16 Agosto 2021
"Diferente da pandemia, essa crise não poderá contar com nenhum remédio ou vacina", escrevem Luiz Augusto Galvão, pesquisador sênior do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/ Fiocruz) e Paulo Buss, coordenador do Cris/Fiocruz, em artigo publicado por Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, 11-08-2021.
Na história existem vários registros de catástrofes que dizimaram populações, cidades, estados e civilizações. Nenhuma delas teve o nível que se anuncia com a crise climática. O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que o relatório do Grupo I do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) é “um código vermelho para a humanidade”. O relatório trouxe evidências irrefutáveis de que as emissões de gases a partir da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento estão sufocando o planeta e colocando bilhões de pessoas em risco. Guterres também afirmou que o relatório “deve soar como uma sentença de morte para os combustíveis fósseis, antes que destruam o planeta” e pediu uma ação imediata para cortes profundos das emissões dos poluentes, já que sem isso não será possível limitar o aquecimento da temperatura global a 1,5 °C.
Esse relatório do Grupo I não causou surpresa entre os especialistas e ativistas e também àqueles que estão vivendo as consequências imediatas da crise climática. A jovem ativista Greta Thunberg disse que o texto “confirma o que sabemos através de milhares de estudos e relatórios anteriores, que estamos numa emergência. É um resumo sólido, mas prudente dos melhores dados científicos disponíveis". Ela também acrescentou que o IPCC não apresenta soluções e que "somos nós que temos que ser corajosos e tomar decisões baseadas na prova científica".
Assim como na pandemia, que ainda não está controlada, a crise climática revelará de forma ainda mais dramática as iniquidades causadas pela discriminação e os preconceitos sistêmicos. Aqueles em situação de vulnerabilidade é que sofrerão as consequências da demora em se tomarem as ações necessárias pelos responsáveis que seguem preocupados em defender um estado das coisas que pode desaparecer mais rápido do que se imagina. Novos desastres sem precedentes serão causados pelo aquecimento global de + 1,5 °C, a ser atingido em 2030, dez anos antes do que havia sido projetado e que poderá alcançar 2,7 °C até ao final do século, tendo-se por comparação a média da temperatura na era pré-industrial.
O extenso relatório (AR6) pode ser consultado na página do IPCC. Abaixo, apresentamos um resumo das principais conclusões das quatro áreas do documento.
A. Situação atual do clima
A.1 É inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra.
A.2 A escala das mudanças recentes em todo o sistema não tem precedentes ao longo de muitos séculos a milhares de anos.
A.3 As mudanças climáticas induzidas pelo homem já estão afetando muitos extremos climáticos em todas as regiões do mundo que se evidenciam em ondas de calor, precipitação pesada, secas e ciclones tropicais.
A.4 O conhecimento dos processos climáticos e as evidências foram aprimorados, possibilitando uma melhor estimativa e comparação com o relatório anterior (AR5).
B. Possíveis futuros climáticos
B.1 A temperatura da superfície global continuará aumentando até pelo menos meados do século, sob todos os cenários de emissões considerados.
B.2 O sistema climático se altera em razão do aumento do aquecimento global e leva a um aumento na frequência e intensidade de extremos climáticos, com ondas de calor, precipitação pesada, secas agrícolas, ciclones tropicais intensos e reduções no gelo do Mar Ártico.
B.3 O aquecimento global contínuo deve intensificar ainda mais o ciclo global da água, agravando a intensidade dos eventos úmidos e secos.
B.4 Com o aumento das emissões de CO2, os sumidouros de carbono do oceano e da terra serão menos eficazes no retardamento do acúmulo de CO2 na atmosfera.
B.5 Muitas mudanças devidas às emissões passadas e futuras de gases de efeito estufa são irreversíveis por séculos a milênios, especialmente mudanças no oceano, mantos de gelo e nível global do mar.
C. Informações climáticas para avaliação de riscos e adaptação regional
C.1 Os condutores naturais DE CALOR e a variabilidade interna modularão as mudanças causadas pelo homem, especialmente em escalas regionais e no curto prazo, com pouco efeito, NO ENTANTO, sobre o aquecimento global centenário.
C.2 Com mais aquecimento global, cada região pode experimentar mudanças simultâneas e múltiplas.
C.3 A avaliação de risco não deve descartar resultados de baixa probabilidade, como o colapso do manto de gelo, mudanças bruscas na circulação oceânica e alguns eventos extremos.
D. Limitar a mudança climática futura
D.1 Do ponto de vista da ciência física, limitar o aquecimento global induzido pelo homem a um nível específico requer limitar as emissões cumulativas de CO2, atingindo pelo menos emissões líquidas de CO2 zero, juntamente com fortes reduções em outras emissões de gases de efeito estufa. Reduções fortes, rápidas e sustentadas nas emissões de CH4 também limitariam o efeito de aquecimento e melhorariam a qualidade do ar.
D.2 Nos cenários chamados de SSP1-1.9 e SSP1-2.6, de baixas ou muito baixas emissões de gases de efeito estufa (GEE), serão necessários anos para se obterem efeitos perceptíveis sobre as concentrações de gases de efeito estufa e aerossóis, e a qualidade do ar, em relação aos cenários de emissões de GEE elevados e muito altos (SSP3-7,0 ou SSP5-8,5). Sob esses cenários contrastantes, diferenças perceptíveis nas tendências da temperatura da superfície global começariam a emergir da variabilidade natural em cerca de 20 anos, e durante períodos de tempo mais longos para muitos outros drivers de impacto climático.
O AR6 terá ainda a contribuição do Grupo de Trabalho II, que avaliará os impactos, a adaptação e a vulnerabilidade, incluindo um capítulo sobre saúde, e do Grupo de Trabalho III, que analisará as medidas de mitigação/atenuação. O AR6 terá um foco maior em soluções, informações regionais e mais integração entre os grupos de trabalho. Todos os relatórios desse ciclo abrangem o tema das cidades e as mudanças climáticas, que merecerá um relatório especial em 2022.
Detalhes sobre a reunião estão disponíveis aqui e do 6º relatório de avaliação aqui. Essas informações serão importantes para as convenções das partes da Convenção Marco sobre Mudança Climática, que se reunirá em Glasgow no final de 2021 (COP26), e para a reunião de avaliação do acordo de Paris, em 2023.
A OMS lançou para consulta púbica um relatório Especial para a COP26. Intitulado O argumento da Saúde para a ação climática, o documento busca ordenar os argumentos sanitários em favor das ações frente à crise climática. Inclui evidências e soluções que podem beneficiar a saúde, nas ações de combate às mudanças climáticas e prescreve um conjunto de pedidos à comunidade global de saúde e aos formuladores de políticas sobre mudanças climáticas que participarão na COP26.
O relatório está baseado no relatório especial COP24 sobre saúde e mudanças climáticas, desenvolvido a pedido do presidente da 23ª Conferência das Partes da UNFCCC (COP23), primeiro-ministro Bainimarama, de Fiji. O relatório está disponível para consulta pública até 25 de agosto de 2021. Todos os comentários relacionados à minuta do Relatório devem ser enviados através do formulário de feedback online.
A ciência e as instituições continuam fazendo a sua parte é necessário que os responsáveis em todos os níveis e em todos os âmbitos, incluindo aqueles privados, aceitem o desafio de acelerar as ações concretas que são inadiáveis e urgentes. Diferente da pandemia, essa crise não poderá contar com nenhum remédio ou vacina.
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Urgência de ações concretas frente à crise climática global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU