13 Dezembro 2019
"As grosserias ocorrem porque ficam impunes, quando não premiadas".
A opinião é de Claudio Magris, escritor italiano, ex-senador da Itália, ex-professor das universidade de Turim e de Trieste e prêmio Príncipe de Astúrias de Letras de 2004, em artigo publicado por Corriere della Sera, 11-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
A urbanidade talvez seja a menor das pequenas virtudes que Carlo Ossola evoca, retrata e analisa em seu Trattato (Marsilio), com sua habitual extraordinária simbiose de precisão filológica, perspectiva histórica que abraça séculos e se estende até aos mínimos detalhes reveladores, fazendo aflorar a oculta e relutante universalidade. A graça e a "civil conversa" - grande arte barroca do viver - de Ossola são permeadas por uma forte paixão ético-política, atenta ao presente.
Até dignidade e liberdade - não apenas o bom Deus, como reza um famoso ditado - estão nos detalhes. As pequenas virtudes – às quais Natalia Ginzburg intitulava seu livro alguns anos atrás - são mais necessárias do que nunca, hoje como sempre e mais do que sempre. Simplicidade, lealdade, comedimento, constância, generosidade, gratidão ...
Suas formas podem mudar ao longo do tempo, mas se desaparecerem toda a sociedade dá um passo para trás e escorrega no estrume que a vulgaridade costuma trazer tão frequentemente em suas falas. A urbanidade, em particular, parece ter desaparecido, ignorada e pisoteada nas formas e na substância, que sem elas não existe. Urbanidade significa respeito, segundo Kant, a virtude mais alta ou basilar, premissa e fundamento de todas as outras. A urbanidade é necessária para a convivência, individual e social; muitas vezes, deve incluir uma capacidade de dissimulação honesta e de reticência, porque a verdade é um valor muito alto, mas se for dita brutal e vulgarmente, sem respeito, pode ser uma humilhação cruel, uma faca que fere e que às vezes é bom que perca um pouco o fio. A urbanidade é a grande ausente no mundo em que vivemos.
A vulgaridade foi completamente liberada, a linguagem obscena é a nova etiqueta, o insulto é a forma mais difundida de diálogo. Vulgaridades nas assembleias políticas, nas brigas nos talk-shows na televisão, em confrontos ideológicos que se tornam injúrias, não menos toscas, mas menos francas e autênticas do que aquelas de botequim.
O estilo é o homem, reza uma máxima famosa, e se o estilo desaparece, o homem desaparece. O estilo não exclui os "palavrões", porque eles também fazem parte da nossa vida e da nossa linguagem. A maior obra poética italiana e provavelmente universal, a Comédia de Dante, contém palavrões e fala todos eles, da música celestial do Paraíso e dos ruídos constrangedores do corpo. Mas o trabalho de Dante usa-os quando necessários. Circunstâncias e atitudes intoleráveis pedem palavras e gestos que rompem a cortina da falsidade. Mas se o palavrão se torna corriqueiro e trivial, toda relação, pessoal ou pública, se esvazia. Nos lábios do senhor ou da senhora que acreditam que pode ejetar obscenidades porque consideram que pertencem a uma categoria ou classe social - econômica, intelectual - alta que pode se permitir comportamentos criticados no "povo", essas obscenidades são ainda mais estúpidas.
As grosserias ocorrem porque ficam impunes, quando não premiadas. Até mesmo nas relações sociais, deveria valer o princípio, jurídico e não apenas jurídico, da sanção. Se eu me comportar de forma grosseira em uma casa onde fui convidado, eu deveria no mínimo ser excluído da lista de pessoas que podem ser convidadas, frequentadas, cumprimentadas. Nas situações públicas, a sanção deveria ser mais enérgica e, acima de tudo, bem precisa, como aquela para os carros estacionados em locais proibidos.
Quem insulta, especialmente em discussões públicas – na televisão ou não - deveria pelo menos ser excluído, por um determinado período mais ou menos longo, da possibilidade de participar de outros encontros e outras transmissões, como é feito com torcedores violentos que são impedidos, por um determinado período, de entrar no estádio - penalidade ridiculamente e injustamente leve para aquelas violências sem sentido e bestiais.
A injúria deveria ser proibida inclusive porque é contagiosa; quando você é ofendido, retribui ofendendo, colocando-se no mesmo nível. Uma boa solução poderia, por exemplo, ser uma multa substancial. Se o jogo da loteria, dizia Luigi Einaudi, é um imposto sobre os imbecis, também um imposto sobre a má educação seria uma pequena ajuda para os cofres tão erodidos do Estado. Mas vivemos na Era vulgar e não por culpa do passar dos séculos que a inicia com o nascimento de Cristo.
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