27 Março 2021
Não ouso imaginar a dor de tantos homossexuais católicos que “conhecem bem o sofrimento”, o escárnio de muitos, o abandono dos pais, a violência, ao verem o seu vínculo de profundo afeto ser tratado e chamado com estas palavras: um amor que não pode ser abençoado, porque evidentemente deve ser amaldiçoado.
Publicamos aqui a carta aberta enviada ao Papa Francisco sobre o Responsum escrita pelo Pe. Dino D’Aloia, pároco da Igreja de Santo Antônio de Pádua em San Paolo di Civitate e ex-reitor do Seminário de San Severo, em Foggia, na Itália.
O artigo foi publicado em Gionata, 26-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Caro Papa Francisco, sou um padre da tua própria Igreja Católica que te escreve, um servo na vinha do Senhor, que te quer muito bem, um devoto filho teu.
Escrevo esta carta para ti, para mim e para a Igreja que tanto amamos. Escrevo-a especialmente para as pessoas homossexuais que eu conheço e para as tantíssimas pessoas que eu não conheço e que se sentem, como nós, filhas da Igreja e que, nestes dias, estão sofrendo muito junto com os diversos agentes de pastoral que, como eu, as acompanham no caminho da fé cristã católica. Desejo dar-lhes palavras de conforto e de apoio.
Nestes anos do seu pontificado, sentimos um ar novo entrar na vida da Igreja e nas palavras de um papa. Um entusiasmo que nos tomou. Tu nos falaste de misericórdia e de acolhida, de bondade. Muitas vezes repetiste para nós que a Igreja é mãe e que cada um dos seus filhos deve ser acompanhado para realizar a vontade de Deus na sua vida, nas suas condições concretas.
Aos seus filhos homossexuais, tu usaste palavras inéditas de encorajamento, e alguns documentos oficiais também foram influenciados pelo teu olhar terno e positivo para eles. A Amoris laetitia, o documento final do Sínodo dos Jovens, o documento “O que é o homem” da Pontifícia Comissão Bíblica são um exemplo disso.
Tu também te consumiste pela lei sobre as uniões civis para que os casais homossexuais pudessem ter proteção legal e direitos garantidos, consciente de que, em muitas partes do mundo, eles são punidos e até condenados à morte em alguns países por serem considerados um erro da natureza, rejeitados até por Deus.
Enquanto os sínodos nacionais, em primeiro lugar o da Igreja alemã, também estão debatendo ou debaterão essas temáticas da acolhida que as novas sensibilidades do nosso tempo colocaram no centro do debate intra e extra eclesial, no dia 15 de março passado, como um raio em céu azul, como um balde de água fria, como uma geada em plena primavera, lemos o Responsum da Congregação para a Doutrina da Fé que negou a nós, pastores, a possibilidade de abençoar os casais homossexuais, porque o amor deles seria contrário ao desígnio da criação divina e, portanto, “pecado” e, portanto, um mal moral.
Não ouso imaginar a dor de tantos homossexuais católicos que “conhecem bem o sofrimento”, o escárnio de muitos, o abandono dos pais, a violência, ao verem o seu vínculo de profundo afeto ser tratado e chamado com estas palavras: um amor que não pode ser abençoado, porque evidentemente deve ser amaldiçoado. Tertium non datur.
Pessoalmente, fui tomado pela perplexidade e quase pela incredulidade. Certamente, os redatores do Responsum são pessoas que amam muito a Igreja e tentam defender os seus valores e a verdade do Evangelho do modo como ela é interpretada pelo Catecismo da Igreja Católica.
Há anos, também, eu também teria compartilhado plenamente as suas palavras. Eu também ensinava as mesmas coisas. Eu também, um dia, em uma conversa com um jovem que me confidenciou a sua homossexualidade recém-descoberta, cheguei a repetir que ele estava vivendo uma condição fora ou contra a natureza, ou, no mínimo, não prevista pela ordem da criação.
Mas, no momento posterior, quando vi que as minhas palavras haviam apagado dramaticamente a sua vontade de viver, de comer, de seguir em frente, então me detive, deixei de lado e coloquei entre parênteses aquele armamentário de juízo e de verdade que, naquele caso, se tornavam pedras e bofetadas, e entendi que o mais importante era salvar a pessoa que eu tinha na minha frente, e não “o sábado”, a sua vida concreta antes das regras, a sua felicidade antes de qualquer cânone magnífico. E, assim, aquele jovem voltou a se querer bem, a se aceitar e a vislumbrar um Deus que também o amava, e eu fiquei feliz com isso.
Desde então, o ministério presbiteral me apresentou muitas histórias de vida, muitas pessoas homossexuais que, pela sua orientação profundamente enraizada, amam pessoas do mesmo sexo e querem viver juntas, na fidelidade, na ternura, na responsabilidade, na ajuda recíproca, em um projeto de vida comum, na alegria dos abraços e da intimidade.
Por acaso, tudo isso não são frutos bons que revelam a bondade da árvore? Como podemos chamar o amor delas de pecado e de maldição, sem ofender o próprio Deus no qual todo amor tem a sua origem e encontra o seu sustento?
Hoje, portanto, amadureci verdadeiramente a convicção de que todo afeto que traga alegria, plenitude, realização e felicidade profunda e duradoura, como em diversos casais homossexuais que eu conheci pessoalmente, merece a bênção eclesial, isto é, o reconhecimento do bem que existe e a ajuda espiritual da Igreja.
Por isso, caríssimo Papa Francisco, revejamos esse Responsum, integremo-lo também à luz das novas consciências que nos são fornecidas unanimemente pela ciência, vamos além, porque, se há uma coisa que faz parte da origem bendita da criação, é precisamente a magia de quem se quer bem.
Com estima e admiração,
Pe. Dino d’Aloia
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“Caro Papa Francisco, como pároco, peço-lhe uma Igreja que saiba abençoar o amor” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU