28 Junho 2021
Há uma passagem, na intervenção do cardeal Parolin, que revela um aspecto inquietante da crise diplomática entre a Santa Sé e a Itália. É quando o secretário de Estado vaticano, reconstruindo a gênese da nota verbal sobre o projeto de lei Zan, afirma claramente que sim, ao aprová-la, “eu achava que poderia haver reações”.
A reportagem é de Paolo Rodari e Giovanna Vitale, publicada em La Repubblica, 25-06-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Porém – eis o ponto-chave – “se tratava de um documento interno, trocado entre administrações governamentais por via diplomática. Um texto escrito e pensado para comunicar algumas preocupações, certamente não para ser publicado”. Ou seja, devia permanecer confidencial.
Palavras úteis para dissipar a suspeita de que havia sido a comitiva do papa que quis trazer à tona o desacordo com o Palazzo Chigi para bloquear uma lei pouco agradável. No entanto, destinadas a levantar mais de uma interrogação, sobre a qual ambas as margens do Tibre se atormentam nestas horas: de quem é a “mãozinha” que fez vir à tona um ato coberto pelo segredo, de porte disruptivo? Alguém quis instrumentalizar a iniciativa vaticana? E por quê?
Não há respostas certas, mas, nos palácios romanos, fontes confiáveis propõem uma trama semelhante a uma história de espionagem. Ela fala de contínuos contatos entre os ambientes mais conservadores da Cúria – aqueles que pressionavam a Secretaria de Estado para que formalizasse a sua dissidência – e uma parte política específica, que há muito tempo cultiva o mesmo objetivo: enterrar o texto contra a homotransfobia.
Em primeiro lugar, a Liga, que há meses o mantém refém na Comissão de Justiça, graças ao obstrucionismo do presidente salviniano Andrea Ostellari. A outra figura que, pelo que se sussurra, teria favorecido a difusão seria Maria Elisabetta Alberti Casellati. A presidente do Senado teria contribuído com o vazamento de notícias para que o caso explodisse com o maior barulho possível.
Enquanto isso, no Vaticano, a iniciativa do secretário de Estado faz muitos suspirarem. “Parolin fala com conhecimento da causa”, diz um alto prelado, explicando que, nas últimas horas, houve uma consulta entre o cardeal e Francisco. A marcha à ré no Vatican News – sim à defesa dos princípios, mas sem invasões de campo – foi decidida com o aval do papa, que sabia da nota, mesmo que, segundo alguns do outro lado do Tibre, com toda a probabilidade, sem estar a par até o fim.
De fato, com as suas palavras que reconhecem a legitimidade da defesa de Draghi da laicidade do Estado, Parolin esvazia de sentido o instrumento da nota e volta a abraçar o caminho de uma diplomacia feita de relações cultivadas em campo. Nestas horas, a Secretaria de Estado está favorecendo o nascimento de uma pequena equipe liderada por Dom Gallagher, secretário para as Relações com os Estados, que esteja pronta para colaborar com a Itália quando um canal para revisar as partes mais críticas do projeto de lei Zan volte a se abrir.
Constitucionalistas de renome, apreciados também na margem italiana, mesmo se distanciando da nota, valorizaram o seu conteúdo. É em virtude dessas contribuições que, nos tempos e nos modos que Draghi quiser, a Santa Sé espera poder voltar a colaborar e a trazer para casa objetivos que considera imprescindíveis.
Nesse ínterim, no front parlamentar, a votação do dia 6 de julho para agendar para a semana posterior (dia 13) a discussão geral sobre o projeto de lei na Câmara reacendeu a polêmica. Que agora corre o risco de transformar o Palazzo Madama em um teatro de guerra.
O vice-líder do Partido Democrático, Franco Mirabelli, desafiou o leghista Ostellari a convocar imediatamente uma mesa para “debatermos o mérito e ampliar o consenso sobre o projeto de lei Zan sem distorcê-lo”. Assim, na quarta-feira, dia 30, todos os líderes se reunirão para trabalhar em um acordo.
O renziano Faraone explica: “É uma tentativa que deve ser feita para encontrar a um acordo. Caso contrário, o risco é de que a lei Zan não passe”. Na mesma linha, Bernini, da Forza Italia: “Devem ser feitas modificações, acima de tudo sobre a liberdade de expressão que deve ser especificada. Se Letta continuar dizendo que o texto não será tocado, ele nos leva a votar contra”. Com boas chances de sucesso.
Mas quando Salvini entra com agressividade – “Deve-se modificar o artigo 1, não queremos que a educação de gênero entre nas escolas, nem podemos tolerar restrições à liberdade de pensamento ou de expressão. Sem diálogo, não haverá o número [de votos]” – perdem a paciência na sede do Partido Democrático: “A oferta de diálogo da Liga não é crível. Querem apenas atolar o procedimento, que deve ser aprovado sem modificações”.
Letta é mais explícito: “Para nós, o projeto de lei Zan contém todas as garantias em seu interior, razão pela qual o melhor é ir ao Parlamento, e cada um dirá a sua palavra. A nossa é aprová-la assim como ela é”.
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Um front conservador por trás da “mãozinha” que revelou a nota do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU