13 Abril 2021
"Em novo sinal de que teme investigações, ele investe contra ministros do STF e luta para diluir foco da Comissão. Mas a arma principal pode ser, de novo, pagar as emendas parlamentares — e deixar serviços públicos à míngua", escrevem Maíra Mathias e Raquel Torres, editoras do sítio OutraSaúde, em artigo reproduzido por OutrasPalavras, 12-04-2021.
A limonada do Jair
Um dos autores do pedido de abertura da CPI da Covid, o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) divulgou ontem nas redes sociais uma conversa telefônica com Jair Bolsonaro. Na gravação, feita no sábado, o presidente trata Kajuru como aliado: sugere que o parlamentar faça “do limão uma limonada” e se movimente para que seja colocado em pauta algum dos dez pedidos de investigação contra ministros do STF que correm no Senado. “Sabe o que eu acho que vai acontecer? Eles vão recuperar tudo. Não tem CPI, não tem investigação de ninguém do Supremo”, calculou Bolsonaro.
Kajuru respondeu que havia ingressado na véspera com ação no Supremo para obrigar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a pautar a votação do afastamento do ministro Alexandre de Moraes. “Você é 10”, elogiou Bolsonaro. “Você pressionou o Supremo, né?”, reforçou. “Sim, claro. Entrei ontem, às 17h40”, responde o senador.
Além de tentar mudar os rumos da instalação da CPI incentivando pressão sobre o STF, no telefonema o presidente também deixou claro que o governo trabalha para que a comissão perca o foco, e investigue governadores e prefeitos. “Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai só vir para cima de mim… CPI ampla e investigar ministros do Supremo. Ponto final”, afirmou Bolsonaro a Kajuru. “Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana”, complementou. Um pedido nesse sentido foi protocolado no sábado pelo coautor da CPI junto com Kajuru, senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Kajuru afirma que o presidente sabia que a conversa poderia ir ao ar, e que o avisou 20 minutos antes da divulgação na internet. “Tudo bem, tudo que falei está falado”, teria respondido Bolsonaro. Já Kajuru minimizou o conteúdo da conversa que ele próprio divulgou: “O que ele falou de errado ali? Pelo contrário, mostrou que está aberto, que aceita ser investigado, desde que todos sejam”.
Mas a conversa, é claro, está repercutindo. Para o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), o presidente pode ser acusado de conspiração contra o Judiciário e atentado à autonomia dos Poderes.
No Supremo, onde a análise do plenário sobre a abertura da CPI foi antecipada de sexta para quarta-feira, a tendência é confirmar a decisão de Luís Roberto Barroso, mas dando margem de manobra para que Pacheco instale a comissão quando os trabalhos da Casa voltarem a ser presenciais. “A conversa de Bolsonaro com Kajuru, contudo, pode mudar essa posição”, escreve o Estadão, que conversou com um ministro da Corte que avalia que o pleno pode optar pela instalação imediata caso fique caracterizado que Bolsonaro pretende intimidar os ministros com pedidos de impeachment.
Na sexta-feira, nas redes sociais, Bolsonaro acusou o ministro Luís Roberto Barroso de militância política e afirmou que há “milhões de assinaturas” da população pedindo impeachment de ministros do STF – que, no entanto, não são examinados pelo Supremo.
Pacheco deve instalar a CPI amanhã. A essa altura, a comissão ganhou mais duas assinaturas e conta com 33 votos favoráveis – incluindo o do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), ex-vice-líder do governo no Senado, que ficou famoso por ser pego com dinheiro nas nádegas no ano passado. O governo trabalhava desde a quinta-feira para que senadores retirassem suas assinaturas, inviabilizando a instalação. Agora, o Planalto tenta interferir na escolha dos integrantes da comissão, composta por 11 parlamentares.
Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, a oposição analisa que os ventos sopram a favor da abertura de uma CPI da Covid também lá. Já haveria 90 votos, mas são necessários 171. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), se manifestou contra a CPI do Senado na sexta-feira. O discurso é o mesmo de Pacheco: não seria o momento de apontar o dedo para ninguém.
“Disse isso porque Bolsonaro, que é o culpado, concedeu a Lira e a seus aliados no centrão acesso a cargos e verbas da administração federal. A hora de apontar culpados, se entendi bem, será quando esse dinheiro acabar. Talvez já não dê mais para evitar uma única morte brasileira”, comenta Celso Rocha de Barros, na Folha.
No governo Bolsonaro, a leitura é que a abertura da CPI acabou dando ao Senado mais poder de fogo na luta pela manutenção das emendas parlamentares no orçamento 2021. O ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, disse ao Valor que o governo precisa construir um “ato jurídico perfeito e que dê conforto na relação entre o Congresso e o Executivo”. Questionado se isso significa não cortar tanto as emendas e evitar qualquer possibilidade de impeachment, respondeu: “Exatamente”. Uma das opções na mesa é pedir a declaração de estado de calamidade pública. Paulo Guedes é contra.
O procurador Igor Nery Figueiredo concluiu que o Ministério da Saúde não agiu de má-fé ao cancelar parte da compra do chamado “kit intubação” no ano passado. Hoje, faltam medicamentos em vários hospitais do país porque, em agosto, a pasta cancelou a compra de 13 remédios alegando “preços acima das estimativas de mercado”. Segundo ele, não se pode confundir “má gestão” ou “condução ineficiente de políticas públicas com a prática de ato de improbidade administrativa”. O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que apresentou à PGR o pedido de investigação, irá recorrer.
Já perdemos a conta de quantas vezes o Ministério da Saúde reduziu a previsão de entregas de vacinas contra a covid-19. Agora, não se sabe nem se a pasta vai continuar publicando os cronogramas. Ao Estadão, a assessoria de imprensa disse que não fará mais tal divulgação, e que os dados sobre as futuras entregas devem ser coletados diretamente com os fabricantes. O ministro Marcelo Queiroga, por sua vez, contestou essa informação no Rio de Janeiro e garantiu que sim, o cronograma de abril vai ser divulgado…
A falta de rumo fica muito evidente na entrevista de Queiroga à Folha, publicada ontem. Ele até reconhece que está tudo ruim (“É uma luta diária. Temos uma estimativa de doses a serem aplicadas que depende da produção da indústria, das entregas, da importação de doses prontas”), porém não oferece respostas. Diz que há a possibilidade de o Brasil firmar mais acordos de compra, “mas são assuntos privados entre governos, indústrias que ainda não podemos revelar, por questões de confidencialidade”. E também que o governo vai “buscar doses prontas de outras indústrias”, “mas não é simples. E não quero estabelecer metas“.
E ainda reclamou da Anvisa por ainda não ter aprovado a Covaxin: “Não posso chegar dando canetada na Anvisa, que é uma agência regulatória. Mas eu teria mais doses em março e abril, como estava no calendário anterior, e a Anvisa não aprovou”. Estranho seria se tivesse aprovado, visto que o laboratório responsável, Bharat Biotech, sequer terminou os ensaios de fase 3.
Mesmo com tanta indefinição, Queiroga aposta que a partir do segundo semestre as coisas melhorarão. “O maior país a vacinar a população é os Estados Unidos. Depois que conseguirem vacinar a população deles, vamos ter mais doses, e essa é a nossa expectativa”. Não fica claro se o plano é confiar em conseguir as sobras de doses daquele país.
O novo chanceler brasileiro, Carlos França, precisa desfazer as trapalhadas de Ernesto Araújo na relação brasileira com a China e conseguir agilizar o envio de insumos para a produção de vacinas. Ele se reuniu pela primeira vez na sexta-feira com Wang Yi, ministro chinês. O embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, disse que houve aproximação, e que ambos “concordaram em reforçar as relações bilaterais, a coordenação multilateral e o combate conjunto à pandemia, além de promover a recuperação econômica”. A ver.
Pela primeira vez, pessoas com menos de 40 anos de idade são a maioria absoluta nas UTIs para covid-19: no mês de março, elas representaram 52,2% das internações em unidades de terapia intensiva, segundo dados da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira). Até fevereiro, eram 44,5%. A proporção de pacientes que precisam de ventilação mecânica também nunca esteve tão alto: 58%.
O maior número de jovens internados e o agravamento dos casos já tem sido percebido na ponta há muito tempo, mas ainda não dá para dizer o que gera essa mudança. Na Folha, Ederlon Rezende, coordenador da plataforma UTIs Brasileiras e ex-presidente da Amib, traz três hipóteses: uma possível maior agressividade das novas variantes; o avanço da imunização dos mais velhos, ajudando a conter os casos graves entre eles; e “a falta de cuidado de parcelas da população” que pode estar afetando mais os jovens. Acrescentamos que elas não são excludentes, e que a falta de cuidado não é necessariamente uma escolha, já que as condições de trabalho de muitos jovens acarretam um alto nível de exposição ao vírus.
Os dados do último boletim do Observatório Covid-19 da Fiocruz, publicado no sábado, mostram que o maior aumento de casos e óbitos pela doença entre janeiro e março deste ano se deu na faixa etária de 30 a 39 anos, em que o crescimento foi de impressionantes 1.218%. Para comparação, o aumento em todas as idades foi de 701% – o que também é colossal.
Ontem foram registradas 1.824 novas mortes no país, encerrando a pior semana da pandemia, com 21.172 vidas perdidas. A média móvel ficou em 3.109 óbitos diários. Já é a quarta vez que esse número passa de três mil, e todas aconteceram este mês. O total de mortes passa de 350 mil.
Marcelo Queiroga está pedindo um reforço no orçamento do Ministério da Saúde. Segundo o Estadão, a conta está em R$ 15 bilhões. Os recursos seriam direcionados principalmente para o custeio de leitos de UTI nos estados. Algum dinheiro deve ser liberado por medida provisória, mas só depois de análise do Ministério da Economia que se preocupa em equilibrar as contas que virão da renovação do programa de manutenção de empregos (BEm), com previsão de R$ 10 bi.
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Como Bolsonaro quer melar a CPI do Genocídio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU