática deve vir acompanhada da interação de todos os sistemas: energético, político e financeiro”. Entrevista com Andrea Hahmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU