25 Setembro 2019
Lieryn Barnett fica às vezes tão depressiva que tudo o que quer fazer é dormir, diz ela. Em outras vezes, sente-se cheia de energia. Acorda no meio da noite, canta e toca violão. Em outros momentos, a sua mente trabalhará no mesmo compasso em que o seu corpo não está com a vontade de fazer nada.
São todos sintomas do transtorno bipolar que Barnett soube ter quando ainda adolescente.
Medicação e terapia a ajudaram no tratamento do problema, explica a jovem de 29 anos. E ela tem fé.
“Cristo nos dá a vida, o valor, um propósito, esperança e segurança eterna. Sem essa esperança, provavelmente eu não estaria aqui hoje”, disse ela, que frequenta a Two Cities Church, igreja na cidade de Winston-Salem, na Carolina do Norte. A jovem também tem escrito sobre as suas experiências com o transtorno bipolar, depressão e ansiedade.
A reportagem é de Emily McFarlan Miller, publicada por Religion News Service, 24-09-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Um novo estudo conduzido pela empresa de pesquisas cristã Barna Group sugere que Barnett pode não estar sozinha em sua ansiedade, nem em achar que a fé pode ser um ativo quando se trata de saúde mental.
“A igreja e as instituições religiosas precisam estar emocionalmente ligadas, precisam ser lugares capazes de lidar com os tipos de questões emocionais, de saúde mental, ansiedade que a geração atual traz”, declarou o presidente da empresa de pesquisa David Kinnaman.
O estudo, divulgado em 10 de setembro, é o maior já realizado pelo Barna Group e é um primeiro olhar global sobre o que se chamou de “a geração conectada”, isto é, jovens de 18 a 35 anos.
Em parceria com a agência cristã de ajuda humanitária World Vision, Barna pesquisou 15.369 pessoas de 25 países, com pessoas de várias religiões e sem filiação religiosa. O estudo foi feito em nove idiomas.
Descobriu-se que 4 em cada 10 jovens adultos nos países pesquisados relatam se sentir muitas vezes ansiosos quando diante de decisões importantes, incertos quanto ao futuro ou com medo de fracassar.
Além disso, 28% dos jovens adultos relataram se sentir muitas vezes tristes ou depressivos. Dos países pesquisados, os EUA tiveram o número mais alto de participantes que se sentiam deste jeito: 39%. E 22% dos envolvidos no estudo informaram que muitas vezes se sentem inseguros com a sua identidade.
Um em cada 5 jovens adultos pesquisados correspondeu à definição da Barna sobre ansiedade. Isso significa que os respondentes escolheram três destas quatro declarações: “Ansioso em decisões importantes”, “Triste ou depressivo”, “Medo de fracassar” e “Inseguro sobre quem eu sou”.
O estudo não abordou questões de depressão ou ansiedade clínica, que requerem auxílio de profissionais de saúde mental.
“Podemos ver que existe uma ansiedade de baixo grau que esta geração tenta superar”, disse Kinnaman. A religião pode ajudar nesse sentido, completou.
As pessoas religiosas são menos propensas a escolher uma dessas declarações, de acordo com os dados do Barna Group. Enquanto isso, os que dizem não ter religião são mais propensos a escolhê-las.
Por exemplo, 37% dos respondentes que se identificam como ateus, agnósticos ou sem religião relatam que muitas vezes se sentem tristes ou depressivos, em comparação com os 23% dos cristãos e 26% das pessoas de outras religiões.
Natasha Sistrunk Robinson, que conversou com o Barna enquanto o relatório estava sendo compilado, percebe esta ansiedade de baixo grau nos jovens com os quais atua.
Sistrunk Robinson – palestrante, coach e consultora – disse que parte dessa ansiedade vem da pressão que os jovens adultos impõem sobre si mesmos. Os jovens também lidam com questões de gênero e raça, segundo ela.
Então há a natureza sempre presente da tecnologia, que tem bombardeado constantemente os jovens com notícias e que compara a vida que levam com a das demais pessoas, cuidadosamente exibidas nas redes sociais.
As gerações anteriores podem ter passado por um ou dois destes desafios, segundo disse a entrevistada. “Mas hoje estamos navegando em todos eles ao mesmo tempo”, acrescentou.
Sistrunk Robinson também reconhece que fatores genéticos desempenham um papel importante na ansiedade, na depressão e em outros males mentais, e que lidar com doenças desse tipo frequentemente requer ajuda profissional.
Ela nem sempre viu as coisas desse modo. No passado, ela incentivava os jovens que lidavam com saúde mental a “rezar e ir à igreja, a ter fé”. Hoje, percebe que não isso não é suficiente. “Eu acho que, como pessoas religiosas, precisamos ter bem claro que algumas pessoas precisam de atenção médica”, disse ela.
O mundo percorreu um longo caminho em sua compreensão de saúde mental desde a década de 1990, explica o Rabino David-Seth Kirshner, do Templo Emanu-El, em Closter, Nova Jersey. Foi quando o seu irmão morreu ao cometer suicídio após lutar contra transtornos mentais.
Kirshner disse que não consegue olhar para a primeira fileira de bancos da sua congregação sem ver alguém a enfrentar dificuldades quanto à saúde mental, e não são só os jovens adultos.
“Independentemente do grupo socioeconômico a que pertencemos, independentemente do nosso ambiente cultural, ninguém está imune”, disse.
“Todos estão lidando com essa questão de um jeito ou de outro, e a maneira como podemos mostrar aos outros que não estão sós e dar-lhes ferramentas para ajudar a mitigar a crise em que estão, penso eu, é fundamental para que haja um progresso”.
A religião tem um papel a desempenhar junto aos que lidam com ansiedade e outros problemas de saúde mental, segundo o rabino.
Uma comunidade religiosa pode se unir em torno de alguém adoecido, seja física ou mentalmente, e dar apoio, disse Kirshner. O tempo gasto na sinagoga pode ser um refúgio ao ritmo agitado da vida.
A oração pode ajudar também.
Kirshner aponta para o que chama de a oração para “ficar bem” que os judeus há gerações fazem, e que pode ser traduzida assim: “Rezamos por esta pessoa para que tenha uma cura de seu corpo e a cura de sua alma e mente”.
A religião pode igualmente dar às pessoas um senso de identidade e pertença, acrescenta Kameelah Rashad, da Fundação de Bem-Estar Muçulmana (Muslim Wellness Foundation).
A fé sempre está entrelaçada com a cultura, diz Rashad. Em seu trabalho com jovens adultos muçulmanos negros, ela descobriu que “o Islã é fundamental para a compreensão que esta população faz de si mesma”.
“Eles dizem: ‘Tenho estas duas identidades meio que visadas e marginalizadas, mas também sinto que Deus me fez assim intencionalmente’”, explicou Rashad. “Porque sou quem eu sou, posso ser alguém que de fato ajuda a construir pontes e comunidades. Posso ser alguém que simpatiza com as comunidades marginalizadas”.
Há o sentimento de que “Deus me apoia”, de que existe uma sabedoria a se ganhar com as experiências que se tem, segundo ela.
Estes sentidos comunitários e identitários têm sido importantes para Barnett.
“A doença mental é algo que eu tenho, não é quem eu sou. A minha identidade acha-se em Cristo”, disse a jovem.
Muitas vezes ela fica preocupada em deixar os outros além do círculo religioso saberem de sua doença. Aí, ela sente que pode se abrir a respeito de suas lutas.
Ninguém a trata diferente neste lugar a menos que seja para oferecer ajuda quando sabem que ela está precisando. Do púlpito o seu pastor tem falado sobre doenças mentais. E ela se sente liberta de uma teologia que deixa claro que ninguém é perfeito.
E os jovens da geração millennial, como Barnett, têm assumido a liderança na questão da saúde mental e têm enfrentado os estigmas.
“Se você é corajosa o suficiente, compartilhe as suas lutas. Garanto que não será o único da sua igreja”, disse ela.
Outros achados do estudo do Barna Group, intitulado “The Connected Generation” (A geração conectada), incluem:
- Três quartos (77%) dos jovens adultos pesquisados dizem que eventos ao redor do mundo importam para eles, e mais da metade (57%) relatam que se sentem ligados, conectados às pessoas ao redor do mundo.
- Poucos se sentem conectados com as pessoas mais próximas: somente 1 em cada 3 (33%) relata que se sente profundamente cuidado pelas pessoas próximas. Um número semelhante (32%) relata que muitas vezes sente que alguém acredita neles.
- Mais da metade dos jovens pesquisados relatam que a religião é boa para as pessoas 57%) e importante para a sociedade (53%).
- Os jovens adultos cristãos não estão convencidos de que a igreja tem as respostas para todas as suas dúvidas. Quase a metade (47%) dos que se associam, de alguma forma, ao cristianismo dizem que a religião não responde a todas as suas dúvidas.
A pesquisa foi conduzida on-line entre os dias 04-12-2018 e 15-02-2019, tendo como requisito que o participante fosse alfabetizado e tivesse acesso à internet. A margem de erro é de 1%, de acordo com o Barna Group.
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Para jovens adultos ansiosos, a religião pode ser uma ferramenta de bem-estar, diz estudo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU