16 Outubro 2020
As reflexões sobre a água estão cada vez mais presentes nas esferas social e eclesial. Nesta quinta-feira, 15 de junho, em uma atividade que precede tudo o que será desenvolvido na Semana Brasileira da Água 2020, que acontecerá de 26 a 30 de outubro, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP organizou um encontro virtual no qual refletiram sobre "Água, Direitos Humanos e Esperança". Na verdade, a falta de acesso à água por milhões de seres humanos é um apelo à responsabilidade e à superação de burocracias e barreiras legais para que os mais vulneráveis tenham acesso à água.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
O Sínodo para a Amazônia, cuja assembleia comemoramos o primeiro aniversário, foi "um desafio intenso e profundo do qual aprendemos escutando e dialogando, enfrentando os problemas reais e seus autênticos protagonistas: os povos amazônicos". Com esta afirmação, o Cardeal Hummes quis destacar o drama do bioma amazônico e dos povos que o habitam, "vítimas das desigualdades, das consequências do modelo econômico extrativista e predatório, da ausência de direitos elementares".
A importância da água foi reconhecida na abertura do Sínodo, lembrando o que Laudato Si' disse, "ela é indispensável para a vida humana e para a manutenção dos ecossistemas terrestres e aquáticos". De fato, "a escassez de água potável é uma ameaça crescente em todo o planeta", segundo Hummes, algo que se tornou ainda mais evidente com a pandemia de Covid-19. Este é um direito humano, sabendo que "os direitos humanos não são iguais para todos", como afirma o Papa Francisco em Fratelli Tutti. Diante da pandemia, somos desafiados a ampliar os cenários possíveis, diz o presidente da CEAMA, que vê tempos difíceis pela frente: falta de emprego formal, empresas falidas, fome crescente, falta de acesso de todos à água potável, entre outros elementos.
Em uma sociedade que tem sido profundamente afetada e fragmentada, "é necessário um projeto que nos transcenda e nos desafie como humanidade", diz o cardeal brasileiro, que vê a esperança como algo a ser "construído com os destinatários, em um processo de diálogo e encontro". Trata-se, segundo Hummes, "de como acrescentar ao nosso universo cultural, novos elementos indispensáveis para o futuro, num mundo multicultural, transcultural e intercultural". Neste sentido, ele coloca o processo sinodal, um processo de saída para as periferias geográficas e existenciais, como um exemplo que "pode iluminar e inspirar a construção da esperança hoje".
O Cardeal defende a necessidade de "uma política compassiva e sadia, capaz de liderar as mudanças substantivas que o planeta precisa", o que gera uma sociedade de próximos. Ele também fala de uma Igreja inculturada, "que aprende, que testemunha, que consola e que se indigna". Além disso, deve-se promover uma pedagogia de cuidado, que ajude a curar a terra ferida. Hummes destaca a REPAM como "um discípulo que aprende com todas as vozes e propõe o encontro, a cooperação e a solidariedade", que agora está geminada com a CEAMA, buscando criar a cultura do encontro, superando a cultura do descarte e a globalização da indiferença. O desafio é "caminhar juntos como irmãos, respeitando nossas diferenças, construindo em diálogo os caminhos substantivos para tornar os direitos humanos concretos para todos".
Não podemos esquecer que o ecossistema amazônico é uma das mais importantes fontes de água doce do planeta, como Patrícia Gualinga assinalou. A líder indígena do povo Kichwa de Sarayaku denunciou as ameaças que pairam sobre a Amazônia, através de grandes empresas extrativistas, petrolíferas, mineradoras e madeireiras... Nesta situação, "o povo que vive aqui fica com o pior", disse a auditora sinodal, que vê "uma injustiça social latente que não quer ser mudada", um sinal do abandono do Estado. Diante disso, o Sínodo fez com que os povos indígenas considerassem a Igreja como uma aliada, fez com que eles vissem a importância da Amazônia, também da água, segundo a líder indígena.
É necessário estabelecer novas estruturas normativas que ajudem a construir a justiça da água, uma ideia defendida por Enrique Cresto, chefe da ENOHSA (Entidade Nacional de Obras de Saneamento da Água da Argentina). Em sua reflexão, ele partiu da Laudato Si', que aborda a questão da água a partir de sua importância, qualidade, acesso e futuro. Vivemos em um cenário de injustiça hídrica, que está gerando cada vez mais conflitos, como consequência da crescente concentração de água e do direito à água em poucas mãos. Segundo Cresto, "a distribuição injusta da água não só se manifesta em termos de pobreza, mas também representa uma séria ameaça à segurança alimentar nacional e à sustentabilidade ambiental".
De fato, quando confrontado com o problema da água, há uma falta de regulamentação e conscientização, uma vez que não se trata de uma política estatal. Portanto, Cresto vê a necessidade de criar um novo marco regulatório, a ser construído pelos diferentes atores da sociedade, que leve em conta os objetivos do desenvolvimento sustentável. Além disso, ele defende a educação ambiental como ferramenta social para a promoção do uso responsável, eficiente e sustentável dos recursos hídricos.
A esperança e o futuro estão intimamente relacionados, na opinião de Gabriela Sacco. Para muitas pessoas, "a esperança significa a possibilidade de satisfazer suas necessidades mais básicas", incluindo a água, um direito garantido por lei, mas nem sempre na prática. De fato, "o direito à água, como um problema multidimensional, é uma questão em que temos trabalhado no Instituto para o Diálogo Global e a Cultura do Encontro por muitos anos", diz sua diretora executiva. Ela destacou o seminário internacional sobre o Direito à Água na Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, onde o Papa Francisco lembrou que "onde há água há vida, tornando possível que as sociedades surjam e avancem".
Sacco sustenta que "o diálogo é fundamental para o aprendizado e o aprendizado é fundamental para a esperança". Neste sentido, "o diálogo social autêntico implica a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro e admitir que ele pode incluir convicções e preocupações legítimas", uma ideia expressa por Fratelli Tutti. O diálogo amplia perspectivas, promovendo a construção de significados compartilhados, tentando encontrar lugares de acordo, afirma Gabriela, "ajuda a descobrir significados coletivos como âncoras de entendimentos mais profundos". É por isso que, segundo ela, "não podemos deixar ninguém de fora dos diálogos sobre questões que afetam a todos".
Em suas palavras, a diretora executiva do Instituto para o Diálogo Global e a Cultura do Encontro, abordou a questão da ambiguidade, algo presente no direito à água, que nem sempre é acessível. Ela pediu nos afastarmos de uma perspectiva exclusivamente utilitária sobre a água, o que evita focalizar em sua mercantilização. Sacco lembrou que somos chamados pelo Papa Francisco a nos perguntar o que é importante e o que não é, a pensar no futuro, a "desenvolver a consciência de que hoje ou nos salvamos todos juntos ou ninguém se salva".
Na América Latina, apenas 10 países da Região possuem um serviço de água administrada segura e 8 possuem saneamento, algo que foi notado por José Luis Lingeri. A isto se soma o fato de que 8,5 milhões de pessoas bebem água de fontes superficiais sem tratamento prévio e 19 milhões de pessoas defecam a céu aberto. Esta realidade, segundo o Secretário de Ação Social da Confederação Geral do Trabalho, "nos impõe o desafio de resolver esta questão primordial, contemplando o cuidado com as fontes de água e com o meio ambiente em geral". Com base nas ideias do Papa Francisco, Lingeri defende "o desenvolvimento de obras de infraestrutura para o abastecimento de água que considerem a sustentabilidade das fontes, evitando seu uso intensivo e priorizando o abastecimento da população sobre processos produtivos como mineração e agricultura”.
O modelo agroexportador, no qual a América Latina concentra principalmente sua matriz produtiva, mostrou que aproximadamente 70% da água é utilizada nestas atividades, enfatiza o sindicalista argentino. Isto causa "a perda de florestas naturais cujos impactos sobre a água têm sido muito consideráveis", uma tendência que só está aumentando e coloca o desafio de "encontrar o equilíbrio para abastecer a população carente de água e serviços de saneamento, reduzindo os impactos sobre nossa casa comum". Dado o cenário atual, ele propõe um maior treinamento e participação dos sindicatos para alcançar o acesso universal aos serviços de água e saneamento e para cuidar de nossa casa comum.
Há experiências da sociedade civil que buscam uma gestão mais democrática da água e do saneamento, como o Fórum da Água de Manaus, do qual Sandoval Alves Rocha é membro. Em sua apresentação, ele mostrou a grande diversidade no acesso à água na Amazônia, na maioria dos casos de forma precária e sem muita qualidade. No caso de Manaus, a gestão privada mostra um sistema precário, especialmente nas periferias, onde a maior parte do investimento vem do Estado, algo contraditório quando se trata de gestão privada.
Segundo Sandoval Rocha, duas comissões parlamentares de inquérito demonstraram a irresponsabilidade e ineficiência da empresa que administra a água em Manaus, com tarifas abusivas, ignorando a tarifa social, que atinge apenas 30.000 das 130.000 famílias que deveriam ser beneficiadas, com graves consequências sociais. Na região norte do Brasil, onde está localizada a Amazônia, apenas 57,1% da população tem acesso à água potável, uma porcentagem que permanece em míseros 10,5% em termos de saneamento básico. Isto contrasta com 83,6% no acesso à água e 53% no saneamento básico no Brasil como um todo. Isto exige maior legislação e controle social por parte da sociedade civil, buscando investimentos dos governos nas periferias.
A esperança precisa ser construída com os destinatários, num processo de diálogo e encontro, nas palavras de Luis Liberman, que insiste na perplexidade global e na angustiante insegurança das pessoas comuns gerada pelo Covid-19, algo que deve ser prolongado no período pós-pandêmico, o que trará tempos difíceis. Mas a pandemia também trouxe "novas formas e práticas de solidariedade, de convivência familiar harmoniosa, de criatividade em vários campos", insiste o diretor do Instituto para o Diálogo Global e a Cultura do Encontro, que apela para a promoção do que é positivo.
O caminho é "abrir nossas cabeças, corações e mãos", buscando "inovar uma nova prática concreta à luz do diálogo e do encontro". Neste sentido, Liberman defende a presença da sociedade civil e do mundo empresarial para alcançar os objetivos do desenvolvimento sustentável, algo que não pode ser adiado indefinidamente. Ele defende uma visão holística e um repensar do papel dos Estados, perguntando-se até que ponto esses objetivos "constituem uma porta para a mobilização social e a pressão do grupo", algo que está tomando forma em vários níveis em todo o planeta e que está tendo um forte impacto sobre os jovens.
A chave do sucesso está na transferência, em saber como fazer o que foi pensado. Para isso, ele propõe como ferramentas a retroprojeção e a configuração de um roteiro tecnológico, buscando políticas robustas, resilientes e inovadoras, assim como mudanças sustentáveis, que implicam em uma mudança de representações e hábitos, na opinião de Liberman, que vê as inovações como "aquelas que mudam a maneira de ver, entender e representar o mundo". Por esta razão, ele insiste que "não podemos pensar depois da pandemia com as categorias que nos levaram ao fracasso antes da pandemia", o que deveria nos levar a pensar na resiliência à qual esta pandemia nos força.
Para este fim, Liberman defende a existência de um pacto global e a prevalência de uma visão ontológica nascida da ecologia integral e de modelos antiextracionistas. Ele não hesita em afirmar que o problema da água é o mais complexo hoje e nos tempos que virão. A água garante a melhoria das condições de vida, o que deve nos levar a nos concentrarmos nas periferias e defender o valor do público. É por isso que, com o Papa Francisco, ele defende o valor da esperança, que "é ousada, sabe olhar além da comunidade pessoal, além dos pequenos títulos que estreitam o horizonte para abrir-se a grandes ideais, ideais que tornam a vida mais bela e mais digna".
Finalmente, João Gutemberg Sampaio enfatizou a importância da convergência, fenômeno presente nas águas da Amazônia, onde o rio Amazonas deve ser considerado como o bem comum de toda a humanidade. O secretário executivo da REPAM ressaltou que a rede está pronta para receber o movimento das águas que vem das diferentes experiências das políticas públicas, organizações sociais, cosmovisões dos povos originários e do pensamento do Papa Francisco.
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Água, Direitos Humanos e Esperança, o que fazer para que os mais vulneráveis tenham acesso à água - Instituto Humanitas Unisinos - IHU