25 Março 2020
"Essa epidemia terá que nos ensinar algo: em primeiro lugar, apenas a solidariedade e a cooperação em todos os níveis, nacional e internacional, poderão nos ajudar a sair dela em um tempo razoável, embora longo. É um desafio global que não pode ser enfrentado ao nos fecharmos na miséria do soberanismo e isso vale para todos e em qualquer lugar. O outro horizonte é a justiça social, porque as doenças não são neutras, mas se enfurecem contra os mais fracos e isso corre o risco de ser particularmente verdadeiro em um mundo tão desigual. Depois, há a questão ambiental que não pode mais ser enfrentada apenas com palavras, como foi feito alegremente até agora", escreve Luca Jourdan, professor de Antropologia Social e Antropologia Política da Universidade de Bolonha, em artigo publicado por Riforma, semanal das igrejas evangélicas batistas metodistas e valdenses, 27-03-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Estamos vivendo um momento histórico. O coronavírus, como todas as pandemias da história da humanidade, levará a transformações que ainda não somos capazes de prever. Fazia um século, desde a gripe "espanhola", que o mundo não havia enfrentado uma crise de saúde dessa envergadura.
É mais do que nunca o tempo de incerteza, do medo e da raiva: todas as emoções que estavam enraizadas em nossa sociedade muito antes da pandemia e que precisam de um alvo contra o qual descarregar. Disso vem a caçada ao hospedeiro, a proliferação de teorias da conspiração (incluindo as negacionistas), a polêmica entre estados e assim por diante. Nossos políticos, empresários do medo, diante de uma crise real, parecem ter retrocedido, mas não vamos nos iludir: eles voltarão à carga, talvez disfarçados de médicos em um carnaval obsceno. A oportunidade é muito tentadora para desistir. Não há dúvida, poderia ter sido feito mais: fomos pegos de surpresa e isso é uma culpa. Nossos serviços de saúde, e consequentemente todos nós, pagam agora o preço pelas políticas sem nenhum critério de cortes e privatizações. Tudo terá que ser revisto de maneira radical, sem hesitação.
Mas a incerteza e o medo são maus conselheiros e certamente não nos ajudam a raciocinar.
Fiquei particularmente impressionado com um debate acadêmico que se iniciou nos últimos dias de crise depois de um artigo de Giorgio Agamben publicado no il Manifesto de 25 de fevereiro, quando a pandemia estava em seu começo. Agamben, um dos expoentes mais conhecidos da chamada Italian theory, via na resposta à pandemia uma confirmação adicional de um estado de exceção que se torna paradigma de governo: as medidas de emergência adotadas por nosso governo e gradualmente também pelos outros, eram, em sua opinião, irracionais e desmotivadas e com o objetivo final de limitar as liberdades individuais. Uma saída certamente inoportuna e de viés negacionista, talvez ditada pela ânsia de afirmar a veracidade do próprio pensamento.
E, no entanto, a reação a esse artigo, que eu mesmo li com irritação diante da situação, foi excessivamente veemente (ver artigo de P. Flores d'Arcais em Micro-Mega de 16 de março) e caiu-se em uma atitude de censura e insulto. Agamben escreveu um texto infeliz, todo mundo pode errar, mas seu pensamento poderá ser útil em um futuro próximo, quando será preciso avaliar sobre o quanto os dispositivos de emergência implementados (em breve, provavelmente, também o controle de nossos telefones) podem vir a minar a nossa liberdade e democracia.
A polêmica em torno de Agamben não é uma ninharia puramente acadêmica. Na minha opinião, isso nos ensina algo, a saber, que neste momento é aconselhável ser cautelosos sem que isso nos leve à autocensura.
Um equilíbrio difícil: estar em incerteza é tremendamente difícil, especialmente em uma sociedade como a nossa, onde vivemos continuamente projetados em um futuro que nos iludimos de conhecer e poder controlar. E, portanto, vou me limitar aqui a propor uma reflexão, nada além de minha opinião, talvez de pouca importância, mas aqui está. Neste momento dramático e de verdadeira emergência, é oportuno ser pragmáticos e partir das prioridades, renunciando por um tempo de formular teorias totalizantes que, afinal, por mais catastróficas que sejam, nos consolam, porque nos iludem de que temos o controle da situação.
Portanto, devemos fazer de tudo para conter o contágio, cientes de que não há varinha mágica, e é fácil dizer "como você comete erros". Devemos pensar nas pessoas que sofrem e nos seus entes queridos e impedir que esse sofrimento se espalhe. Em breve teremos que pensar nos milhões de pessoas pobres que essa crise produzirá e, portanto, nas novas políticas que teremos que adotar para enfrentar a situação.
Mas não basta um pensamento pragmático, são necessários princípios que o guiem e orientam a ação. Essa epidemia terá que nos ensinar algo: em primeiro lugar, apenas a solidariedade e a cooperação em todos os níveis, nacional e internacional, poderão nos ajudar a sair dela em um tempo razoável, embora longo. É um desafio global que não pode ser enfrentado ao nos fecharmos na miséria do soberanismo e isso vale para todos e em qualquer lugar. O outro horizonte é a justiça social, porque as doenças não são neutras, mas se enfurecem contra os mais fracos e isso corre o risco de ser particularmente verdadeiro em um mundo tão desigual. Depois, há a questão ambiental que não pode mais ser enfrentada apenas com palavras, como foi feito alegremente até agora.
As crises trazem à tona o pior, mas também o melhor das sociedades. Temos que estar vigilantes para impedir que o pior se espalhe, isso causaria mais danos que o vírus.
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As doenças não são neutras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU