19 Dezembro 2019
"Mas as novas normas são um sinal: a Santa Sé quer colaborar, não percebe os juízes dos estados seculares - que certamente podem cometer erros - como inimigos, mas propõe a eles uma colaboração contra um flagelo que desonra a Igreja e a sociedade civil", escreve Massimo Introvigne, filósofo, escritor, sociólogo italiano e fundador e diretor do Centro de Estudos sobre as Novas Religiões (Cesnur), uma rede internacional de estudiosos dos novos movimentos religiosos, em artigo publicado por Il Messaggero, 18-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O papa Francisco surpreendeu muitos comentaristas com a abolição, que foi noticiada ontem, do segredo pontifício para os crimes de pedofilia, e com a inclusão entre os "crimes mais graves" pelos quais os padres serão processados pela Congregação para a Doutrina da Fé da "aquisição, detenção ou divulgação, a fim libidinosos, de imagens pornográficas de menores de dezoito anos por parte de um clérigo, de qualquer forma e com qualquer instrumento”. Até ontem, o crime canônico de pornografia infantil se referia a imagens de menores de 14 anos. A nova normativa diz respeito a abusos contra menores cometidos pelo clero, que nem todos são casos de pedofilia, pois, por definição médica e jurídica, pedófilo é alguém que abusa de um menor antes da puberdade. O pároco que mantém uma relação sexual com alguém de dezessete anos de idade pode se tornar responsável de abusos graves contra um (ou uma) menor, mas não se trata tecnicamente de pedofilia.
Por que o papa Francisco interveio novamente? Durante muito tempo, as normas da Igreja foram insuficientes para impedir os abusos. Sem reconstruir a história anterior a 2001 - sobre a qual também haveria muito a dizer - o texto ainda hoje fundamental nesta matéria é o motu proprio Sacramentorum sanctitatis tutela de João Paulo II, de 2001, com a qual o abuso sexual de um menor de 18 anos cometido por um padre ou religioso era incluído na lista dos delicta graviora (crimes mais graves) reservados à jurisdição da Congregação para a Doutrina da Fé. A prescrição para este crime foi estabelecida em 10 anos a partir dos 18 anos de idade da vítima. O prazo de prescrição não era curto: dez anos não desde o crime, mas desde quando a vítima completa dezoito anos. Isso significa que um sacerdote que abusava de uma criança de cinco anos poderia ser processado de acordo com a norma de 2001 até que sua vítima completasse 28 anos (dezoito anos mais dez), ou seja, até vinte e três anos após o crime.
A intervenção da Congregação para a Doutrina da Fé tinha como objetivo tornar a ação contra os culpados não mais branda, mas mais rígida, superando uma certa mal-entendida complacência, infelizmente difundida em algumas dioceses. A tentativa de João Paulo II de coibir os abusos, enquanto os escândalos continuavam a se suceder em muitos países do mundo, foi continuada por Bento XVI, com a revisão do motu proprio de seu antecessor de 21 de maio de 2010. Nas novas normas, a prescrição passava para 20 anos, no caso de abuso contra menor, sempre calculado a partir dos 18 anos de idade da vítima. O papa Ratzinger já em 2010 incluía entre os crimes canônicos (mas não entre os mais graves) a compra, posse ou divulgação de material de pornografia infantil, entendido então como se referindo a menores de quatorze anos. Assim, a prescrição ainda era mais longa: não mais dez anos, mas vinte, sempre calculada não a partir do abuso, mas a partir do dia em que a vítima completa dezoito anos. Quem abusava de uma criança de cinco anos em 2011 ainda poderia assim ser processado em 2044, trinta e três anos (treze anos até a vítima completar dezoito, mais vinte) depois dos fatos, um prazo muito longo.
Por que então o papa Francisco interveio novamente várias vezes, por último ontem? Por duas razões. A primeira é que, embora seria injusto em relação à Igreja argumentar que não houve progresso, o flagelo dos abusos contra menores cometido por padres e religiosos católicos ainda não foi erradicado. O papa Francisco reconheceu isso abertamente - e aqui está sua principal inovação: às vezes as autoridades civis dos Estados são mais eficientes do que as autoridades eclesiásticas na identificação e atuação contra padres pedófilos. As autoridades civis, no entanto, não podem desempenhar seu trabalho se os bispos não colaboram ou se refugiam por trás do segredo.
Naturalmente, como a Santa Sé deixou claro, o segredo da confissão permanece inviolável. Mas, para todas as informações obtidas de outras maneiras que não a confissão, o papa Francisco primeiro corroeu e depois retirou todo espaço de confidencialidade: as informações poderão e deverão ser comunicadas às autoridades seculares competentes.
Em segundo lugar, como os estudiosos do tema continuam a enfatizar, aqueles que abusam de menores quase sempre antes de passar à ação no mundo real acumulam imagens pornográficas relacionadas a menores no mundo virtual. Infelizmente, o escândalo da pornografia infantil - particularmente odioso e já por si só uma forma horrível de abuso contra menores - geralmente envolve padres católicos. O papa sabe disso e envia um sinal forte. Não se trata de um crime menor, mas muito grave. Sacerdotes e religiosos culpados serão processados em Roma com a devida severidade e poderão ser reduzidos ao estado laical, como acontece no caso dos crimes mais graves.
As regras serão suficientes? Todos sabemos que a severidade das penas não elimina necessariamente os crimes.
Paralelamente à ação penal, a Santa Sé continua um trabalho de estudo psicológico ou sociológico do fenômeno, que tem lados obscuros e misteriosos, sobre os motivos pelos quais um certo número de religiosos católicos sente a necessidade de baixar da Internet as formas mais repugnantes de pornografia, para depois passar à realização física dos abusos sexuais. Mas as novas normas são um sinal: a Santa Sé quer colaborar, não percebe os juízes dos estados seculares - que certamente podem cometer erros - como inimigos, mas propõe a eles uma colaboração contra um flagelo que desonra a Igreja e a sociedade civil.
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o seu X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos, a ser realizado nos dias 14 e 15 de setembro de 2020, no Campus Unisinos Porto Alegre.
X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos
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Pedofilia, a Igreja tenta se reerguer após o escândalo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU