05 Agosto 2020
"Acompanho-te na dor por esse ato de vandalismo e estou perto de ti e de teu povo". Assim, o Papa Francisco se expressou em uma mensagem pessoal ao cardeal de Manágua, Leopoldo Brenes, após o atentado à catedral metropolitana. Bergoglio já havia se referido no Angelus de domingo na Praça São Pedro ao que o arcebispo Brenes havia chamado imediatamente de "um ataque terrorista planejado em detalhes". Na sexta-feira passada, segundo várias testemunhas, um estranho encapuzado lançou uma espécie de coquetel molotov na catedral, incendiando a capela e quase destruindo um crucifixo antigo de quatro séculos atrás; depois fugiu em um carro que o aguardava do lado de fora. O cardeal desmentiu a versão da vice-presidente Rosario Murillo, consorte do “ex” comandante da guerrilha e atual presidente da Nicarágua Daniel Ortega, que em seu programa diário de rádio garantia ter sido um incêndio devido à presença de velas na capela. "Não havia velas, cortinas ou paramentos de qualquer tipo na capela", retrucou Brenes.
A reportagem é de Gianni Beretta, publicada por Il Manifesto, 04-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O ato de intimidação segue a clamorosa profanação na mesma catedral, em março passado, por um grupo de seguidores orteguistas, do funeral do padre-poeta Ernesto Cardenal, ministro da cultura durante a década revolucionária sandinista e, posteriormente, severo crítico, que chamou Ortega "um tirano pior que o ditador Somoza".
A relação entre o regime orteguista e a Igreja Católica tornou-se particularmente tensa durante e após o levante popular pacífico de abril de 2018, desencadeado por estudantes universitários e sufocado no sangue por policiais e paramilitares com um saldo de pelo menos 350 mortos. Naqueles três meses de confrontos, muitas igrejas se converteram em abrigos para feridos e manifestantes e foram invadidas por esquadrões de bandidos que, por exemplo, em Masaya, atingiram o próprio cardeal Brenes e alguns de seus colaboradores que protegiam os manifestantes que se refugiavam no templo.
Ameaças a religiosos e os vandalismos continuaram um pouco em todo o país. E nos dias que antecederam o incêndio na capela, o regime orteguista havia aceitado mal o anúncio do cardeal Brenes de suspender a histórica procissão religiosa marcada para o dia de Santo Domingo, padroeiro da capital, como medida de precaução em meio ao contágio de Covid 19. Um evento que o governo catolicíssimo de Ortega, como em outras circunstâncias, preferiria celebrar durante todos os primeiros dez dias de agosto, confirmando a linha irresponsável seguida até agora de ignorar a pandemia de coronavírus.
Durante a década revolucionária de 1980, as relações institucionais entre igreja e estado foram as piores. Mas Daniel Ortega, em vista das eleições de 2007 que o reassentariam na liderança do país, para agradar o voto católico havia se casado novamente na catedral com Rosario Murillo pelo então cardeal Obanbo y Bravo, historicamente o maior inimigo interno durante o era revolucionária, apoiado pelo então presidente dos EUA Ronald Reagan. Uma vez eleito, Ortega retribuiu decretando uma lei que proibia o aborto na Nicarágua a partir daquele dia, vigente há mais de um século em caso de violação ou risco de vida da mãe.
Foi o início do novo curso de Daniel Ortega, sob o lema "Nicarágua socialista, cristã e solidária".
Obando y Bravo, nomeado cardeal em 1985 pelo papa Wojtyla e falecido com mais de noventa anos há cerca de dois, foi preterido em 2014 ao cargo de cardeal pela escolha do papa Bergoglio do atual Mons. Brenes. Que, por sua vez, tentou uma mediação entre governo e manifestantes em 2018; retirando-se, depois, da tentativa de conciliação em que se solicitavam processos por violações de direitos humanos durante a revolta e a realização de uma reforma eleitoral que garantisse eleições livres e democráticas antecipadas.
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Nicarágua. Papa Francisco: contra a Catedral de Manágua, um “ato de vandalismo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU