24 Fevereiro 2021
Os 23 principais países do planeta, em nível militar, são responsáveis por 67,1% das emissões mundiais de CO2. É o que revela uma pesquisa do Centro de Estudos pela Paz sobre os vínculos do setor armamentício e a crise climática. Estas superpotências, com os Estados Unidos à frente, representam somente 35% da população mundial e concentram 82% do gasto militar de todo o planeta. São países localizados nas regiões do norte, cujos investimentos e exportações de material bélico têm graves consequências para o meio ambiente e os direitos humanos em países do denominado Sul Global.
A reportagem é de Alejandro Tena, publicada por Público, 22-02-2021. A tradução é do Cepat.
Essa cúpula de poder global, além de possuir grandes exércitos para a defesa de seus interesses, são os responsáveis por 97% das exportações de armas. Um material de guerra que acaba nas mãos das Forças do Estado de diversos países, mas também de grupos paramilitares que defendem os interesses do poder corporativo. Tudo isso em um cenário conveniente para os negócios bélicos, já que a crise climática está começando a provocar episódios de escassez de recursos em numerosas regiões do sul, o que aumenta as possibilidades de que ocorram conflitos armados ou guerras civis.
De fato, os onze países com maior risco de crise humanitária pelo aquecimento global – Somália, República Centro-Africana, Sudão do Sul, Afeganistão, República Democrática do Congo, Chade, Iêmen, Nigéria, Burundi, Camarões e Burkina Faso – estão imersos em conflitos armados. Para Chloé Meulewaeter, uma das coordenadoras do relatório, “estamos vendo que há riscos de que a crise climática seja militarizada”. De fato, documentos estratégicos da OTAN, Espanha e Estados Unidos destacam a crise ambiental como um potencial de ameaças. “Isso poderia servir para que os Governos justifiquem aumentar os gastos militares”, denuncia a especialista.
Segundo os dados do relatório, a atividade militar global é responsável por 5 a 6% do conjunto das emissões de CO2 globais. Isto se deve ao gasto com energia, mobilização de transportes, geração de resíduos tóxicos, assim como com recursos mobilizados para reconstruir infraestruturas danificadas pela guerra. No entanto, o setor bélico é muitos mais do que os gases que um porta-aviões ou um helicóptero possam produzir, já que o sistema econômico atual – baseado em recursos fósseis – é sustentado pelos exércitos, conforme aponta a pesquisa.
“As forças armadas se tornaram algo absolutamente imprescindível para manter o extrativismo de recursos efetuado pelos países do norte, no Sul Global”, explica Pere Brunet, pesquisador e coordenador do relatório. “Acontece que, enquanto os cientistas falam da necessidade de deixar o petróleo no subsolo, no Estreito de Ormuz, na região da Arábia, há constantemente navios militares assentados para proteger o transporte marítimo de petróleo e garantir o fornecimento”, acrescenta.
Essa lógica do extrativismo militarizado desembocou, segundo a pesquisa, em uma escalada de violência contra os denominados defensores da terra que se opõem aos projetos petrolíferos, mineiros, de gás e inclusive de geração de energia renovável. Desaparecimentos forçados, violações, assédio sexual e judicial e ameaças a familiares são algumas das práticas comuns “realizadas tanto por atores públicos como privados”, expõe a publicação, que destaca como os grupos paramilitares costumam estar a serviço de grandes poderes corporativos. Prova disso é que essas 23 superpotências militares servem de sede empresarial para mais de 63.000 transnacionais com interesses muito variados.
Também é possível perceber a militarização dos problemas ambientais no aumento dos movimentos migratórios associados à mudança climática. A escassez provocada pelas mudanças no clima favoreceu o surgimento de novos refugiados que, ao sair de seus países, se deparam com a securitização das fronteiras. O relatório põe o foco sobre alguns países como os Estados Unidos e o México, cujo muro de separação – senha de identidade da administração do ex-presidente Donald Trump – impede que muitos migrantes centro-americanos afetados pelas secas possam concluir suas rotas para o norte. Não em vão, esta militarização das fronteiras também está presente no Estado espanhol, cujo limite com o Marrocos está marcado pelas cercas de Ceuta e Melilla.
“Como consequência, o espaço fronteiriço se torna cenário de violência com o impacto que isso supõe para os direitos humanos das pessoas que são deslocadas à força de seus lares por questões ambientais ou por outros motivos”, argumenta o texto do relatório.
“Para poder realizar a transição ecológica é necessário que mudemos o paradigma de segurança nacional para se dirigir ao paradigma da segurança humana”, comenta Meulewaeter. Essa transformação passa pela reorientação dos investimentos destinados aos exércitos e aos negócios bélicos ao desenvolvimento de ferramentas que previnam e mitiguem as consequências da crise climática. Segundo a publicação, com 10% do gasto militar anual, os onze países mais vulneráveis poderiam desenvolver infraestruturas e investir em resiliência frente às condições meteorológicas extremas da mudança climática.
“Há dois tipos de soluções para esta crise. Por um lado, a das grandes corporações que querem fazer comércio com as novas energias limpas. Por outro lado, as soluções que têm as pessoas como objetivo”, destaca Brunet, em relação a como o capitalismo verde pode desembocar em um novo neocolonialismo. Isto poderia se traduzir em um aumento das pressões militares sobre as regiões do Sul Global para a extração de novos recursos e minerais destinados a satisfazer a demanda de baterias e outros componentes necessários para a eletrificação da economia. “Não se deve pensar só nos lucros de certas multinacionais, mas devemos começar a olhar para sistemas redistributivos baseados em um autoconsumo energético que possa se estender para o mundo todo”, enfatiza.
Sendo assim, a pesquisa do Centro de Estudos pela Paz conclui que a segurança das pessoas não poderá ser garantida em um contexto de transformação climática marcado pela militarização. As soluções para esta conjuntura de emergência passam, segundo os pesquisadores, por “políticas de acolhida e cuidado” e não pela força indiscutível dos rifles.
Embora entre as superpotências militares apareçam nomes como o da Espanha, uma das grandes exportadoras de armas, acima de todas se destaca uma: os Estados Unidos. O país norte-americano é o que mais investe em defesa, com 732 bilhões de orçamento. Esta quantidade é 38% do gasto militar mundial e supõe mais que o dobro da soma do gasto da China (261 bilhões) e Rússia (65 bilhões).
Os Estados Unidos possuem as forças armadas mais poluidoras do planeta, com um consumo de petróleo e emissões de gases do efeito estufa equiparáveis a de um estado. Prova disso é que se o Departamento de Defesa estadunidense fosse um país, seria o 47º maior emissor de CO2 do mundo, à frente de potências econômicas como a Bélgica. Segundo os dados do relatório, em 2017, as tropas norte-americanas liberaram na atmosfera 212 milhões de toneladas de CO2, ao passo que o pequeno país europeu gerou, no mesmo ano, 114 milhões de toneladas de gases poluentes.
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As 23 principais potências militares geram 67% das emissões de CO2 do planeta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU