07 Julho 2020
"O fato é que já estamos dentro da sexta extinção em massa. Inauguramos, segundo alguns cientistas, uma nova era geológica, a do antropoceno e sua expressão mais danosa, a do necroceno. A atividade humana (antropoceno) se revela a responsável pela produção em massa da morte (necroceno) de seres vivos", escreve Leonardo Boff, ecoteólogo e escritor, que acaba de escrever um livro: Covid-19: A Mãe Terra contra-ataca a Humanidade, a sair pela Editora Vozes ainda este ano.
Até a presente data toda a preocupação face à covid-19 está centrada na medicina, na técnica e em todos os insumos que impedem a contaminação dos operadores da saúde. Principalmente se busca de forma urgente uma vacina eficaz. Na sociedade, o isolamento social e evitar a conglomeração de pessoas. Tudo isso é fundamental. No entanto, não podemos considerar o coronavírus como um dado isolado. Ele deve ser visto dentro do contexto que permitiu sua irrupção.
Ele veio da natureza. Ora, como bem disse o papa Francisco em sua encíclica “sobre o cuidado da Casa Comum”: “Nunca maltratamos e ferimos nossa Casa Comum como nos dois últimos séculos” (n.53). Quem a feriu foi o processo industrialista: o socialismo real (enquanto existia) e principalmente o sistema capitalista hoje globalizado. Este é o Satã da Terra que a devasta e à leva a todo tipo de desequilíbrios.
Ele é o principal (não o único) responsável pelas várias ameaças que pairam sobre o sistema-vida e o sistema-Terra: desde o possível holocausto nuclear, o aquecimento global, a escassez de água potável até a erosão da biodiversidade. Faço minhas as palavras do conhecido geógrafo norte-americano David Harvey: “A covid-19 é a vingança da natureza por mais de quarenta anos de maus-tratos e abuso nas mãos de um extrativismo neoliberal violento e não regulamentado”.
Isabelle Stengers, química e filósofa da ciência que muito trabalhou em parceria com o Nobel Ilya Prigogine, sustenta a mesma tese que eu também sustento: “o coronavírus seria uma intrusão da Terra-Gaia nas nossas sociedades, uma resposta ao antropoceno”.
Conhecíamos outras intrusões: a peste negra (peste bubônica) que vinda da Eurásia dizimou, ao todo, segundo estimativas, entre 75-200 milhões de pessoas. Na Europa entre 1346-1353 desfalcou a metade de sua população de 475 para 350 milhões. Ela precisou de 200 anos para se recompor. Foi a mais devastadora já conhecida na história. Notória também foi a gripe espanhola. Oriunda possivelmente dos EUA entre 1918-1920, infectou 500 milhões de pessoas e levando 50 milhões à morte, inclusive o presidente eleito Rodrigues Alves em 1919.
Agora, pela primeira vez um vírus atacou o planeta inteiro, levando milhares à morte sem podermos detê-la por sua rápida propagação já que vivemos numa cultura globalizada com alto deslocamento de pessoas que viajam por todos os continentes e podem ser portadores da epidemia.
A Terra já perdeu o seu equilíbrio e está buscando um novo. E esse novo poderá significar a devastação de importantes porções da biosfera e de parte significativa da espécie humana.
Isso vai ocorrer, apenas não sabemos quando nem como, afirmam notáveis biólogos. Se vier a temida NBO (The Next Big One), o próximo grande e devastador vírus, poderá, segundo o professor e pesquisador da USP Eduardo Massad, levar à morte cerca de 2 bilhões de pessoas, diminuindo a expectativa geral de vida de 72 para 58 anos. Outros temem até o fim da espécie humana.
O fato é que já estamos dentro da sexta extinção em massa. Inauguramos, segundo alguns cientistas, uma nova era geológica, a do antropoceno e sua expressão mais danosa, a do necroceno. A atividade humana (antropoceno) se revela a responsável pela produção em massa da morte (necroceno) de seres vivos.
Os diferentes centros científicos que sistematicamente acompanham o estado da Terra atestam que, de ano para ano, os principais itens que perpetuam a vida (água, solos, ar puro, sementes, fertilidade, climas e outros) estão se deteriorando dia a dia. Quando isso vai parar?
O dia da Sobrecarga da Terra (the Earth Overshoot Day) foi atingido no dia 29 de julho de 2019. Isto significa: até esta data foram consumidos todos os recursos naturais disponíveis e renováveis. Agora a Terra entrou no vermelho e no cheque especial.
Como frear esta exaustão? Se teimarmos em manter o consumo atual, especialmente o suntuoso, temos que aplicar mais violência contra a Terra forçando-a a nos dar o que já não tem ou não pode mais repor. Sua reação se expressa pelos eventos extremos, como o vendaval-bomba em Santa Catarina em fins de junho e pelos ataques dos vários tipos de vírus conhecidos: zika, chicungunya, ebola, Sars, o atual coronavírus e outros. Devemos incluir o crescimento da violência social já que Terra e Humanidade constituem uma única entidade relacional.
Ou mudamos nossa relação para com a Terra viva e para com a natureza ou poderemos contar com novos e mais potentes vírus que poderão dizimar milhões de vidas humanas. Nunca o nosso amor à vida, a sabedoria humana dos povos e a necessidade do cuidado foram tão urgentes.
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O coronavírus: um ataque da Terra contra nós. Artigo de Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU