22 Agosto 2019
“A crise cresceu e agora não envolve mais apenas o abuso sexual de crianças por alguns clérigos. Em vez disso, tornou-se uma crise de comunhão eclesial cujos elementos incluem a desconfiança das lideranças da Igreja intensificada pelos casos McCarrick e Bransfield, uma tensão e um conflito entre grupos ideologicamente motivados, todos reivindicando que representam o autêntico catolicismo, e um desalentador abismo entre o que a Igreja ensina e aquilo em que muitos católicos acreditam em termos de fé e moral.”
O comentário é de Russell Shaw, ex-secretário para Assuntos Públicos da Conferência Nacional dos Bispos dos Estados Unidos (USCCB). É autor de 22 livros, incluindo “American Church: The Remarkable Rise, Meteoric Fall” e “Uncertain Future of Catholicism in America and Nothing To Hide: Secrecy, Communication, and Communion in the Catholic Church”.
O artigo foi publicado em Catholic News Agency, 20-08-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, reunida em Dallas, em 2002, adotou uma carta e normas para a proteção das crianças. Agora, aqueles oito bispos reunidos naquela época pedem algo mais.
Convoquem um concílio plenário ou um sínodo regional, exortaram eles a seus colegas bispos, e usem-no para chegar às raízes daquilo que ocorreu, de modo a impedir que algo parecido ocorra novamente. Os signatários da sua carta conjunta incluíram o cardeal Daniel N. DiNardo, de Galveston-Houston, então bispo de Sioux City, Iowa, e hoje presidente da Conferência dos Bispos, e o arcebispo Allen H. Vigneron, de Detroit, bispo auxiliar lá naquela época.
Mais de uma centena de bispos manifestaram interesse na sugestão, que acabou se focando na opção do sínodo. A Conferência dos Bispos tomou nota disso. Mas, com o tempo, o entusiasmo diminuiu, e a proposta morreu à medida que a hierarquia seguiu implementando suas novas medidas de proteção das crianças.
Agora, parece que aqueles oito bispos estavam à frente do seu tempo. Diante de uma crise ainda pior do que há 17 anos, a ideia de um sínodo regional para a Igreja Católica nos EUA parece cada vez mais atraente.
“Na longa experiência da Igreja”, disseram os oito bispos a seus irmãos bispos em 2002, “a tomada de ação pelos bispos mediante um concílio ou sínodo tem sido uma estratégia experimentada e verdadeira para promover a reforma.” E a maioria das pessoas concordaria que há necessidade de reforma da Igreja agora.
A crise cresceu e agora não envolve mais apenas o abuso sexual de crianças por alguns clérigos. Em vez disso, tornou-se uma crise de comunhão eclesial cujos elementos incluem a desconfiança das lideranças da Igreja intensificada pelos casos McCarrick e Bransfield, uma tensão e um conflito entre grupos ideologicamente motivados, todos reivindicando que representam o autêntico catolicismo, e um desalentador abismo entre o que a Igreja ensina e aquilo em que muitos católicos acreditam em termos de fé e moral.
Os números sublinham a gravidade da situação. No ano passado, houve 143.000 casamentos católicos nos EUA, em comparação com mais de 426.000 em 1970. Os batismos de crianças foram de 615.000 contra 1.089 milhão naquela época. A porcentagem de católicos que frequentam a missa semanal caiu de 54,9% em 1970 para 21,1% em 2018. Metade dos católicos com 30 anos ou menos abandonou a Igreja, enquanto, como aponta Dom Robert E. Barron, bispo auxiliar de Los Angeles, para cada pessoa que se une à Igreja hoje, seis abandonam.
Nesse contexto, um tema apropriado para um sínodo regional pode ser “O desafio de transmitir a fé”.
O Código de Direito Canônico fala dos sínodos regionais como “sessões especiais” cujos membros são os bispos da região envolvida ou bispos escolhidos para representá-los. Desde o Concílio Vaticano II, houve sínodos regionais para os Países Baixos, o Líbano, a África, o Oriente Médio e outros lugares. Um sínodo regional para a região amazônica da América Latina será realizado em outubro.
Em seu discurso aos bispos em sua assembleia geral em Baltimore em junho passado – lido para ele por um de seus representantes, porque ele estava em Roma participando de uma reunião convocada pelo Papa Francisco – o arcebispo Christophe Pierre, núncio papal nos EUA, pareceu propor um sínodo regional.
Falando sobre a necessidade de os bispos colaborarem na solução dos problemas, ele disse: “Pessoalmente, eu acredito que o corpo de bispos é mais forte e mais eficaz trabalhando juntos e caminhando juntos. Desde o início de seu pontificado, o Papa Francisco pediu uma Igreja sinodal – uma Igreja que caminha junto”.
E acrescentou: “No processo de caminharmos juntos, também temos a oportunidade de ouvir os diferentes membros do grupo. Certamente, a Igreja precisa ouvir as vozes e as intuições dos fiéis leigos. (...) Um bispo não pode pensar que as questões relativas à Igreja podem ser resolvidas agindo sozinho ou exclusivamente entre seus pares”.
Mas, alguém poderia perguntar, como um sínodo regional de bispos poderia ser algo mais do que um encontro em que os bispos agem “exclusivamente entre pares”? A resposta parece óbvia. O sínodo deveria ser precedido por uma consulta séria e honesta dos católicos para descobrir como eles veem a crise atual – uma contribuição da maior importância para a formulação de uma pauta realista para o sínodo. E, além da consulta, os leigos deveriam estar presentes no próprio sínodo, como observadores, com o direito de falar.
Certamente, há riscos, particularmente o risco de expectativas desapontadas, se a consulta pré-sinodal parecesse ser principalmente para aparecer ou se o próprio sínodo não fosse totalmente transparente ou produzisse apenas resultados insignificantes.
Mas um sínodo regional bem planejado e bem executado também oferece vantagens importantes, indubitavelmente disponíveis agora de um modo único. Em geral, daria aos bispos uma oportunidade de renovar sua credibilidade como lideranças eficazes, dando aos outros católicos razões para pensarem que suas vozes estão sendo ouvidas e razões para esperarem em uma reforma real.
“Na revelação de Jesus Cristo, temos todos os recursos de que precisamos para transformar este tempo de provação em um ‘dia que o Senhor fez’”, disseram os oito bispos em 2002. “Devemos testemunhar com toda a autoridade do nosso ministério apostólico os fundamentos dos princípios do Evangelho e devemos traçar um curso de ação com base nesses princípios.”
Isso é pelo menos tão verdadeiro agora como naquela época. Um sínodo regional para a Igreja nos EUA é um caminho - talvez o melhor caminho e possivelmente o único caminho – para fazer isso.
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Chegou a hora de a Igreja dos EUA realizar um sínodo regional para enfrentar a crise dos abusos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU