29 Novembro 2019
Eles são os novos escravos, mas ninguém o sabe. Como quando o mundo descobriu, veja você, que os produtos chineses custam tão pouco porque são produzidos por homens, mulheres e crianças exploradas, que trabalham nas condições da fábrica dickensianas. A greve dos correios para boicotar a Amazon durante os dias da Black Friday, quando a gigante americana das compras on-line mata o peru mais gordo do ano, talvez não será um grande prejuízo econômico para Jeff Bezos, mas pelo menos servirá para chamar a atenção para um fenômeno sobre o qual ainda pouco se fala.
Ou seja, as condições de trabalho dos transportadores que entregam o pacote em casa. Você fica sentado bem tranquilo em frente do computador, sem nem precisar sair de casa se está chovendo, escolhendo e colocando no carrinho um monte de lindos presentes de Natal com desconto, e nem imagina o que está por trás desse pacote que chega no dia seguinte até a sua casa. (Sabe-se lá por que todo mundo quer a entrega rápida, que tanta pressa todos vocês têm? Mas esse é outro assunto).
A reportagem é de Caterina Soffici, publicada por La Stampa, 28-11-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Por trás desse pacote rápido, veja você, há trabalhadores forçados a trabalhar nas condições da linha de montagem fordiana. Sobre como funciona o sistema de algoritmos dentro dos armazéns da Amazon já foi escrito e parece - digo parece - que as coisas mudaram um pouco. Nada se sabe sobre o que acontece quando o pacote sai do armazém para sua casa. Vão assistir a Sorry, we missed you o filme de Ken Loach, apresentado em Cannes e já lançado nos cinemas ingleses, que chegará na Itália em 2 de janeiro, bem a tempo de estragar o fígado já maltratado pelas folias de Ano Novo.
O que esperar de Ken Loach, o último diretor comunista, se não um filme de denúncia social, vocês poderiam objetar? De fato. É exatamente o que ele faz. Obriga vocês a olhar para onde vocês não gostariam, na vida dos entregadores que levam os pacotes. E descobrir um mundo inimaginável, composto por trabalhadores que têm o pior dos dois mundos: eles não têm as garantias dos trabalhadores com carteira e nem a liberdade dos autônomos. São fornecedores externos, sem garantias (é tudo às suas custas: multas, seguros, danos em caso de acidente, os mesmos juros de empréstimo para a compra da van), mas com as obrigações de prestação de um funcionário e, portanto, turnos massacrantes, domingos obrigatórios, prazos de entrega taxativos, com multas por descumprimento e perda de contrato.
"Sorry, we missed you" - que traduzido literalmente seria "Desculpe, sentimos sua falta" - é o bilhete que os transportadores deixam na caixa de correio quando não encontram ninguém em casa. Narra o brutal desmantelamento da família de Ricky, um ex-trabalhador da construção civil que estava desempregado após a crise de 2008, que vê a possibilidade de um resgate social e econômico na compra de uma van e a possibilidade de iniciar seu próprio negócio.
Não será nada disso, mas não quero estragar o filme. Só vou contar que é baseado em fatos e informações reais reunidos por Ken Loach e sua equipe em campo, com entrevistas e infiltrados disfarçados. E que, depois de tê-lo visto, vocês não poderão deixar de se perguntar se seria correto punir a Amazon e a empresa entregadora, deixando de fazer compras on-line. Ou se isso não pioraria a situação dos novos escravos do e-shopping, que sem entregas perdem o emprego. Um bom dilema.
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o seu XIX Simpósio Internacional. Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida, a ser realizado nos dias 19 a 21 de outubro de 2020, no Campus Unisinos Porto Alegre.
XIX Simpósio Internacional. Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida.
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Turnos massacrantes e zero garantias: eis os novos escravos do e-shopping - Instituto Humanitas Unisinos - IHU