14 Abril 2021
"É este o mundo que queremos? Onde nascer em um lugar em vez de outro pode determinar oportunidades completamente diferentes, onde, diante de um mal comum, as consequências para os indivíduos são bem diferentes?", questiona Alessandra Smerilli, economista e irmã salesiana italiana e professora da Pontifícia Universidade Auxilium, em artigo publicado por Avvenire, 13-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Ninguém considerava sua propriedade o que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum”. Comentando essa passagem dos Atos dos Apóstolos, o Papa Francisco ergueu os olhos do papel e, mais uma vez, reiterou: isso “não é comunismo, é cristianismo no estado puro”. Na primeira comunidade cristã, partindo da experiência do Ressuscitado, os cristãos viviam em unidade de corações e espírito e compartilhavam o que possuíam. Uma das constantes do magistério de Francisco, a partir da exortação Evangelii gaudium, é tentar fundamentar nossas ações, principalmente aquelas pastorais, no frescor do Evangelho. E suas palavras costumam ter uma força impressionante, recebendo grande atenção da mídia. Aparecem como uma grande novidade, embora na realidade sejam verdades que acompanham a história da Igreja. A franqueza e o vigor com que são proclamados é que são novos. Sine glossa, um pouco como o propósito do Santo cujo nome o Papa carrega. Francisco também se deteve sobre esses temas em uma audiência em setembro passado. Um ciclo de catequese em que procurou ler os princípios da Doutrina Social da Igreja à luz da pandemia. Naquela sobre a destinação universal dos bens, retomando o Catecismo, lembra-nos que a terra foi dada por Deus "a todo o gênero humano" (2402). Isso nos compromete a fazer com que seus frutos cheguem a todos.
Mas o Concílio Vaticano II também vai na mesma direção: “Por esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros” (Gaudium et spes, 69). O princípio subjacente é a destinação universal dos bens: quando a posse impede que os bens cheguem a todos, deve-se por remédio. Também no Catecismo lemos: "A autoridade política tem o direito e o dever de regular o exercício legítimo do direito de propriedade em função do bem comum" (2406). Deliberadamente não são citadas aqui a Laudato si' ou a Fratelli tutti, encíclicas de Francisco, justamente para mostrar que a subordinação da propriedade privada à destinação universal dos bens é um princípio que acompanha a Igreja desde os Atos dos Apóstolos até o Concílio Vaticano II e além. O Papa tem a coragem de recordar isso a um mundo que parece adormecido e inerte perante as crescentes desigualdades.
Por um lado, a atenção da mídia nos faz pensar que estamos ouvindo a palavra que é necessária, por outro lado o desejo de descartar essas mesmas palavras como sendo associáveis ao comunismo “derrotado pela história”, talvez nos falem da tentativa de procure um pretexto para liquidar verdades inconvenientes.
A Covid está trazendo à tona as contradições de um sistema que vem gerando desigualdades crescentes. Se, segundo dados da Oxfam, o aumento da riqueza dos 10 bilionários mais ricos do mundo desde o início da pandemia seria suficiente para reverter os efeitos econômicos da crise para os mais pobres e garantir as vacinas em todo o mundo, este sistema não funciona. O pacto social diante dessas evidências desmorona. Por que diante de um evento externo inesperado, quem atua em um setor é penalizado e corre o risco de perder a casa por não conseguir pagar as dívidas, e quem trabalha em outros setores vê seus ganhos aumentarem, e muito? É este o mundo que queremos? Onde nascer em um lugar em vez de outro pode determinar oportunidades completamente diferentes, onde, diante de um mal comum, as consequências para os indivíduos são bem diferentes?
O Papa repete que, precisamente em face de um flagelo mundial como a pandemia, é bom deixar claro que a terra é de todos, que os bens nos foram doados para serem compartilhados, que não podemos nos chamar de cristãos se nós não nos sentimos verdadeiramente guardiões uns dos outros.
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Puro e simples cristianismo. Compartilhamento e uso social dos bens. Artigo de Alessandra Smerilli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU