15 Janeiro 2021
"Persiste a sensação, principalmente em quem participa da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos há anos, de uma oportunidade que não é aproveitada nem totalmente explorada, e às vezes se torna demasiado ritual; especialmente quando acontece que não siga um caminho congruente durante o resto do ano. Porque sem uma teologia da Eucaristia e do ministério à altura do desafio - para citar apenas dois aspectos que não são secundários - não será fácil percorrer muito caminho".
O comentário é do teólogo italiano Brunetto Salvarani, professor da Faculdade Teológica da Emília-Romanha, publicado por Rocca, nº. 2, 15-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
“O verdadeiro ecumenismo se baseia na conversão comum a Jesus Cristo como nosso Senhor e Redentor. Se nos aproximamos juntos dele, também nos aproximamos um do outro”. Assim se manifestou, no dia 19 de janeiro de 2017, o Papa Francisco, recebendo uma delegação da Igreja Luterana da Finlândia por ocasião da festa de Santo Henrique, padroeiro da nação. Poucas semanas antes, no final da jornada comemorativa em Lund, pelo início das celebrações dos 500 anos da Reforma de Lutero (31 de outubro de 2016), Bergoglio havia observado que, “olhando para o futuro, tiramos coragem do nosso testemunho comum de fé perante o mundo, quando nos comprometemos em apoiar juntos os que sofrem, os que estão em necessidade, aqueles que estão expostos à perseguições e violências. Fazendo isso, como cristãos, não estamos mais divididos, mas estamos unidos no caminho rumo à plena comunhão”.
Na realidade, o fato de que, em um planeta amplamente multirreligioso, o vasto povo cristão, espalhado por todos os continentes, esteja extremamente fragmentado e incapaz de trabalhar junto, salvo nobres exceções, ainda não parece um fato problemático. E não é desanimador, como deveria, que tais divisões representem um gigantesco contra-testemunho, a ponto de correr o risco de desencorajar aqueles que pretendem se aproximar da mensagem de Jesus. Questões de grande importância, complexas, embora incontornáveis, que exigiriam algo mais do que uma resposta padrão como aquela decorrente de eventos como a - meritória, certamente - Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (Spuc), de 18 a 25 de janeiro: este ano cuidadosamente preparada pela comunidade monástica feminina de Grandchamp, na Suíça, sobre o tema "Permaneçam no meu amor: produzirão muitos frutos” (tirado do Evangelho de João 15,1-17).
Vamos ser claros, para evitar equívocos: que a Spuc exista e se mantenha, desde 1908, idealizada pelo Padre Paul Wattson, em datas compreendidas entre a festa da cátedra de São Pedro e a da conversão de São Paulo (hoje deveríamos acrescentar a chamada conversão, partindo da discussão em curso no âmbito do diálogo cristão-judaico), permanece um fato muito positivo, que ninguém pretende subestimar. No entanto, persiste a sensação, principalmente em quem participa dela há anos, de uma oportunidade que não é aproveitada nem totalmente explorada, e às vezes se torna demasiado ritual; especialmente quando acontece que não siga um caminho congruente durante o resto do ano.
Porque sem uma teologia da Eucaristia e do ministério à altura do desafio - para citar apenas dois aspectos que não são secundários - não será fácil percorrer muito caminho. Embora seja um fato, diria eu, que, durante o seu pontificado, o Papa Francisco, corajosamente, tenha deixado agora para trás o modelo da pedagogia dos gestos de João Paulo II, que traduzia a trajetória inaugurada pela Nostra aetate, e a diálogo das culturas de Bento XVI, em resposta ao enrijecimento causado pelo medo do choque de civilizações após o 11 de setembro, para abraçar uma autêntica teologia dos gestos: redesenhando assim radicalmente o paradigma do encontro entre as igrejas, enfocando os traços da experiência espiritual, da oração, da escuta recíproca, do serviço aos pobres, da caridade, do caminhar juntos, como ele gosta de repetir. Em uma palavra: da teologia, não aquela dos manuais, talvez um pouco empoeirados, mas aquela - franciscanamente - da vida vivida.
Na realidade, para além dos avanços nas relações entre lideranças, motivos de conforto para o movimento ecumênico podem ser encontrados em seu estilo de pontificado, em referência à visão de Christoph Theobald quando reinterpreta o cristianismo como estilo. Porque a partir de Francisco emerge quase que diariamente a provocação de um cristianismo que aprende com as igrejas irmãs, alegrando-se pelos dons que Deus lhes deu e entristecendo-se pelas patologias e infidelidades ao Evangelho que impedem uma plena reunião. Atitudes que, tendo alcançado o fim daquilo que o cardeal Kasper definiu como diálogo dos mimos (Sibiu 2007), estão favorecendo o início de um período de diálogo da franqueza e da colaboração, de que as próprias Igrejas precisam urgentemente.
Essa perspectiva não pode ser subestimada. O que emerge do cenário do cristianismo global de hoje - ainda mais no tempo de uma pandemia mundial - é que, hoje, não se pode ser cristãos sem ser ecumênicos: o ecumenismo está inscrito no futuro de todo o cristianismo; seu futuro só pode ser ecumênico.
Infelizmente, porém, também deve ser reconhecido que o ecumenismo ainda é, em todas as igrejas, um fato amplamente minoritário, às vezes elitista. Se não poucos diálogos entre as igrejas estão em andamento, e outros tantos canteiros de obras estão abertos, elas ainda raciocinam e agem com muita frequência no sentido do Leiamonólogo, como se cada uma delas fosse a única igreja existente (ou a única verdadeira), para além das declarações de princípio. Sem esquecer, além disso, a necessidade urgente de trabalhar também em um tipo particular de ecumenismo, talvez o mais difícil e delicado, aquele – assim poderia ser chamado – intra-católico: entre fiéis de devoções e fidelidades diversas, que o próprio papa está insistentemente impelindo a encontrar a coragem do confronto com o outro e a rejeitar os medos ligados ao sectarismo (basta reler o último Discurso à cúria de 21 de dezembro de 2020: “A Igreja, lida com as categorias de conflito - esquerda e direita, progressistas e tradicionalistas - fragmenta, polariza, perverte e trai a sua verdadeira natureza”).
Na verdade, navegando na internet, não tem sido difícil há anos encontrar intervenções de grupos ou indivíduos católicos que se dizem profundamente escandalizados pelo excessivo impulso ecumênico de Francisco, como se sua cultura de encontro - enfim, uma autêntica figura deste papado – nada mais fosse que uma rendição ao espírito dos tempos, ou mesmo uma indicação transparente de um verdadeiro sinal de relativismo ... em chave da protestantização progressiva do catolicismo atual. É lícito se perguntar: farpas desgovernadas ou sinais de uma fratura que está se ampliando e que deve ser enfrentada com a devida parrésia e com igual caridade? Mais complexo responder; mas permanece o fato de que agora, porém, como todos os anos, a bola está no campo de quem é chamado a traduzir as instâncias de abertura que surgiram durante a Spuc no cotidiano da vida das nossas comunidades: bispos, párocos, pastores, leigos. Seremos capazes de nos mostrar à altura desse projeto, que é tão ambicioso quanto necessário e não pode ser adiado? Ou preferiremos continuar nos caminhos seguros do já conhecido, sem nos abrir aos ditames do futuro?
Uma reorientação global do ser cristão hoje. O ecumenismo, além disso, é chamado a responder a uma necessidade tripla e premente: a de enfrentar a responsabilidade da memória dividida das igrejas cristãs; de transformar divisões em diferenças (legítimas); e de elaborar um projeto comum, praticando a hermenêutica evangélica da alteridade. No encontro ecumênico, de fato, a escuta recíproca resulta sobretudo na partilha da vida e dos bens espirituais, participação recíproca no aprendizado das respectivas linguagens, aprendizagem do que pode ferir o outro ou lhe ser inadmissível. Assim poderiam se afrouxar os preconceitos, se superaria o medo do outro e a tentação de identificar tout court diferença e divisão, abrindo-se a possibilidade de repensar junto com o outro a própria fé, sua transmissão, a evangelização daquele mundo que Deus tanto amou que lhe deu o seu único Filho. Desse ponto de vista, mais do que falar simplesmente de crise do ecumenismo, como se costuma fazer depois da primavera conciliar, poderíamos ler esse processo em termos de uma reorientação global, que tem tudo a ganhar numa relação virtuosa com uma renovada teologia da missão.
Por muitas razões, sobre os quais valeria a pena investigar, o interesse primário do ecumenismo se deslocou da unidade visível e concreta dos cristãos (como seria possível rezar juntos, celebrar juntos, viver o testemunho da fé juntos) para uma dimensão mais extrovertida, na qual há um confronto obrigatório com as outras religiões, com os desafios da modernidade e da secularização, com problemas - certamente, urgentes! - de salvaguardar a criação, a paz, a justiça, e assim por diante. Com o risco de quase dar por certo o anseio maior pelo qual se faz ecumenismo: a saber, o fato de que o próprio Jesus orou ao Pai para que os discípulos fossem uma só coisa, e o fato de que os outros podem crer graças ao testemunho de amor que os cristãos terão uns pelos outros (Jo 17,20-21). E não porque desta forma os cristãos poderiam contar mais na Europa, teriam mais autoridade ao se confrontar com os muçulmanos, ou seriam mais capazes de discutir com o pensamento laico sobre temas como a paz ou a ecologia ... Não para nós que, imersos na cultura da pós-modernidade, vivemos a experiência de ser igreja há quase 60 anos após o lançamento do Vaticano II, o diálogo ecumênico não deveria ser uma opção entre muitas, a ser perseguida ou não de acordo com as estações, mas a forma comum de ser cristãos hoje.
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A forma comum de ser cristãos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU