04 Março 2022
Em 1972, o relatório científico Meadows, intitulado Os limites do crescimento, teve o efeito de uma bomba. Pela primeira vez anunciou-se ao mundo os limites físicos do crescimento econômico. Sua conclusão é clara: a persistência do atual modelo de sociedade e o consequente esgotamento de recursos levaria inevitavelmente o mundo no século XXI a um dramático “crash”. No entanto, 50 anos depois, nada parece ter mudado.
Imagem: integrantes do Clube de Roma e responsáveis pela publicação do relatório "Os limites do crescimento" | Foto: Reprodução/Mr. Mondialisation.
No podcast Dernières Limites (Últimos Limites), a jornalista Audrey Boehly faz um balanço da situação entrevistando especialistas e cientistas sobre o assunto. Que margem de manobra nos resta para reverter essa tendência? Que futuro ainda é possível à luz dos recursos disponíveis e dos desafios ecológicos que estão por vir?
A entrevista de Audrey Boehly é publicada por Mr. Mondialisation, 03-03-2022. A tradução é de Cesar Sanson.
O podcast Dernières Limites aborda o 50º aniversário do Relatório Meadows. Publicado em 1972, este relatório alerta para a finitude dos recursos planetários em uma sociedade de crescimento infinito. Qual era o contexto da década de 1970 e o da publicação deste relatório?
No início da década de 1970, encontramo-nos no auge dos trinta anos gloriosos que combinavam frenesi consumista e progresso tecnológico. Um período de acelerado crescimento e exploração dos recursos naturais. Neste mesmo período, porém, já se percebia os impactos ambientais resultantes desse modo de vida e o início do despertar da consciência ambiental. Algumas grandes organizações de defesa do meio ambiente surgem nessa época, como o Greenpeace e os Amigos da Terra. De maneira mais geral, foi o período em que o movimento ambientalista deu origem à candidatura de René Dumont ou mesmo a publicação de obras fundadoras do pensamento ecológico como Le printemps silencieux (A primavera silenciosa), de Rachel Carson.
É neste contexto que o Clube de Roma, um think-thank formado por economistas e personalidades do mundo empresarial, coloca em debate a questão da sustentabilidade do crescimento e passa a se preocupar com o impacto no mundo econômico a longo prazo. Seus articuladores encomendam o relatório Meadows, um relatório científico liderado pela equipe do Massachusetts Institute of Technology – MIT.
Quais são as principais conclusões deste relatório?
É um relatório estritamente científico que desenvolve uma abordagem completamente nova para a época, pois a ideia é modelar matematicamente a atividade humana para prever a evolução de certo número de variáveis ao longo do tempo, como população, produção agrícola, nível de recursos, produção de bens e serviços ou mesmo a poluição.
Um dos primeiros cenários estudados pelos cientistas é o do crescimento contínuo. Alertam então para um crash durante o século 21 em função da falta de recursos energéticos ligada ao consumo excessivo ou pela poluição que acabaria por desacelerar a produção agrícola, gerando inevitavelmente uma falta de recursos alimentares em escala global.
Em uma estratégia de prevenção, os cientistas ajustam certas variáveis do modelo de maneira às vezes extremamente otimista, como um aumento espetacular nos rendimentos agrícolas ou do progresso técnico. Apesar disso, os autores do relatório Meadows observam em todos os casos que a continuidade do crescimento levaria a um crash, ou seja, a um colapso drástico da curva populacional depois de ter atingido um pico.
Qual foi o impacto desta publicação no mundo da ciência, da política e dos cidadãos?
No momento de sua publicação, essas conclusões tiveram o efeito de uma bomba porque demonstraram cientificamente que a busca irrefreada pelo crescimento não é sustentável e leva toda a sociedade a um colapso dramático. O relatório obteve grande repercussão pública e vendeu milhares de cópias em todo o mundo depois de ser traduzido para vários idiomas.
Mas, ao mesmo tempo, assistimos também a uma enorme reação do mundo econômico e político para quem o crescimento não pode ser interrompido e é a espinha dorsal das sociedades. A mudança de paradigma é, portanto, impensável para os crentes no dogma do crescimento que reagem de forma bastante violenta às conclusões do relatório. No final, este estudo foi rapidamente enterrado e simplesmente paramos de falar sobre isso. Tanto que, 50 anos depois, estamos redescobrindo-o aos poucos.
Quando e como você tomou conhecimento deste relatório? Como isso te impactou?
Fiquei sabendo deste relatório faz poucos anos graças a um amigo que me contou por acaso, o que é ainda mais surpreendente considerando-se que sou engenheira de formação e hoje jornalista científica. Embora seja uma pesquisa realizada pela equipe de um dos laboratórios mais prestigiados do mundo, que levanta questões muito sérias sobre o funcionamento de nossa sociedade, nunca tinha ouvido falar.
A descoberta deste relatório foi para mim um enorme questionamento às minhas ideias na época. Naquela época, eu já me interessava pela questão ambiental e pelo clima. Como cientista, trabalhei em assuntos técnicos como energia verde, hidrogênio e, em geral, todas essas novas tecnologias de baixo carbono. Isso me deu muita esperança na possibilidade de combinar a limitação do aquecimento global e nossos estilos de vida atuais graças a uma transição energética eficaz.
Mas depois de ler o relatório Meadows, entendi que as coisas não eram tão simples assim, principalmente considerando os recursos necessários para tal transição e os limites planetários existentes, alguns já ultrapassados ou quase.
Este relatório me permitiu ter em conta as questões centrais que ainda hoje se colocam: o que podemos fazer com a margem de manobra que nos é dada à luz dos recursos planetários realmente disponíveis? Além disso, em um contexto de desigualdades como conhecemos hoje, como esses recursos podem ser compartilhados de forma equitativa entre nações e indivíduos considerando que ele irão diminuir drasticamente?
50 anos após o relatório Meadows, por que iniciar um podcast sobre este assunto?
Como jornalista, creio que tenho um papel na divulgação de informações científicas para que todos possam apreender o tema do clima e compreendê-lo em maior complexidade. Às vezes tendemos a simplificar o debate, permanecendo num pensamento mágico como o mito do crescimento verde ou a transição ecológica graças ao progresso da tecnologia. Essas histórias parecem muito atraentes, algo como um aceno de uma varinha mágica que nos tirará da crise. Na realidade, é muito mais complicado do que isso, e essa complexidade precisa ser explicada para que seja compreendida por todos. Como jornalista científica, quero contribuir para isso.
Sua primeira entrevista é com Dennis Meadows, diretor de pesquisa que liderou o desenvolvimento do relatório do Clube de Roma ao lado de sua esposa Donella Meadows. 50 anos depois, qual é a mensagem que eles querem transmitir?
Dennis Meadows enfatiza em particular a importância de se fazer as escolhas certas em um contexto em que nossos meios de ação são limitados pelos recursos disponíveis e a necessidade de manter o equilíbrio do ecossistema de nosso planeta da melhor maneira possível. Se essa margem de manobra é hoje ainda mais reduzida do que em 1972 (data de publicação do relatório), urge priorizar o que é mais importante para nós como sociedade.
Dennis Meadows insiste que hoje ainda temos os meios para garantir uma vida decente para todos, reduzindo as desigualdades. Mas isso só é possível se estabelecermos prioridades, e isso significa reconhecer que não é mais possível se agarrar desesperadamente a essa sociedade de consumo excessivo. Sua mensagem de alerta hoje é, portanto, bastante simples: mesmo que tenhamos menos margem de manobra do que há 50 anos, as possibilidades de sair dela ainda existem se fizermos as escolhas certas.
Hoje é 3 de março, o aniversário do relatório Meadows, mas também o dia do lançamento do podcast Dernières Limites. Por que você escolheu o formato podcast? O que seus ouvintes podem esperar?
O que me parece importante é ouvir o que os cientistas têm a dizer. Porque hoje o que dizem é pouco ouvido no espaço público e é mascarado pelos discursos da política e dos interesses econômicos que insistem na ilusão do crescimento verde. O que os cientistas dizem hoje é o contrário, pois levam em conta os limites planetários e exigem mais sobriedade e melhor compartilhamento de recursos. Eu quero dar voz a eles para que as pessoas possam literalmente ouvi-los.
Mais concretamente, a ideia deste podcast é, portanto, após a entrevista introdutória com Dennis Meadows, dar a palavra a cientistas reconhecidos que hoje trabalham na questão dos limites planetários. Cada um dos treze episódios do podcast Dernières Limites será, portanto, uma oportunidade para aprofundar um tema específico como agricultura, pesca, água, energia ou biodiversidade à luz dos recursos disponíveis e dos equilíbrios naturais a preservar.
Terminaremos com uma entrevista com Dominique Meda que nos convida a mudar a bússola da sociedade substituindo o indicador do PIB pelo de interesse geral. Isso é crucial para redirecionar a sociedade para o crescimento do bem-estar humano e não do valor produzido. Um modelo completamente diferente de sociedade nos espera.
Como essa experiência jornalística mudou sua visão de futuro e de nossa sociedade? Que impacto pode ter em seus ouvintes?
Apesar da minha preocupação com o rumo que a sociedade está tomando hoje, esse projeto me deu muita esperança porque me permitiu descobrir que as soluções já existem. O único problema é que o mundo político não a assimila (ainda). Além de ser uma questão científica, é, portanto, também uma questão de sociedade e de empenho para que esta transição se concretize, ainda que existam hoje muitos obstáculos políticos e econômicos que impedem a concretização destas soluções. Na minha opinião, cabe a nós, como cidadãos, pressionar o mundo político e econômico para ativar o início da transição.
Por fim, o podcast Dernières Limites ajuda a entender como todos os parâmetros estão inter-relacionados e como é essencial ter uma visão global do sistema para tomar as decisões certas.
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O primeiro relatório sobre os limites do crescimento completa 50 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU