29 Agosto 2020
“Se existe algo em comum em Zizek, Berardi, Badiou, etc., é que olham para o Populismo, apesar de suas diferentes origens filosóficas, com receio. Curiosamente, ou nem tanto, são mulheres como Nancy Fraser, Chantal Mouffe, Judith Butler e Wendy Brown que souberam problematizar a questão de um lugar diferente ao dos autores masculinos, o que torna muito auspicioso um populismo feminista”, escreve Jorge Alemán, psicanalista e escritor argentino, em artigo publicado por Página/12, 25-08-2020. A tradução é do Cepat.
Se algo caracteriza os pensadores pós-marxistas europeus, é terem sabido descrever, de diferentes pontos de vista, a grande potência atual do capitalismo. Especialmente quando deixou para trás seu período industrial e o mundo abstrato dos algoritmos foi capturando a realidade em todos os seus confins. O capitalismo, como previsto por Marx, busca sua própria reprodução para além de todos os limites ou os deslocando constantemente até que corroa todos os laços sociais e faça do Estado um instrumento a serviço desse regime de dominação.
É claro, a chamada subjetividade não está fora desse projeto capitalista. Se para Marx no capitalismo "tudo que é sólido se desmancha no ar", para os pensadores pós-marxistas, as subjetividades ficam a princípio presas neste redemoinho de dissolução de todos os projetos políticos, afetando radicalmente a existência humana em sua própria constituição.
Obviamente, esses pensadores baseiam-se em diferentes tradições para a sua leitura de Marx e obtêm diferentes conclusões. Apresento, aqui, as características mais representativas que possuem em comum e sempre insistirei que suas leituras devem ser levadas em consideração. Em particular, dão uma boa explicação do que Marx determinou a subsunção real do Capital sobre as outras esferas.
Dado que há anos lido com eles e seus seguidores, vou me permitir apontar um aspecto que os incomoda. Nos 44 anos que vivi na Europa, nunca presenciei um movimento político transformador ou mesmo parcial ou reformista, para usar a terminologia que usam, segundo diferentes variantes, uma mais generosa que outra nas caracterizações dos movimentos nacionais e populares. Na Espanha, o ‘Podemos’ tentou outra coisa, mas sua tentativa foi malsucedida. A hipótese populista foi destroçada pelo consenso da inteligência pós-marxista europeia.
Se existe algo em comum em Zizek, Berardi, Badiou, etc., é que olham para o Populismo, apesar de suas diferentes origens filosóficas, com receio. Curiosamente, ou nem tanto, são mulheres como Nancy Fraser, Chantal Mouffe, Judith Butler e Wendy Brown que souberam problematizar a questão de um lugar diferente ao dos autores masculinos, o que torna muito auspicioso um populismo feminista. Na América Latina e na Espanha, existem grandes testemunhos intelectuais dessa posição.
No entanto, os autores pós-marxistas continuam olhando com desconfiança teórica as experiências nacionais e populares da América Latina, embora já não se trata, como nos anos 1970, da caracterização grosseira de fascismo ou de bonapartismo, mas como não está presente Pasolini, a relação das forças plebeias com a construção de um Estado soberano é considerada uma limitação estrutural. No entanto, é preciso enfatizar que para a vida cotidiana dos homens e mulheres dos povos latino-americanos o que os europeus veem como tão limitado é muitas vezes uma questão de vida ou morte.
Uma questão difícil de tornar sensível para os nossos lúcidos professores universitários europeus. Deveria falar, aqui, do marxismo anglo-saxão, que é ainda mais fiel a Marx, mas nesse ponto não encontraria muitas diferenças.
Em todo caso, o chamado marxismo ocidental sempre esteve marcado pelas pegadas eurocêntricas. O paradoxo é que os intelectuais pertencentes ao campo nacional e popular, sim, enriquecem suas leituras com autores pós-marxistas. Assimetria que considero enriquecedora para o nosso campo. Isso nos dá a oportunidade de colocar em tensão certas leituras.
Nem é preciso dizer que agora a pandemia intensificou as diferenças, enquanto os europeus falam em colapsos, guerras civis, explosões sociais, todos eventos que podem ser factíveis no futuro histórico. Enquanto isso, no presente latino-americano, onde cada dia é a história da humanidade, como me disse Laclau nas Canárias, beijamos mais uma vez a Cruz do movimento nacional e popular.
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América Latina e os intelectuais europeus. Artigo de Jorge Alemán - Instituto Humanitas Unisinos - IHU