24 Abril 2020
Um livro recomendado pelo tema, pelos dados, pelas assinaturas e pela felicidade do título: o volume editado por Paola Cavallari – “Non sono la costola di nessuno” – responde a todos esses requisitos. Intui-se imediatamente que a “costela” remete a Eva, mas também que aquilo que é abordado nessas páginas não será algo óbvio nem banal.
O comentário é da teóloga leiga italiana Cristina Simonelli, presidente da Coordenação das Teólogas Italianas e professora da Faculdade da Itália Setentrional e do Seminário Arquiepiscopal de Milão, em artigo publicado em Il Regno Attualità, n. 8, 15-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Outros títulos continuam na promessa de páginas efervescentes: “O flanco flanqueante” (Lidia Maggi), “A desobediência é uma virtude para as mulheres” (Letizia Tomassone), entre outros.
Oito assinaturas de mulheres e de homens, diferentes em competências e pertencimentos confessionais: Paola Cavallari, Lilia Sebastiani, Giampaolo Anderlini e Brunetto Salvarani, e depois Lidia Maggi, Paolo Ricca, Letizia Tomassone e Carlo Bolpin.
A leitura do texto mantém o quadro crítico, arguto, documentado e plural que se pode esperar desse parterre, convocado de uma forma mista singular, mas agradável: alguns estudos parecem trazer o eco da imediaticidade de comunicações orais, outros têm a estrutura e o andamento de um estudo.
Em um certo ponto da Introdução (p. 26), a editora revela a gênese da obra: um convite para debater sobre a “culpa de Eva” segundo a justiça e, portanto, em perspectiva de gênero.
Essa modalidade, que cada um deve traçar envolvendo-se na leitura do texto, também torna aqueles que o leem coprotagonistas do diálogo sobre um tema que vive, sem dúvida, até mais na sua história dos efeitos do que nos seus escritos de origem. Tal tarefa restitui uma medida calcada e múltipla da entrega recebida: de fato, se no subtítulo permanece a marca do projeto inicial [“Leituras sobre o pecado de Eva”], o resultado o supera sem eliminá-lo, dando vida a uma leitura em vários níveis e muitas reviravoltas, não ignara da diferença e das diferenças, da dramaticidade da existência cifrada no pecado, daquele nível simbólico que não substitui a espessura física e política dos corpos, pelo contrário, o honra e o relança.
Passo, agora, por entre as páginas, relatando alguns de seus pontos significativos, principalmente com as expressões de autoras e autores, relatadas ou parafraseadas, mas sempre sinalizadas, à espera de que cada um possa fazer o mesmo, diretamente e melhor, sobre o volume.
No coração do percurso, há uma série de contranarrativas de Gênesis 2-3, que, a partir das passagens bíblicas, decodificam os seus estereótipos que os intoxicaram e os atrofiaram (Cavallari, p. 29). De fato, trata-se de levar um suplemento de atenção precisamente lá onde, por muito tempo, operaram apenas o costume, as reações irrefletidas ou os elementos mais opacos e caducos das tradições religiosas (Sebastiani, p. 9).
Nessas perícopes, escritas em um contexto de predominância social, religiosa e simbólica masculina (isto é, androcêntrico), mas estendida muito além do seu significado bíblico, acreditou-se, ao longo do tempo, que se retraçava uma ordem natural baseada na inferioridade e na subordinação feminina, sobre a qual se alinham abusos e violência, anátemas morais e papéis ministeriais sacralizados.
Libertar essas páginas agora é sedaqa e teshuva, justiça e conversão, para as mulheres e para os homens, para todo amor e toda relação (Cavallari, p. 26, 28) com as palavras e os símbolos que as representam e as dirigem (Tomassone, p. 152). É libertar as próprias Escrituras: “Junto com as mulheres e os homens do nosso tempo, enfim, são as próprias histórias, amordaçadas pelas leituras misóginas e ideológicas, que gemem, esperando o fim do cativeiro”.
Essas narrativas construíram um imaginário coletivo e “agem dentro de cada uma de nós, mesmo quando se perde a trama do relato, mesmo quando os detalhes escapam e os protagonistas” (Maggi, p. 32) não são mais conhecidos pelas novas gerações, pouco próximas da Bíblia, mas não estranhas, apesar de si mesmas, a esses símbolos.
A saída do cativeiro, no entanto, exige grande cautela, pois mesmo as “leituras corretas” escondem armadilhas: “Essas armadilhas do bem consistem em pensar ainda de modo mágico: se você diz a verdade, se consegue encontrar o sentido justo da história, você resolveu o problema. A Escritura responde a essa tentação multiplicando os relatos”, convidando a sair do pensamento único (Tomassone, p. 150).
Essa paixão pela liberdade pode parecer às vezes dessacralizadora, por exemplo, quando revela o truque das palavras belas e apaixonadas do homem/macho que vê a outra de si mesmo. De fato, escondem um “pecado de origem”, nelas não há escuta, não há espaço: dão o nome, indicando “ela” – esta é... –,veneno de toda intimidade. “O mito conta precisamente isto: a suspeita de que a criatura humana pode ser mais feliz se permanecer sozinha, se tiver o poder de ter tudo sob controle, em vez de atravessar a solidariedade dos diferentes” (Maggi, p. 44).
Do descarte do qual há a necessidade, o especialista aqui é o feminismo que dá espaço a um sujeito inesperado e desobediente à ordem patriarcal, mas pronto para uma aliança diferente dos corpos (Tomassone, p. 152). Ler é gesto de cuidado (Maggi), de justiça e de transformação.
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“Não sou a costela de ninguém” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU