05 Mai 2021
“Exaustos. Foi assim que nós, peruanos, chegamos a essas eleições. Cinco anos, quatro presidentes e um enorme descrédito para a classe política. Imagem que se quebrou ainda mais quando foi descoberto que um grupo de funcionários públicos, incluindo o então presidente Vizcarra e o Ministro da Saúde, foram secreta e irregularmente vacinados contra a covid-19. “No final das contas todo mundo rouba” ou “todo mundo mente” são frases comuns em círculos de família e amigos quando se fala de política”, escreve Elizabeth Salazar, jornalista peruana, em artigo publicado por Connectas, 29-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
As recentes eleições no Peru confirmam que os novos integrantes dos Poderes Executivo e Legislativo assumirão seus cargos com uma representatividade cidadã mínima, o último que necessitam é enfrentar uma nova crise de governabilidade.
Quando saíram os resultados eleitorais na televisão, e apareceu a foto de Pedro Castillo, a senhora Roxana Marín disse-me: “ah, estão apresentando os candidatos do último ao primeiro”. Muitos limeños desconheciam ou não davam crédito ao salto que deu o candidato da esquerda radical nas pesquisas anteriores às eleições.
Em questão de dias, as atas oficiais confirmaram que Castillo obteve o voto da serra sul, centro e parte da floresta, e no próximo 06 de junho competirá pela cadeira presidencial com a postulante de direita, Keiko Fujimori, investigada por lavagem de dinheiro e filha do condenado por corrupção, Alberto Fujimori.
Ambos passaram ao segundo turno com a votação mais baixa registrada desde que o Peru recuperou sua democracia: 15,5% e 10,9%, respectivamente. Uma maioria de 18,3% optou por anular ou deixar em branco sua cédula, e o resto dividiu seu apoio entre os 16 postulantes que participaram na contenda.
Em um país onde o voto é obrigatório, acreditou-se que o temor ao coronavírus motivaria uma altíssima abstenção, mas apesar disso chegou a 28% dos eleitos hábeis – uns 6,6 milhões – a porcentagem não se distingue muito a dos anos anteriores.
O certo é que nenhum dos candidatos convenceu a maioria dos 17 milhões de peruanos que foram votar, com máscaras duplas e protetor facial, no pico mais alto de uma pandemia, quando quebramos nosso próprio recorde de mortes e superamos os 400 falecidos por dia.
A tensão política se trasladou às redes sociais, sobretudo grupos de Whatsapp. Os espaços virtuais, lotados por informação sobre compra e recarga de oxigênio, coletas de ajuda, cadeias de oração e pedidos de leitos de UTI, tornaram-se um canalizador de emoções e disputas políticas.
Memes, fotos, vídeos de arquivo e cadeias de desinformação estão lotando conversas de família e de amigos para tratar de convencer o outros de quais dos cenários possíveis é, do seu ponto de vista, “o mal menor”. Um conceito que se repete em cada eleição das últimas duas décadas.
A última vez que votamos sob essa premissa foi em 2016, quando Pedro Pablo Kuczynski ganhou a presidência. O partido de sua opositora, Keiko Fujimori, passou a ocupar a maioria do Congresso e o país entrou em um longo período de ingovernabilidade. Foram promovidas censuras contra ministros de Estado e um pedido de afastamento que foi frustrado pelo bloco opositor que era liderado pelo seu irmão, o então deputado Kenji Fujimori. Foi concedido indulto por um breve período ao patriarca da família, Alberto Fujimori. E Kuczynski, vinculado ao caso Odebrecht e cercado por uma nova ameaça de destituição, deixou o posto a seu vice-presidente, Martín Vizcarra.
Quando tudo parecia voltar ao normal, vazaram grampos que revelaram a existência de uma máfia judiciária que atingiu o mesmo procurador-geral, Pedro Chavarry. A mesma que, na virada do ano, tentou retirar a equipe de promotores que investigavam ex-presidentes da República por seus vínculos com o Caso Lava Jato, mas as marchas cidadãs impediram.
No âmbito dessas investigações, presenciamos o pedido de extradição do ex-presidente Alejandro Toledo, da prisão preventiva de Ollanta Humala e da própria Keiko Fujimori. Até o suicídio do ex-presidente Alan García, quando se preparavam para prendê-lo. Depois veio a dissolução do Congresso e a polêmica posse da segunda vice-presidente, Mercedes Aráoz, como chefe de Estado por um dia. Uma encomenda que não foi oficializada.
O novo Parlamento, mais fragmentado que o anterior, não trouxe consigo um período de estabilidade: tomou posse no primeiro mês da pandemia e fechou o ano com a desocupação de Martín Vizcarra. Seu sucessor, Manuel Merino, durou menos de uma semana no cargo. Ele renunciou após as marchas de cidadãos que culminaram com a morte de dois jovens, e Francisco Sagasti teve que assumir o comando.
Exaustos. Foi assim que nós, peruanos, chegamos a essas eleições. Cinco anos, quatro presidentes e um enorme descrédito para a classe política. Imagem que se quebrou ainda mais quando foi descoberto que um grupo de funcionários públicos, incluindo o então presidente Vizcarra e o Ministro da Saúde, foram secreta e irregularmente vacinados contra a covid-19. “No final das contas todo mundo rouba” ou “todo mundo mente” são frases comuns em círculos de família e amigos quando se fala de política.
Até o momento, todos nós temos um familiar ou conhecido que foi afetado pelo vírus, e o desemprego que atingiu 2,2 milhões de peruanos se reflete em lojas com placas de fechado, novos vendedores ambulantes e migrantes batendo nas portas das casas pedindo comida. Para muitos, a campanha eleitoral é a última coisa em que conseguem pensar, fazê-lo é quase um privilégio.
Não se sabe o que acontecerá com o segundo turno. A campanha eleitoral recomeçou, com discursos polarizados, racistas e desinformação entre os eleitores de Castillo, que se propõe a nacionalizar as empresas e focar nas regiões; e Fujimori, que promete manter o modelo econômico atual. Mas o principal candidato a ambos é o anti-voto: de acordo com a última pesquisa da IPSOS, Castillo tem uma rejeição de 33%, enquanto 55% dizem que nunca apoiarão Fujimori; o que explica que o primeiro lidera a intenção de votar com 41,5 por cento, de acordo com a última pesquisa.
A verdade é que não só o próximo Parlamento será mais dividido do que o anterior, com uma dezena de grupos políticos ocupando as cadeiras, como sete em cada dez eleitores aptos não votaram em nenhum deles. Assim as coisas, os novos membros dos dois poderes do Estado jurarão seus cargos com uma representação mínima. Se não houver consenso para a tomada de decisões, um novo ciclo de ingovernabilidade se aproxima, pois, o Congresso aprendeu a usar as vagas e a censura como armas de negociação política.
“Tudo o que queremos é que eles nos deixem trabalhar. Deixe que coloquem mais oxigenadores e pensem nas pessoas”, diz Rogelio Angulo, um dos novos vendedores ambulantes de frutas que cercam o mercado Jesús María, em Lima. Até o ano passado ele era taxista, mas em janeiro teve que vender seu veículo para pagar o tratamento de sua esposa que contraiu covid-19. Para quem cuida dos doentes e luta contra o desemprego, uma nova crise política significa a perda de mais vidas.
A continuidade do processo de vacinação e a recuperação econômica estão nas mãos do próximo governo, mas nenhum dos candidatos se preocupou em propor soluções de curto prazo para essas emergências. Eles nem mesmo garantem uma gestão democrática. O ambiente de Castillo e Fujimori tem procurado reduzir o debate a um confronto entre ricos e pobres, terroristas e corruptos.
Os vídeos do Facebook e as postagens do TikTok aumentaram essa polarização. Vimos influenciadores expor em um minuto os preconceitos e a discriminação que se internalizam em um setor da população, mas também cidadãos de regiões em extrema pobreza que exigem reformas para reduzir a desigualdade e a falta de oportunidades.
No momento, a atenção está posta em ambos candidatos. As novidades que nos traz o próximo Congresso ainda não fazem parte da discussão cidadã, porém se sabe que quatro dos partidos que promoveram o afastamento de Vizcarra estão de volta: Ação Popular, Aliança para o Progresso, Podemos Peru e Força Popular, e teremos a primeira bancada de ultradireita católica com o Renovação Popular. Além disso, a entrada de figuras políticas com investigações penais em curso e outros que manejam discursos de ódio, contrários a direitos sociais e às vacinas.
Nisto, inclui-se a pastoral evangélica Milagros Aguayo, líder da Igreja A Casa do Pai e fundadora de coletivos onde se reforçam estereótipos sobre o papel das mulheres. Também encontramos o líder de Podemos Peru, José Luna Gálvez, investigado como suposta líder da rede criminosa Os Gângsters da Política; o médico particular de Alberto Fujimori, Alejandro Aguinaga, atualmente processado por participar das esterilizações forçadas a mulheres na década de 1990; e ao biólogo Ernesto Bustamante, que questionou o nível de eficácia da vacina Sinopharm e disse que esta “produz mais covid-19 que o placebo”, entre outros.
Todos eles, junto ao novo presidente ou presidenta, farão juramento em julho, o mesmo mês em que o Peru celebrará seus 200 anos de independência.
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Os peruanos estão exaustos da política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU