26 Setembro 2019
Quem era a favor, continua sendo. Assim como quem era contrário. Prossegue a divisão iniciada por Lula e companhia, e anabolizada por Bolsonaro e seus pares. Pior para o Brasil que, além de sempre pobre, está chato pra caramba. Faz tempo que o País não sai do lugar. A economia avança pouco. E o desemprego recorde se estabiliza. O País patina, com trocas de bravatas de um, e outro lado. Mas o viés político do discurso de Bolsonaro, se ele foi ‘agressivo’ ou apenas ‘contundente’, deixo para seus cronistas preferidos. Ao Mar Sem Fim interessa a parte ambiental do discurso de Bolsonaro na ONU e respectiva repercussão.
A reportagem é de João Lara Mesquita, publicada por O Estado de S. Paulo,25-09-2019.
O discurso de Bolsonaro teve aproximadamente, 32 minutos, dez dos quais, dedicados ao meio ambiente. É sobre estes dez minutos que trata esta matéria.
Bolsonaro começou apresentando a indígena Ysani Kalapalo, do Parque Nacional do Xingu, “aqui presente”. E emendou: “Meu governo tem compromisso solene com a preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Nosso Brasil é um dos mais ricos em biodiversidade e riquezas minerais.”
Foi a primeira patranha do discurso ambiental de Bolsonaro. Ele esqueceu-se de dizer que foi eleito, sim, foi eleito com o discurso de acabar com o ministério do Meio Ambiente! Só não o fez, como já dissemos, porque foi aconselhado pelos caciques do agronegócio. Eles explicaram o mal que uma atitude intempestiva poderia trazer ao País onde a atividade é carro chefe da economia. Não bastasse, passou a campanha a desqualificar os órgãos que cuidam de nosso maior ativo, Ibama e ICMbio. E demonizar um dos poucos recursos que ambos têm: a revisão das multas por ilícitos ambientais foi uma das promessas de campanha. Para concluir, escolheu a dedo o ministro do Meio Ambiente. Um advogado que fez carreira defendendo ruralistas. E que jamais teve a curiosidade de por os pés na Amazônia. Um neófito das complexas questões da conservação.
A Amazônia é de fato maior que a Europa ocidental. Mas não permanece ‘praticamente intocada’. Cerca de 17% já foram para o saco, ainda que Bolsonaro não tenha participação direta nesta porcentagem. Saberemos, até o final do ano, a porcentagem que lhe cabe. Quem dirá, são dados do Prodes, do Inpe. Ainda assim, ‘ela não permanece praticamente intocada’. Não por outro motivo, cientistas afirmam que nos aproximamos perigosamente do ponto de não retorno, ou seja, da savanização da floresta.
É verdade. Estamos na época das queimadas que são favorecidas pelo tempo seco e ventos. E índios e nativos também usam o fogo, isso é fato. Mas, por isso mesmo, se o governo é tão comprometido com a Amazônia deveria ter tomado precauções. Precauções que o ministro do MMA não tomou. Ao contrário. Depois de exonerar 21, dos 27 superintendentes do Ibama, o ministro ficou sem qualquer referência. Deu no que deu.
É verdade! A Amazônia é patrimônio brasileiro. Mas contribui com a humanidade em tempos de aquecimento global que, a propósito, a gestão Bolsonaro acredita ser ‘complô comunista‘. Quanto a ser pulmão do mundo, é de fato um equívoco. Pela primeira vez em sua gestão, Bolsonaro não desqualifica cientistas. Desta vez o presidente se escora em afirmação científica, curiosa mudança de atitude. O oxigênio gerado pela floresta é quase todo consumido por ela mesma. Pulmão do mundo, como reiteradas vezes dissemos, são os oceanos, razão da existência deste site.
“Hoje 14% do território brasileiro está demarcado como terra indígena… Quero adiantar que o Brasil não vai aumentar para 20% as terras já demarcadas como terras indígenas como alguns chefes de estado gostariam. Existem no Brasil 225 povos indígenas, e 70 tribos vivendo em locais isolados…cada povo ou tribo com sua forma de ver o mundo. A visão de um deles não representa a de todos índios brasileiros. Muitas vezes alguns deles, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia….”
É verdade a parte que diz que “alguns deles, como o cacique Raoni, são usados como peça de manobra por governos estrangeiros”. Criticamos Sting e Macron por usarem o cacique para favorecer seus interesses. Bolsonaro parece ter aprendido a lição. Levou uma indígena do Xingu, Ysani Kalapalo, para o mesmo serviço. Criticar os outros é fácil. Olhar o próprio umbigo, nem tanto. ‘Acabou o monopólio do senhor Raoni’. É verdade. Ele agora divide palcos internacionais com Ysani Kalapalo.
Bolsonaro passou 27 anos na Câmara dos Deputados. Jamais abordou a questão. E nunca apresentou qualquer projeto em relação aos índios que agora diz proteger.
“Infelizmente, algumas pessoas de dentro e de fora do Brasil, apoiadas por ONGs, teimam em tratar e manter nossos índios como homens das cavernas….O índio não quer ser latifundiário, pobre em cima de terra rica. Especialmente, das terras mais ricas do mundo. É o caso das reservas Yanomami, e Raposa Serra do Sol. Nestas reservas existe grande abundância de ouro, diamante, urânio, nióbio e terras raras. E estes territórios são enormes. A Reserva Yanomami sozinha, conta com 95 mil km2 o equivalente ao tamanho de Portugal ou Hungria, mas apenas 15 mil índios vivem nesta área. Isso demonstra que, os que nos atacam, não estão preocupados com os índios, mas com a biodiversidade e riquezas minerais destas áreas.”
A demonização das ONGs continua. E o complô internacional contra ‘as riquezas tupiniquins’, também. Mas as duas reservas são de fato imensas, e possuidoras de riquezas minerais. Uma delas ainda era área de produção agrícola importante, a Reserva Raposa Serra do Sol. A questão é complexa e polêmica. Merece mais pesquisas antes de uma palavra deste site. Fica aqui nosso compromisso de estudar a formação de ambas, levantar os prós e contras, e apresentar uma posição em breve. Que houve excessos no passado, não temos dúvida. Nem por isso se justifica transformar o MMA em apêndice do Ministério da Agricultura. Ou o teatro do absurdo que estamos assistindo protagonizado pela dupla dinâmica Bolsonaro-Salles.
Se fosse verdade, Bolsonaro deveria ter pago a multa ambiental que lhe foi imposta, corretamente, por pescar em área de proteção integral onde a prática é proibida. Em vez de pagar multa, o fiscal que o multou foi exonerado. E, como lembramos acima, a revisão das multas do Ibama foi promessa de campanha.
‘Estamos prontos para, em parcerias, e agregando valor, aproveitar de forma sustentável todo o nosso potencial’, sexta mentira
Prontos como, presidente? Que políticas públicas o senhor e seu ministro do MMA apresentaram? Nenhuma, além de desmerecer as equipes que têm sido protagonistas da questão ambiental desde antes da Eco 92. O que ambos fazem é culpar ONGs, demitir cientistas, etc.
“Qualquer iniciativa de ajuda ou apoio a floresta Amazônia, ou outros biomas, deve ser tratada em pleno respeito à soberania brasileira. Também rechaçamos a tentativa de instrumentalizar a questão ambiental ou a política indigenista em prol de interesses políticos e econômicos externos. Estamos prontos para, em parcerias, e agregando valor, aproveitar de forma sustentável todo o nosso potencial.”
Depois do desastre que tem sido a questão ambiental, dizer que ‘61% de nosso território é preservado’ não corresponde à realidade. Não há bioma brasileiro que não esteja sofrendo reveses. Da mata atlântica sobraram menos de 10%; o cerrado vira pasto para bois; a Amazônia perdeu cerca de 17% de sua área original; o pantanal está em chamas; e a caatinga talvez seja o bioma mais maltratado, 60% de sua área está sujeita a desertificação.
Ainda neste tópico, não vamos entrar nas questões políticas, de soberania, e outras. Nossa intenção era analisar o ponto de vista ambiental, e suas consequências diretas, o agronegócio.
Sobre isso, diz o G1, “a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) disse que “Bolsonaro esclareceu equívocos sobre a Amazônia e ressaltou o importante papel do Brasil na produção mundial de alimentos”.
Mas a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) que representa os agricultores familiares, “lamentou” o discurso do presidente brasileiro. Bolsonaro erra ao “rejeitar a tese de que a Amazônia é um patrimônio da humanidade. E, ao negar o aumento de incêndios e desmatamento nos últimos dois meses, mesmo com fotos de satélite, inclusive da Nasa, que comprovam”.
O presidente da Aprosoja, Bartolomeu Braz, questionado se as reações internacionais ao discurso de Bolsonaro pudessem prejudicar as exportações, disse não acreditar nesta possibilidade. “Não vejo dessa forma [risco de retaliação]. Nossos mercados são firmes. Somos os mais sustentáveis do mundo e contra fatos não há argumentos”
O presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), João Martins, afirmou, em nota, que o presidente Jair Bolsonaro “conseguiu posicionar o Brasil” na ONU com o discurso proferido na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, segundo o site 360º.
Ao Estado de S. Paulo, disse o embaixador, e ex-subsecretário da ONU: “Os acordos que o Mercosul tinha assinado com a União Europeia e a Área de Livre Comércio Europeu já estavam praticamente mortos. Agora, ele coloca vários pregos no caixão. Ele inviabiliza, no futuro previsível, qualquer esforço de boa vontade para apresentar esses acordos à aprovação dos diversos parlamentos europeus. Isso vai afetar muito as perspectivas do agronegócio brasileiro, da exportação do Brasil em geral.”
O acima exposto foi tudo que encontramos na internet sobre a repercussão entre os envolvidos com o agronegócio. Lembrando que o post foi escrito um dia depois do discurso, em 25 de setembro de 2019, e que, pouco antes, expoentes do agronegócio não se acanharam de criticar o ‘discurso ambiental do presidente’, mesmo sem a fala da ONU. Torcemos para que isso não nos traga mais prejuízos. O futuro dirá.
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Discurso ambiental de Bolsonaro na ONU, e a repercussão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU