03 Abril 2020
"Muitas vezes pensamos que é necessário ter especialistas entre os consagrados - e que sejam jovens! - educadores, pessoas carismáticas, para ativar novos projetos com os millennials. É claro que o contexto social e eclesial dos EUA é profundamente diferente do nosso, no entanto, o projeto N&N demonstra que é possível, com os parcos meios que temos, com a idade que temos, construir algo interessante, enriquecedor e vivificante para todos", escreve Marco Mazzotti, em artigo publicado por Settimana News, 30-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
É possível um tempo de convivência entre um convento de freiras e os "millennials" (nascidos de 1985 a 1996), geralmente indiferentes ou agnósticos? Uma experiência.
“Dê uma olhada em um site” – me fala um amigo -, “chama-se nunsandnones.org e fala sobre um projeto nos Estados Unidos que diz respeito a jovens e freiras. Depois você me diz o que achou”. Às vezes nascem assim, quase por acaso, as descobertas mais curiosas.
Antes de tudo, vamos enquadrar a situação: precisamos de um punhado de números que, se bem elaborados, nos ajudam a entender melhor o problema.
Atualmente, 90% das religiosas nos Estados Unidos têm mais de 60 anos. É um fato importante, preocupante em alguns sentidos, que certamente dá o que pensar. A isso, acrescentamos outra estatística: sempre nos Estados Unidos, 40% dos millennials (ou seja, segundo os sociólogos, os nascidos entre 1981 e 1996 aproximadamente) marcam "none of the above" ("nenhuma das opções anteriores") nas pesquisas sobre crenças religiosas (um aprofundamento sobre a temática dos nones pode ser encontrada no artigo publicado no CampusNews).
Ao cruzar esses dois dados, podemos fazer algumas considerações, de uma maneira pouco científica, mas aceitável.
Em primeiro lugar, que o patrimônio de sensibilidade social, de pesquisa espiritual e de tradição comunitária guardado pelos grupos religiosos corre o risco de evaporar, não encontrando ninguém para quem passar o legado.
Em segundo lugar, os nones de hoje vivem a dramática possibilidade de enfrentar uma busca de sentido - da qual estão famintos - sem ferramentas apropriadas, como o condenado do filme que tentava fugir cavando um buraco na cela com uma colher de chá.
Ambas as categorias são, em outras palavras, unidas por uma preocupação com o futuro, por uma sutil (mas nem tanto) ansiedade que oscila entre temáticas como a ação e a sobrevivência, o sentido e a felicidade, a autorrealização e a autotranscendência.
A pergunta, agora, resulta quase banal: por que não se aliar?
Esse é o princípio por trás do projeto Nuns & Nones, que poderíamos traduzir como “Freiras e agnósticos” ou, talvez, mais corretamente, “Irmãs e inquietos”. Nasceu em meados de 2016, da mente de Abram Horowitz, artista e community manager, e do Reverendo Wayne Muller.
Vou traduzir livremente a partir da apresentação do site: “Através de Nuns & Nones, uma geração de jovens interessados encontrou profunda ressonância com o trabalho, estilo de vida e carismas das religiosas. Em meio às crises sociais e ambientais de nossa época, estamos prestando atenção a um apelo comum, para incubar novas formas de comunidade, enraizadas no amor e engajadas com a justiça".
É precisamente isso: colocar em contato irmãs e garotos mais jovens, muitas vezes agnósticos e ateus, mas sempre inquietos e em busca. O objetivo é crescer na escuta mútua, no respeito de cada um, na convicção de que você sempre sai enriquecido pelo diálogo com a pessoa à sua frente. Uma freira de Boston utiliza a imagem de duas mãos, que juntas sustentam firmemente um objeto precioso, precisamente porque nenhuma das duas segura ou quer agarrar o objeto.
Os jovens que participam do projeto testemunham um crescimento de maneira inesperada no confronto intergeracional e inter-religioso que vivem durante os encontros. Acima de tudo, o que impressiona e encoraja é a vontade de todos de crescer no encontro mútuo.
