03 Mai 2021
Mais dívida, mais impostos, mais gastos – esta é a trilogia de ação do novo presidente dos Estados Unidos.
A reportagem é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 29-04-2021. A tradução é de André Langer.
Joe Biden levou menos de 100 dias para revolucionar completamente o debate da política econômica global. O presidente estadunidense estabeleceu três objetivos: retomar rapidamente a economia após a pandemia com um grande plano de apoio, mesmo que um superaquecimento; aumentar o potencial de crescimento de longo prazo com investimentos públicos em massa; e reduzir as desigualdades sociais taxando os ricos, os indivíduos e as empresas, ao mesmo tempo que trava uma luta severa contra os paraísos fiscais.
Um tríptico de mais gastos, mais dívida, mais impostos que não estávamos acostumados a ver, especialmente na Europa. O efeito de explosão Biden vai levar tudo em seu caminho? Para descobrir, devemos decifrar em detalhes o que os Estados Unidos estão prontos para implementar.
No início de março, o Congresso estadunidense votou a primeira medida chave da presidência de Biden: o American Rescue Plan, um plano para a retomada da economia de 1,9 trilhão de dólares, o equivalente a 9% do Produto Interno Bruto (PIB). Três dias depois, as primeiras famílias americanas receberam seu cheque de apoio de 1.400 dólares por pessoa, e a maior parte desse dinheiro vai para os bolsos dos mais vulneráveis. Quando se soma a isso a ajuda adicional para apoiar a educação dos filhos, que beneficia as famílias monoparentais, e o aumento dos benefícios de desemprego, “as pessoas que ganham menos de 20 mil dólares por ano verão sua renda aumentar em 27%. Para os mais pobres, o aumento da renda pode chegar a cerca de 60% neste ano”, calcula a economista do Candriam, Florence Pisani. Algo estupendo.
O suficiente para melhorar a vida dos americanos mais pobres e provocar um boom no consumo doméstico. As empresas podem seguir com sua decisão de investir. Porque, ao mesmo tempo, verão um vasto mercado de compras públicas se abrir na próxima década. No final de março, o presidente apresentou a primeira parte de um plano de apoio de longo prazo à economia estadunidense de 2,3 trilhões de dólares, que será seguido posteriormente por outro plano com objetivos sociais diretos (educação, saúde) de um trilhão de dólares destinado, especialmente, a perpetuar o auxílio do plano de retomada destinado às pessoas mais carentes.
No total, portanto, são mais de 5 trilhões de dólares em gastos públicos colocados no circuito econômico por Joe Biden, o equivalente a cerca de um quarto do PIB dos Estados Unidos! Com, em parte, o fortalecimento do poder de compra de curto prazo, mas também um grande esforço de investimento público para fortalecer o potencial de crescimento da economia no longo prazo.
Podemos dividir os 2,3 trilhões do Plano de Emprego Americano em duas partes principais: três quartos vão para reformar as infraestruturas dilapidadas (escolas, prédios públicos, transporte, água, etc.), o quarto restante visa a inovação e o emprego industriais.
Chegou a hora de os Estados Unidos investirem em sua infraestrutura pública. Desde o final dos anos 1960, a população estadunidense cresceu mais de 60%. Durante o mesmo período, o investimento público total passou de 6% do PIB para 2,5% hoje. E, novamente, as estatísticas americanas incluem as despesas com infraestrutura de defesa no total. Se os removermos, os orçamentos apresentam tendência de queda desde meados da década de 1980. Sem surpresa, o capital público está envelhecendo: os equipamentos de transporte têm em média 20 anos, contra 13 em 1970; a rede elétrica 27 anos (10 anos a mais que em 1970); as estradas quase 30 anos (16 anos a mais), etc. Essa é a constatação feita pela ASCE, a Sociedade Americana de Engenheiros Civis, que regularmente faz um inventário sobre a matéria. Em seu último relatório de 2021, sua conclusão é clara: “Nosso atraso de financiamento das infraestruturas está longe de acabar”.
Como fazem em relação à escola, os engenheiros americanos dão notas às várias infraestruturas que vão de A (muito boa qualidade) a F (inutilizáveis). O conjunto do sistema americano recebe nota C, o que significa que ele é um mau aluno. A visão geral dos principais setores estudados é até bastante dramática para alguns deles. Por exemplo, 7,5% das pontes são consideradas de risco de acidentes graves; no entanto, há 178 milhões de travessias por dia. Ou a água potável: as redes deterioradas causam vazamentos equivalentes ao conteúdo de 9 mil piscinas por dia!
O plano Biden chega, portanto, no momento certo. Até mesmo os 2,6 trilhões exigidos pelos engenheiros da ASCE ficarão aquém dos recursos exigidos para restaurar a infraestrutura pública do país. Principalmente porque seu campo de intervenção é mais amplo do que apenas a infraestrutura física. Porque o plano do presidente persegue, de fato, vários objetivos que fazem parte de uma dimensão ecológica e social assumida.
Com efeito, a partir de uma leitura mais estratégica do plano, constata-se que 56% das despesas destinam-se a enfrentar o desafio das mudanças climáticas e um quarto para promover a realocação de cadeias de valor estratégicas (semicondutores, medicamentos), a maior parte do restante vai para a infraestrutura básica (escolas, prédios públicos, etc.) e uma para uma política de atenção aos idosos.
Do lado do clima, Biden aposta no apoio ao transporte público, no desenvolvimento do carro elétrico para fazer dos Estados Unidos um líder mundial na área e na modernização da rede elétrica para fomentar a circulação no território da energia produzida pelo setor das renováveis. Do lado do digital, está prevista a cobertura nacional de banda larga e a queda dos preços de acesso à Internet.
Todos esses desenvolvimentos têm uma forte dimensão social. Vários estudos mostraram que as pessoas de cor foram as maiores vítimas do transporte público inexistente ou degradado, os mais pobres têm pouco acesso à água potável e são principalmente vítimas de inundações, furacões, etc., ligados às alterações climáticas. Os trabalhadores mais qualificados não foram esquecidos: Biden liberou o orçamento tanto para compensar os perdedores da globalização quanto para fortalecer a qualificação da força de trabalho (1). Outro ponto importante: o plano da Casa Branca é claro sobre o fato de que as licitações públicas serão reservadas às empresas americanas; o resto do mundo só poderá estar, na melhor das hipóteses, na posição de subcontratante. Embora os métodos tenham mudado, a palavra de ordem permanece a mesma: America First!
Diante de seus gastos de 2,3 trilhões de dólares em oito anos, Joe Biden anunciou 2 trilhões de receita adicional em quinze anos. Uma defasagem que vai ampliar o déficit orçamentário e a dívida pública? E daí? O presidente dos Estados Unidos está determinado a usar a margem de manobra histórica oferecida pelas baixas taxas de juros de longo prazo, que devem permanecer assim por algum tempo, para aumentar a dívida, para a qual ele não vê limite a priori. Quão longe disso estão os nossos debates europeus!
Porém, todo o esforço não estriba sobre a dívida, longe disso. Não satisfeito com os gastos em níveis historicamente altos, Joe Biden também pretende financiar suas prioridades com algo que não se via há 40 anos: um aumento massivo de impostos. Enquanto se aguarda o próximo plano de um trilhão de dólares, que será acompanhado por um aumento de impostos e taxas obrigatórias sobre os mais ricos, a tributação das empresas já está sendo usada com mudanças radicais destinadas, nas palavras de Janet Yellen, ministra das Finanças, a colocar um fim a “uma corrida de trinta anos para cortar os impostos das empresas”.
Também está previsto um aumento da taxa de imposto sobre os lucros de 21% para 28%. Porque a situação é clara: as receitas do imposto sobre os lucros representavam 16% das receitas fiscais estadunidenses em meados da década de 1960 e apenas 3,9% em 2019. Este é o nível mais baixo de todos os grandes países. Na sequência, para fazer frente às estratégias de otimização tributária seguidas pelas empresas, os lucros obtidos nos Estados Unidos serão tributados a uma alíquota mínima de 15%. O presidente estadunidense também pretende combater os paraísos fiscais e seu uso pelas multinacionais. Questionando as orientações das últimas décadas, o fisco americano verá seu orçamento engordar nesta perspectiva. Por fim, o plano quer acabar com os subsídios que beneficiam as indústrias de combustíveis fósseis e fazer os poluidores pagarem. Quantas mudanças!
O “centrista” Joe Biden continua a revolucionar as regras econômicas. Seus objetivos são claros e anunciados no preâmbulo do plano de médio prazo: restaurar a confiança dos americanos em sua economia, criar empregos de qualidade nos Estados Unidos, ganhar em competitividade e em potencial de crescimento no longo prazo. E tudo isso, diz Joe Biden, para salvar a democracia: em seu país, ajudando os mais pobres e a classe média; no mundo, impondo-se como a maior economia do mundo diante da China. O presidente terá que lutar muito nos próximos meses para que seu plano seja aprovado e certamente terá que cortar alguns aspectos. Mas a dinâmica está lançada.
As agressivas práticas de otimização tributária das multinacionais não passaram despercebidas à equipe de Biden, que pretende desferir-lhes um golpe. Os Estados Unidos anunciaram em meados de abril um plano para retomar as negociações em andamento sobre essa questão entre os 137 países do Marco Inclusivo, cujo secretariado é assegurado pela OCDE. Um plano que estabelece três princípios importantes.
Primeiro ponto: o “pilar 1” das negociações visa realocar, através de um cálculo acadêmico bastante complexo, parte dos lucros registrados nos paraísos fiscais aos países onde o business realmente ocorreu. O foco se volta para as atividades digitais das empresas com volume de negócios superior a 750 milhões de euros, ou cerca de 2.300 empresas. Os Estados Unidos se propõem a ir além do digital para atingir todas as atividades, mas concentrando-se em um pequeno número de empresas, as maiores e mais lucrativas, menos de 100. Asseguram que os maiores lucros, e a sua dissimulação, se concentrem num número limitado de entidades e que o mesmo vale em termos de montantes recuperados mas com um procedimento simplificado: menos empresas a cobrir e fim dos problemas de fronteira entre o que é digital e o que não é. Pode ser. Planilhas do Excel estão sendo executadas para verificar se os valores dos impostos arrecadados são equivalentes. De qualquer modo, Bruno Le Maire está feliz: a proposta americana devolveria a priori mais do que seu imposto Gafa à francesa.
Segundo ponto: o “pilar 2” das negociações visa estabelecer um limiar tributário mínimo global que o consenso dos países fixou em torno de 12-13%. Se uma empresa conseguisse negociar acordos fiscais que permitissem atingir uma alíquota de 3%, seu país de origem poderia tributar seus lucros pela diferença entre esses 13% e os 3%. Biden virou o jogo: ele está propondo uma taxa mínima de imposto sobre os lucros no exterior de 21%!
Para este parlamentar europeu que se dedica a questões fiscais, “está tudo de pernas para o ar em toda a União”! Tanto mais, e este é o terceiro ponto, que os Estados Unidos querem aplicar essa taxa país a país e não mais em uma média para os lucros alojados no exterior. Isso teria permitido que as empresas fossem tributadas um pouco na França ou nos Estados Unidos e pouco nos paraísos fiscais, com uma média de 12-13%. Isso não será mais possível. O suficiente para suar frio nas Ilhas Cayman e, especialmente, nos grandes paraísos fiscais europeus, como os Países Baixos e a Irlanda. Por exemplo, com sua alíquota oficial de imposto sobre o lucro de 12,5%, a Irlanda poderia aceitar uma alíquota mínima de 12-13%, mas se as empresas que se registrarem ali tiverem que pagar 8,5% de imposto adicional para chegar a 21%, perde toda a atratividade!
Para este especialista envolvido nas negociações, “esta medida país a país parece um pormenor técnico, mas é seguramente o mais político”. No entanto, continua, o assunto está longe de estar resolvido: “Não há acordo nos Estados Unidos para uma taxa tão elevada que correria o risco de ser questionada por uma futura maioria. Também não há acordo dentro do Marco Inclusivo. Biden vai ter que revê-lo para baixo. Se chegarmos a uma taxa efetiva, ou seja, efetivamente paga, entre 13% e 20%, já não estaria ruim. E como o presidente americano certamente terá de negociar até o verão, não haverá, na melhor das hipóteses, um acordo global antes do outono, e não em julho, como originalmente planejado. Não o suficiente para questionar o sorriso de Pascal Saint-Amans, principal negociador da OCDE: “O plano americano traz uma dinâmica positiva, são propostas sérias. Elas não saem da cartola. São o culminar de dez anos de trabalho a nível global!”.
Joe Biden sabe que enfrentará vários meses de batalhas tensas. Mas a Casa Branca, a diplomacia estadunidense e os Ministérios das Finanças e do Comércio estão todos na mesma onda nesta questão. Será preciso ser forte para resistir à pressão americana. E o dossiê fornecerá uma informação importante: apesar da oposição, os Estados Unidos e a China conseguirão chegar a um acordo em questões de interesse geral como a tributação global?
Quando chegou ao poder em março de 1933, o presidente democrata Franklin Delano Roosevelt era considerado um centrista. Não era fã dos déficits orçamentários e a regulação financeira não lhe interessava, tanto assim que mal abordou o assunto durante a sua campanha eleitoral. As questões sociais, ele as deixava para sua ministra do Trabalho, Frances Perkins. Roosevelt, no entanto, entrou para a história como o líder político mais progressista dos Estados Unidos. Ele construiu o Estado de bem-estar social americano, lutou contra as desigualdades e organizou a regulamentação financeira garantindo vários anos de estabilidade.
Seria o Joe Biden um novo Roosevelt? Se, para um economista de extrema esquerda como Bruno Amable, o presidente está apenas corrigindo os excessos do liberalismo em favor de um capitalismo menos predatório, o professor de economia reconhece que “se trata, pelo menos, de um questionamento parcial dos dogmas que constrangem a economia política há várias décadas” (2). Já é alguma coisa!
Para o economista e historiador Pierre-Cyril Hautcœur, o sucesso de Roosevelt se deveu à “sua capacidade de propor uma orientação progressista dinâmica, pragmática mais do que doutrinariamente coerente, e de dar a confiança à sociedade americana de que ninguém ficaria à beira do caminho, nem se beneficiaria de privilégios excessivos” (3). Desse ponto de vista, Biden se enquadra totalmente nessa herança e aí encontramos todos os eixos de sua política. Com, além disso, a luta contra as mudanças climáticas, coisa que não se colocava na década de 1930. Nos vemos daqui a oito anos para o balanço, uma vez que Joe Biden já indicou que vai se candidatar a um segundo mandato!
1. Sobre todos esses pontos, “The American Jobs Plan get Serious about Infrastructure and Climate Change”, Center for Strategic & International Studies, 2 de abril de 2021.
2. “Bidenomics: un changement bienvenu mais pas une révolution”, Libération, 6 de abril de 2021.
3. “Malgré des erreurs, le New Deal a dû donner confiance à la société américaine”, Le Monde, 7 de abril de 2021.
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A revolução Biden - Instituto Humanitas Unisinos - IHU