“Não pode haver sinodalidade viável na Igreja Católica que continue a ignorar ou adiar as questões fundamentais dos ministérios eclesiais e do papel das mulheres na liderança da Igreja”, escreve Massimo Faggioli, historiador italiano e professor da Villanova University, em artigo publicado por La Croix, 29-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O caminho para o Sínodo de 2022 perpassa pelos caminhos sinodais da Alemanha e Austrália.
A preparação de uma assembleia internacional do Sínodo dos Bispos é uma operação complexa.
Esse é especialmente o caso do papa Francisco, para quem essas reuniões não são apenas para exibição. E é particularmente difícil planejar a próxima assembleia geral, que está marcada para outubro de 2022 em Roma e se concentrará sobre o próprio tema da sinodalidade.
Os preparativos para esta assembleia são cruciais, especialmente porque – neste caso – o meio é realmente a mensagem. Mas o planejamento está ocorrendo em meio a algo como uma paralisia institucional, se não em Roma, pelo menos em muitas igrejas locais.
É difícil imaginar o mundo voltando ao seu padrão normal de reuniões e viagens internacionais antes do segundo semestre de 2021. Os executivos das companhias aéreas até alertam que não é provável que seja até 2024, quando então voltaremos a algum tipo de situação pré-covid.
Isso criou um paradoxo no atual pontificado – como reconciliar a ideia do Papa de sinodalidade como um povo caminhando junto na Igreja com as medidas antipandêmicas de distanciamento obrigatório, quarentena e isolamento.
Durante um discurso em outubro de 2015, que poderia ser considerado a “carta magna” da sinodalidade eclesial, Francisco descreveu a Igreja sinodal como sendo “como um estandarte erguido pelas nações”.
Mas ficou mais difícil imaginar como realmente ser uma Igreja sinodal nesses sete meses desde que ele anunciou o tema da assembleia sinodal de 2022.
Quando ele fez o anúncio, na primeira semana de março, muitos países já estavam entrando no lockdown da pandemia.
A sinodalidade tornou-se parte do vocabulário da Igreja de uma forma que dificilmente poderia ser imaginada antes de Jorge Mario Bergoglio ser eleito Papa.
No entanto, a ênfase do Papa argentino na sinodalidade é uma história ainda em desenvolvimento com fases distintas e claramente identificáveis.
A Fase Um veio nos anos decisivos de 2013-2015. Foi marcada pelas duas assembleias sinodais sobre o casamento e a família – primeiro em 2014 e depois em 2015. Francisco anunciou estes encontros consecutivos sem precedentes apenas alguns meses após a sua eleição em 2013.
A segunda fase foi o intermezzo entre 2016-2018. Essa foi caracterizada por uma série de episódios.
Primeiro, houve a reação dos tradicionalistas a Amoris Laetitia, a exortação pós-sinodal do Papa de 2016 sobre o casamento e a vida familiar. Em seguida, houve a publicação em setembro de 2018 de Episcopalis Communio, uma constituição apostólica para reformar o Sínodo dos Bispos.
Poucas semanas depois, foi emitida uma instrução sobre a celebração do Sínodo, seguida quase imediatamente pela assembleia do Sínodo dos Bispos sobre os jovens (3-28 de outubro).
A Fase Três está tomando forma e pode ser identificada com as crescentes preocupações que Francisco expressou desde o início de 2019 sobre os riscos da sinodalidade e a necessidade de distingui-la do funcionalismo parlamentar.
Ele articulou suas apreensões em uma carta à Igreja da Alemanha (junho de 2019), em discursos que proferiu durante o chamado Sínodo Pan-Amazônico (outubro de 2019) e até na exortação pós-sinodal, Querida Amazônia.
Finalmente, o Papa também expressou sua preocupação sobre a falta de entendimento sobre o Sínodo e a sinodalidade em um escrito nunca publicado, mas que foi revelado pelo jesuíta Antonio Spadaro em um artigo da La Civiltà Cattolica, de setembro passado.
Nos últimos dois anos, Francisco tem sido cada vez mais persistente no alerta contra o perigo de permitir que a sinodalidade caia nas mãos de elites eclesiais que a colocarão uma política idiossincrática e tocarão mudanças canônicas.
Ele também está obstinado para que o procedimento sinodal não se torne em algo similar a debates parlamentares.
O que isso significa para agora e 2022, como uma visão do Papa para uma Igreja sinodal que se encaminha para a Fase Quatro?
Os próximos dois anos devem revelar se a nova ênfase do Papa sobre a sinodalidade é meramente uma mudança no vocabulário ou algo que aspira ou pretende criar raízes a nível institucional e em documentos do magistério.
São poucos os processos sinodais que já se iniciaram. Dois deles estão a nível nacional e eles devem ser completados entre agora e o início da próxima assembleia do Sínodo dos Bispos, em 2022.
O primeiro é na Alemanha, onde o “caminho sinodal” iniciado em 2019 tem chamado a atenção de muitos e causado ansiedade em Roma.
Nos últimos meses tem ocorrido algumas procissões de líderes da Igreja alemã para audiências com o Papa e oficiais da Cúria Romana.
O Sínodo nacional da Alemanha é um evento para todos os católicos do país, mas não é separado de outros processos locais.
Por exemplo, a diocese de Trier tem trabalhado para reestruturar o sistema paroquial, não somente reduzindo o número de paróquias, mas também repensando o papel do clero nos “times paroquiais” feitos por leigos.
No início deste ano, as autoridades em Roma rejeitaram o projeto apresentado pelo bispo de Trier, que na verdade foi fruto de um sínodo diocesano de 2016.
Outras dioceses na Alemanha estão planejando reformas semelhantes. O papa Francisco exortou sua Igreja a buscar uma “descentralização saudável” e promover uma maior sinodalidade. Mas o que isso significa para as igrejas locais, e quanto espaço Roma lhes permitirá manobrar, ainda não está claro.
O segundo lugar onde a sinodalidade está sendo testada em nível nacional é a Austrália.
A Igreja Católica começou a planejar um Conselho Plenário em 2018, realizando pequenas reuniões locais. O processo representa um dos exemplos mais interessantes de tentar aproveitar o “momento Francisco” – embora as primeiras propostas para um sínodo na Austrália tenham precedido a eleição do atual Papa.
No caso australiano, a preparação do Conselho Plenário foi moldada por um forte papel dos leigos, inclusive no nível de liderança no comitê executivo e na equipe de facilitação.
Uma característica fundamental dos preparativos é um relatório de 208 páginas, intitulado “A Luz da Cruz Austral: promovendo corresponsabilidade na Igreja Católica na Austrália”.
Foi compilado por 18 homens e mulheres católicos – um bispo, três padres e 14 leigos que representam um campo amplo e variado de especialização (para divulgação completa: fui membro dessa força-tarefa que trabalhou no relatório).
A Conferência Episcopal Australiana e os Religiosos Católicos da Austrália pediram ao grupo para basear seu relatório nas recomendações que a Comissão Real para Respostas Institucionais ao Abuso Sexual Infantil (2013-2017) fez sobre a governança da Igreja local – mas, obviamente, de uma forma compatível com a eclesiologia católica.
Este relatório pode se tornar um modelo de como uma Igreja pode proceder na reforma de sua estrutura de governo em resposta à crise de abusos. Nenhuma igreja no catolicismo global está isenta dessa tarefa.
Não é exagero dizer que o caminho para a assembleia do Sínodo dos Bispos de 2022 em Roma passa pelos processos sinodais na Alemanha e na Austrália.
Esses dois processos também servem de exemplo e desafio para outros países, como Itália e Estados Unidos, cujas hierarquias negam a sinodalidade ou simplesmente a ignoram.
Mas não se trata apenas do futuro da sinodalidade nas Igrejas locais, e não se trata de um aspecto particular do pontificado de Francisco separável do todo.
Tanto o processo sinodal alemão quanto o australiano são uma resposta direta à trágica história de abuso sexual na Igreja. O fracasso desses eventos eclesiais seria catastrófico, porque seria mais um fracasso na resposta institucional da Igreja à crise dos abusos.
Nos próximos dois anos, há muito em jogo para o pontificado de Francisco, especialmente porque o Vaticano tem enviado mensagens contraditórias nos últimos meses.
Apesar de toda a grande contribuição do Papa sobre a sinodalidade, a Cúria Romana ainda fala uma linguagem muito diferente.
Por exemplo, a Congregação para o Clero emitiu em julho passado uma nova instrução sobre “a conversão pastoral da comunidade paroquial”. Entre outras omissões que chamam a atenção, nunca menciona a crise dos abusos.
E simplesmente repropõe o modelo tradicional de governo paroquial, centrado no sacerdócio monocrático. Isso é simplesmente irreal em muitas igrejas hoje.
Cabe comparar isso com a nomeação do cardeal Mario Grech como secretário-geral do Sínodo dos Bispos, que assumiu o cargo em outubro.
É um compromisso crucial e envia um sinal claro de que a sinodalidade pode reavivar o potencial evangelizador e missionário das igrejas locais.
Decididamente, não é outra forma de perpetuar uma forma clerical de governar a Igreja, que é claramente insustentável tanto do ponto de vista teológico quanto prático.
Não pode haver sinodalidade viável na Igreja Católica que continue a ignorar ou adiar as questões fundamentais dos ministérios eclesiais e do papel das mulheres na liderança da Igreja.
Teólogos latino-americanos e líderes da Igreja ficaram muito desapontados com a maneira como o Papa interpretou o Sínodo da Amazônia em sua exortação apostólica Querida Amazônia. Mas eles expressaram sua decepção em particular.
Os latino-americanos sabem que não podem decepcionar seu próprio Papa, um filho nativo.
Mas se as esperanças sinodais forem frustradas na Alemanha e na Austrália, deixando os católicos desses dois países profundamente decepcionados, a história pode ser totalmente diferente.
É muito arriscado esperar que essas duas Igrejas locais, as quais estão entre as mais atingidas pela crise de abusos, reagiriam de formas polidas como seus irmãos e irmãs da América Latina.
Dessa vez uma variação sobre o tema “la synodalitè – c’est moi”, ou “a sinodalidade sou eu”, não basta.