O projeto N&N não exige uma forma concreta única para sua realização. Sua intenção, desde o início, é incentivar o nascimento de grupos locais, cada um dos quais possa se movimentar livremente dentro do mesmo espírito de encontro e crescimento mútuo, paralelo ao convite de vivenciar alguns eventos nacionais, reunindo voluntários dispostos de todos os EUA. Por exemplo, em Grand Rapids, Michigan, o grupo local, lançado pelas religiosas dominicanas, chama-se Sisters & Seekers e tem uma natureza própria em relação ao grupo de Boston ou de São Francisco. Desde o final de 2016, também ocorreram reuniões nacionais, muito incentivadas por Horowitz e Muller, para criar uma rede de atualização e crescimento comum.
No site, você também pode fazer o download de um prático (e gratuito) Organizer Toolkit, um documento de 32 páginas no qual são fornecidas orientações práticas para preparar um encontro do tipo N&N, que aborda desde a linguagem a ser adotada até as atenções a serem prestadas à escuta no encontro e assim por diante.
Desconfiado como sou, admito que a apresentação gráfica cativante sempre me faz torcer o nariz, porque me confunde: não entendo onde começa a substância e onde termina a bela pátina das capinhas plásticas coloridas. No entanto, devo admitir que a leitura do Toolkit foi realmente interessante, cheia de depoimentos (que também podem ser encontrados no YouTube) e sugestões realmente úteis.
Além disso, um experimento de convivência entre Nuns & Nones está em andamento desde o final de 2018 em Burlingame (Califórnia), no convento das Irmãs da Misericórdia. Um documento foi publicado recentemente, o Expect Surprises (12 páginas para download gratuito no site), em que são apresentadas as "lições aprendidas dos seis meses de convivência", ou seja, desde o período inicial de novembro de 2018 a maio de 2019. São notas escritas a quatro mãos, combinando as sensibilidades dos cinco millennials que ainda estão participando do projeto e as freiras do convento.
Permitam-me acrescentar algumas notas marginais, impressões e reflexões pessoais sobre o fenômeno Nuns & Nones.
Em primeiro lugar, é um projeto verdadeiramente laico, onde a capacidade autocrítica da Igreja é chamada em causa. A comunidade de crentes desafia a si mesma (ou aceita o desafio dos tempos) em sua capacidade de centrar realmente tudo sobre as "relações sagradas", ou seja, como o site explica, sobre as "mutual loving transformations” ("transformações de amor mútuo"). É um elemento que, como crentes, estamos alardeando muito ultimamente, mas que diante do qual nos é pedida uma conversão profunda, às vezes dolorosa, certamente gradual: conseguimos aceitar que não somos detentores exclusivos da verdade?
Disso nasce também o fato de ser um projeto verdadeiramente profético. A missão, que é "criar comunidades proféticas de contemplação e cuidado que incentivem ações corajosas", segue claramente nessa direção. Requer o esforço de ser seriamente convicto de que outras formas de ser são possíveis e desejáveis: um esforço para os religiosos e as religiosas, muitas vezes amassados sob toneladas de história preciosa e pesada; esforço para os millennials, muitas vezes travados diante de uma caótica e inexorável multiplicação de possibilidades e oportunidades.
Mesmo assim, é um projeto realmente possível. Muitas vezes pensamos que é necessário ter especialistas entre os consagrados - e que sejam jovens! - educadores, pessoas carismáticas, para ativar novos projetos com os millennials. É claro que o contexto social e eclesial dos EUA é profundamente diferente do nosso, no entanto, o projeto N&N demonstra que é possível, com os parcos meios que temos, com a idade que temos, construir algo interessante, enriquecedor e vivificante para todos. Certamente não é um processo fácil, sem dúvida apresenta muitos problemas críticos. Requer seriedade e comprometimento, sacrifício e atenta capacidade de discernimento. Mas continua sendo um processo possível.
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Irmãs religiosas e os/as millennials - Instituto Humanitas Unisinos - IHU