16 Junho 2020
A cidade é a mais atingida pela Covid-19, que matou 2.400 pessoas e infectou mais de 54 mil no Amazonas. Na fotografia, a família de Marinete Almeida, do povo Tukano, mãe do bebê que nasceu durante o isolamento social.
A reportagem é de Izabel Santos, publicada por Amazônia Real, 12-06-2020.
Nesta quinta-feira (11), o Amazonas alcançou a triste marca de 54.098 casos confirmados de novo coronavírus e 2.400 mortes em três meses que a pandemia foi decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em Manaus, cidade epicentro da doença da região Norte, segue apresentando a segunda maior taxa de incidência entre os estados: 22.504 pessoas foram infectadas e 1.560 morreram. A taxa de mortalidade é de 71,47 óbitos para cada 100 mil habitantes, segundo os dados da Fundação de Vigilância (FVS) em Saúde do Governo do Amazonas.
Nesses três meses de isolamento social voluntário, o primeiro caso no Amazonas foi em 13 de março, muitas famílias manauaras se recolheram em suas casas literalmente para fugir do vírus letal. Elas continuam enfrentam dificuldades de todo tipo, desde a falta de atendimento médico a alimentos. O luto é constante. As valas comuns abertas pela prefeitura de Manaus, que protagonizou uma das imagens mais marcantes e desumanas da pandemia no mundo, continuam enterrando pessoas. No último dia 1º de junho, mesmo com o número de casos ainda em ascensão, e contrariando todas as recomendações de especialistas, o governador Wilson Lima (PSC), apoiador do presidente Jair Bolsonaro, autorizou a retomada gradual das atividades comerciais não essenciais.
A reportagem da Amazônia Real ouviu os relatos de quatro mulheres que superaram os desafios da emergência sanitária. Elas mostram que a vida se mostrou mais forte.
Marinete Almeida Pandemia Manaus. (Foto: Pedro Costa Neto)
A artesã Marinete Almeida, líder indígena do povo Tukano, membra da Associação das Artesãs Indígenas da Amazônia Viva (Aaimav) e do Fórum Permanente de Mulheres de Manaus (FPMM), enfrentou, ao mesmo tempo, desemprego, a mudança de rotina com um filho autista, a perda da mãe e um parto no auge da pandemia. Em março, ela estava grávida de sete meses, quando Manaus registrou o primeiro caso da doença, dia 13.
“Eu e meus irmãos, tivemos que unir as nossas famílias sob o mesmo teto para ter o que comer e para ter onde morar, pois estávamos desempregados e moramos alugado”, relata.
Ainda em março, a mãe de Marinete, uma idosa do povo Tariano, do município de São Gabriel da Cachoeira, a 810 quilômetros da capital, morreu por complicações de saúde à espera de uma cirurgia cardíaca nos hospitais de Manaus. “Um dos meus irmãos, que era estagiário na Delegacia Geral de Polícia Civil, chegou em casa contando que as atividades no local foram suspensas, devido a um dos servidores ser marido da mulher que registrou o primeiro caso do novo coronavírus em Manaus. Nós dissemos para ele: ‘Tome cuidado, fique atento aos sintomas dessa doença’”, lembra Marinete. Dias depois, a mãe deles morreu.
A líder indígena conta que não foi possível determinar se a causa do óbito foi Covid-19 ou outra doença, pois ainda não tinha testes rápidos. “Ela teve febre, tosse, começou a passar mal e teve que ir para um hospital. Só nos disseram que estava com a imunidade baixa. Ficamos em dúvida se ela morreu ou não de Covid-19. No atestado de óbito, consta que ela morreu de complicações cardíacas e AVC”, relata Marinete.
No início de abril, o Ministério da Saúde incluiu gestantes e puérperas no grupo de risco da Covid-19, ou seja, elas são pacientes que podem evoluir para formas graves da doença. Foi nesse período, que a angústia de Marinete começou a aumentar. “Eu fiquei sem atendimento, porque meu médico contraiu a doença e não pôde mais me atender. Fiquei com muito medo, pois minha gestação era de alto risco”. Em 12 de maio, quando entrou em trabalho de parto, ela não teve direito a acompanhante. A artesã teve a filha na Maternidade Balbina Mestrinho, unidade referência para o atendimento de gestantes com Covid-19 ou suspeita da doença. Naquele dia havia, duas mulheres com suspeita do novo coronavírus na unidade hospitalar, que estava lotado.
“Os médicos estavam muito nervosos. O medo era grande, porque eu estava na maternidade para dar à luz a uma bebê. Eu tinha medo, não por mim, mas pela minha filha, que podia contrair a doença depois que nascesse ou a qualquer momento”, lembra Marinete. Ter uma gestação durante a pandemia foi traumático. “Fiquei e estou muito abalada, porque isso mudou a rotina de muita gente, imagina de uma grávida?” Ela relata a tensão que antecedeu o momento do parto: “Tudo isso, o sentimento de perda, o de ficar presa em casa, a agonia, a ansiedade…tem hora que bate uma depressão, porque não sabemos se vai melhorar ou piorar. Eu estou com uma bebê nova, que exige cuidados redobrados…é o medo que nós temos”, contou a artesã à Amazônia Real.
Vanderleia (blusa verde), Estefanny (de vinho), Dayane (com listras),
Gabriela (de preto) e sua a mãe Meire (listras brancas e pretas). (Foto: Arquivo Pessoal)
A atriz Gabriela Barbosa esteve às voltas com problemas provocados pela Covid-19. Ela e a irmã apresentaram sintomas leves da doença após terem ficado tomando conta da mãe idosa, a primeira a se infectar. “Quando a gente fala sobre a Covid-19 ou descobre (que está com a doença), tudo fica mais tenso e o nosso psicológico super afetado. Minha mãe ficou 30 dias em casa e a gente junto, tomando as devidas medicações e prevenção. Foi um mês bem cansativo para mim, minha irmã e minha namorada, que mora comigo, e ainda tenho uma sobrinha de 3 anos”, contou Gabriela à Amazônia Real.
“Moro na Compensa, aqui as coisas não mudaram tanto porque é periferia e as pessoas buscam por sobrevivência diariamente, tendo Covid-19 ou não. A gente conseguia entender que devia usar máscara mas, os outros moradores, não. É bem complicada essa parte”, acrescentou ela, que pouco antes da decretação da pandemia, se formou no Bacharelado em Teatro pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em 10 de março. O bairro da Compensa fica na zona oeste de Manaus.
“Junto com medo de perder minha mãe vinha o medo dela perder o emprego, devido ao longo tempo que ela estava de licença. Isso mexe com todo psicológico da família”, relembra Gabriela, ao comentar sobre a condição de informalidade trabalhista e renda incerta. “Tínhamos uma segurança, pois minha irmã é técnica em enfermagem e estava ajudando com as contas. Eu não tinha como, pois o meu trabalho é físico, sou empreendedora na área de festas e eventos infantis, tenho uma empresa de animação de festas. Devido à Covid-19 perdi muitos contratos e eventos foram adiados”, angustia-se.
Para garantir alguma renda, Gabriela mudou de ramo da noite para o dia e começou a produzir doces.
“O que me deixava com mais medo nisso tudo era perder que eu mais amava, mas vencemos! E e eu tenho certeza que isso vai passar”, fala com perseverança.
A quarentena mudou a rotina da manicure Débora Matos, também moradora do bairro Compensa. Na sua casa, vivem ela, o marido e dois irmãos mais novos. Todos chegaram a ficar com sintomas da doença, foram dias tensos, mas hoje a família está bem de saúde. O problema é ter ficado, subitamente, sem renda. “Eu, como trabalho no ramo da beleza, tive que parar porque tinha contato diretamente com o público. Estou voltando aos poucos, com todos os cuidados. Já o meu marido, que trabalha na área de logística, continuou trabalhando e não teve como parar, pois foi necessário para garantir o nosso sustento”.
Os irmãos mais novos estão estudando por meio de aulas online, mas a adaptação não deixa de um estresse para todos.
“Eles tinham uma rotina, iam a escola faziam cursos, passeávamos e, de repente, tudo mudou”, diz Débora.
Any Martins dentro do barco, no Rio Amazonas, que lhe trouxe de volta a Manaus. (Foto: Arquivo Pessoal)
Any Martins enfrentou uma série de reveses desde o início da pandemia de Covid-19. Em março, ela estava visitando parentes em Santarém, no estado do Pará. O município está distante a quase 600 quilômetros em linha reta de Manaus ou a 2.112 quilômetros pela BR-230. As opções reais são apenas barco ou avião. Quando a doença começou a avançar no Pará e no Amazonas, os governos resolveram suspender o transporte interestadual de passageiros. Houve até um episódio em que passageiros de um avião vindo de Manaus foram proibidos de desembarcar em Santarém.
“Antes de começar tudo isso, fui para o Pará e acabei ficando presa lá, sem avião, sem barco e passei quase dois meses”.
“Enquanto isso, em Manaus, tudo estava dando errado”, continua Any, que é manicure e estava em férias do trabalho. “Minha vozinha faleceu, meu filho sofreu um acidente e, depois de 10 dias, minha filha que estava grávida perdeu o bebê aos sete meses. Aí você imagina o meu desespero, eu estava para ficar louca. Depois de uma semana, minha cachorra, que era minha filha de patas, morreu. Até hoje eu não acredito que essas coisas aconteceram”, conta ela.
Não bastasse isso, uma tragédia também atingiu o marido de Any. Ele sofreu um grave acidente, teve de ser internado por dias e perdeu a visão de um dos olhos. “Desesperada, consegui uma autorização judicial para voltar, em 2 de maio, para Manaus e cuidar dele. A partir daí, começou a tudo dar certo, graças a Deus! Estamos todos em casa e nos cuidando, tomando todas as precauções com muito álcool, lavando sempre as mãos e vitaminas, chás e usando andiroba, como uma amiga me ensinou”, diz.
Ela trabalha em uma franquia de salões de beleza em Manaus. Com as atividades suspensas, ficou sem trabalhar. O que tem sustentado ela, o marido, as duas filhas, um filho, uma nora e uma neta de 3 meses são as cestas básicas doadas pelos patrões, a solidariedade de amigos e os 600 reais do auxílio emergencial do governo federal. “Estamos evitando sair para qualquer lugar, só se for necessário mesmo. Não foi fácil mas, estou vencendo. Agora estou bem, graças a Deus, pois estou perto da minha família”, celebra Any Matins. “Hoje, vejo que nessa pandemia um tem que cuidar do outro e todos juntos nos unirmos pra vencer isso”.
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Mulheres relatam os desafios dos três meses de pandemia em Manaus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU