05 Junho 2020
"A pandemia pode ser o pontapé definitivo para a paróquia, uma instituição que acompanha a vida da Igreja há 15 séculos, ser radicalmente renovada ou condenada a desaparecer. O COVID-19 motivou o surgimento de novas formas de desenvolver a atividade litúrgica e pastoral", escreve Luis Miguel Modino, padre espanhol e missionário Fidei Donum.
A história localiza o nascimento da Igreja no dia de Pentecostes, uma Igreja que ao longo dessa história passou por momentos decisivos, de maior ou menor importância, segundo diferentes análises. Foram episódios que a marcaram por séculos, até hoje em alguns casos.
Como Christopher Lamb reconheceu, em um artigo publicado em 28 de maio no The Tablet, a pandemia do COVID-19 terá repercussões duradouras para a Igreja. Pessoalmente, acho que o momento atual deve ser lido levando em consideração as circunstâncias eclesiais que o cercam, principalmente sabendo quem está atualmente na cadeira de Pedro, alguém que, desde que assumiu o ministério petrino, não parou de surpreender, na maioria dos casos e para a maioria dos católicos e da humanidade, positivamente.
As quatro características do catolicismo pós-pandêmico, segundo Lamb, devem ser: simplicidade missionária, foco nos pobres, relação renovada com o mundo natural e a ciência e criatividade litúrgica e pastoral. Em sua análise, ele se concentra em dois documentos, Evangelii Gaudium e Laudato Sí. Eu acrescentaria, seguindo o que Mauricio López apontou em uma entrevista recente, ao Sínodo da Amazônia, uma vez que, segundo o Secretário Executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM, “a encíclica Laudato Si é a mãe do Sínodo Amazônico e Evangelii Gaudium é o pai dele”, o que me leva a colocar na lista de documentos elementares do pontificado de Francisco a Querida Amazônia, sem esquecer o Documento Final do Sínodo, que ele assume no início de sua exortação pós-sinodal.
Na mesma linha que o Secretário Executivo da REPAM, José Marins também disse nesta semana passada que "este Sínodo da Amazônia é tão valioso quanto o Vaticano II, abriu muitas portas possíveis". Ouso dizer que este foi o primeiro sínodo em que a sinodalidade, elemento fundamental da visão eclesial de Bergoglio, foi vivida na prática, desde o processo de escuta, ao qual um papel fundamental deve ser dado dentro do processo geral, no desenvolvimento da Assembléia Sinodal, onde houve presença decisiva de mulheres, povos indígenas e cientistas, e nesta fase pós-sínodo que está sendo implantada, na qual está se tornando evidente, novamente seguindo as palavras de Mauricio López, que "essa pandemia não atrasa o processo sinodal, mas também o torna mais urgente e inadiável".
Quando o primeiro papa latino-americano saiu à varanda da Praça São Pedro na noite de 13 de março, ele se despojou de muitos adereços papais. Quem até então era arcebispo de Buenos Aires, que chegara às favelas por transporte público, não estava disposto a mudar. De fato, uma das muitas coisas que surpreende é que Francisco não precisa que ninguém carregue sua maleta, principalmente porque ele geralmente não carrega muitas coisas com ele.
O importante é levar a mensagem cristã, a Boa Nova de Jesus Cristo, que nos remete a uma Igreja de discípulos missionários, um conceito cunhado em Aparecida, onde Bergoglio era relator geral, para se fazer presente nas periferias geográficas e existenciais, sem grandes enfeites, sem palavras sonoras. Os pobres, os esquecidos, os mais vulneráveis, o que eles mais precisam é ser escutados, fazer com que se sintam protagonistas de sua própria história, sejam acompanhados em seus processos de vida, que são mais seguros e duráveis na medida em que são construídos por eles mesmos. Entender e ser entendidos também, uma Igreja que não tem medo de viver a interculturalidade, de ser, por exemplo, uma Igreja com rosto amazônico e indígena.
Como eu gostaria de uma Igreja que é pobre e para os pobres, o Papa Francisco disse em seus primeiros dias no pontificado aos milhares de jornalistas que lotaram a Aula Paulo VI. Não podemos negar que o aparato eclesial é enorme e, dentro dessa abundância de infraestruturas, encontramos muitos elefantes brancos, mesmo nos lugares mais remotos do planeta, que antes eram necessários, mas que hoje se tornaram uma dor de cabeça.
É hora de voltar às origens, no nível eclesial e até congregacional, que na maioria dos casos foram marcadas pelos pequenos e o pequeno. Chegou a hora de recuperar carismas, viver entre os mais pobres, que fizeram parte das primeiras comunidades cristãs e também representaram a preocupação fundamental dos momentos iniciais de muitas congregações, que nasceram para ficar ao lado de quem ninguém queria estar.
Tempos difíceis são previstos para muitas pessoas, algo que já está se manifestando. É surpreendente que em Madri, nas últimas semanas, o número de pessoas que vieram à Caritas pela primeira vez tenha se multiplicado por três. Se isso acontece na Europa, quais podem ser as consequências que a pandemia pode trazer em outros países onde as diferenças sociais sempre foram muito mais acentuadas. Essa situação exigirá maior envolvimento social da Igreja, que claramente não será capaz de resolver todos os problemas, mas que será desafiada a ser fermento na massa.
Uma das críticas que o Papa Francisco faz é que a Igreja freqüentemente permanece trancada na sacristia, em seu mundo. A relação com a ciência tem sido frequentemente causa de atrito ao longo da história do catolicismo, algo que Francisco tentou superar através do diálogo e do pedido de colaboração do mundo científico, como demonstrado em Laudato Si ou mais recentemente no Sínodo para a Amazônia.
De fato, acima das vozes ultramontanas, presentes no espectro político, econômico e eclesial, que exigiram abertamente que não houvesse confinamento social, o Papa Francisco e a Igreja em geral, seguindo as recomendações do mundo científico, decidiram fechar as Igrejas ao culto público. Na semana passada, Carlos Nobre, um dos cientistas mais renomados no estudo da Amazônia, disse que “a Igreja, que sempre foi antropocêntrica, começa a ver que o ser humano não pode ser visto de maneira diferente do restante das espécies do planeta”, vendo em Laudato Sí e no sínodo amazônico uma grande evolução nessa relação entre a Igreja e o mundo científico.
A pandemia pode ser o pontapé definitivo para a paróquia, uma instituição que acompanha a vida da Igreja há 15 séculos, ser radicalmente renovada ou condenada a desaparecer. O COVID-19 motivou o surgimento de novas formas de desenvolver a atividade litúrgica e pastoral. Podemos dizer que algumas delas fisgaram pessoas e que podem se tornar parte da vida eclesial.
A renovação da paróquia deve levar a um papel de maior protagonismo para os leigos, que aos poucos devem descobrir seu papel fundamental na Igreja, algo que já foi apontado pelo Vaticano II, mas que não foi implementado na vida real. A experiência dos últimos meses destacou a importância da Igreja doméstica, de ser pequenas comunidades, onde o papel dos padres assume uma nova dimensão. Também deve nos levar a refletir sobre novos caminhos para a celebração dos sacramentos, algo apontado no Documento Final do Sínodo para a Amazônia, que deve nos fazer refletir sobre uma realidade que em alguns lugares não é algo extraordinário, o que acontece em tempos de pandemia, mas algo comum, esperando por respostas.
As crises devem sempre ser vistas como um tempo para novas oportunidades, para se renovar ou morrer, para assumir sem medo novas possibilidades, novos caminhos. Estamos diante de um novo Pentecostes, Deus envia o Espírito Santo para nos guiar no caminho a seguir, agora é essencial agir com parrhesia. Estamos dispostos, ou vamos continuar com as portas e as mentes fechadas, dominados pelo medo?
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O coronavírus nos leva a viver um novo Pentecostes? Artigo de Luiz Modino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU