22 Agosto 2019
Evidentemente, a mudança climática é um problema de direitos humanos. Algo menos óbvio é dizer que não é necessariamente útil; na verdade, expõe as limitações do ativismo de direitos humanos para alcançar uma reforma econômica sistêmica.
O artigo é de Stephen Humpfreys, professor associado de Direito na London School of Economics, publicado por Open Global Rights, 16-07-2015. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Para entender as imensas implicações da mudança climática sobre os direitos humanos, devemos ler a série de relatórios produzidos pelo Instituto Potsdam, Turn Down the Heat (Baixemos a temperatura).
A partir da observação de que, a menos que algo extraordinário aconteça muito em breve, é provável que as temperaturas globais médias subam 4 ºC acima dos níveis pré-industriais antes de 2100 (um aumento muito maior do que o objetivo internacional de 2 ºC), os relatórios documentam a subsequente catástrofe.
Esses relatórios, como a maioria dos estudos sobre mudança climática, não mencionam "direitos humanos" pelo nome. Mas a história que eles contam é de dificuldades extraordinárias. Ondas de calor extremas (como na Rússia em 2010) se tornariam "o típico novo verão". Nos trópicos, o calor excederá a "faixa de temperatura histórica e os extremos aos quais se adaptaram e que toleraram os ecossistemas naturais e humanos". De fato, com um aumento de 4 ºC, afirmam os autores, os trópicos deixarão de ser habitáveis.
Declarados em termos de direitos humanos, os relatórios descrevem riscos para: o direito à alimentação (quedas de produtividade, riscos de receita de importação, crises repentinas de preços); à saúde (um tremendo aumento na mortalidade, desnutrição, doenças diarreicas e devastadoras doenças transmitidas por vetores [dengue, chikungunya e malária]); para a água (no Oriente Médio, "o aumento na demanda por água de irrigação será difícil de atender devido a uma redução simultânea na disponibilidade de água"); para o trabalho ("os níveis de estresse térmico podem atingir os limites fisiológicos das pessoas que trabalham ao ar livre e prejudicam seriamente a produtividade do trabalho regional"); a habitação ("assentamentos informais em várzeas e encostas íngremes... foram severamente afetados por inundações e deslizamentos de terra nos últimos anos"); a vida. Os pobres são os mais vulneráveis e haverá cada vez mais "confrontos e tensões relacionados às mudanças climáticas, podendo enfraquecer os esforços de redução da pobreza e fazer com que novos grupos caiam na pobreza".
Nos últimos dez anos, aproximadamente, acadêmicos, ativistas e grupos de direitos humanos entraram na política de mudança climática. Hoje sabemos muito sobre as dimensões dos direitos humanos da mudança climática. No entanto, ainda não está claro o que as normas de direitos humanos podem oferecer a esse respeito, se é que há algo.
O litígio estratégico poderia ocupar uma função residual nos casos em que haja vítimas da mudança climática, em países com emissões altas e sistemas judiciais sólidos. Por exemplo, os direitos humanos foram parte dos argumentos, ainda que não no ditame, no recente e exitoso caso Urgenda, na Holanda.
Mas a história do litígio de direitos humanos oferece poucas razões para esperar, mesmo nessas situações, dadas as complexidades políticas e científicas. E o que é mais relevante, a esmagadora maioria das vítimas das mudanças climáticas será (na verdade, elas já estão) localizadas em países que contribuíram relativamente pouco para o problema.
Os tribunais nesses países não terão autoridade para obter compensação daqueles que realmente a devem, muito menos para exigir que os principais emissores de carbono parem.
Portanto, o ativismo pelos direitos humanos buscou outros pontos de partida para lidar com a mudança climática. Ouvimos muito sobre o direito à informação sobre os impactos ambientais (como garantido na Convenção de Aarhus) e algumas menções de direitos indígenas no contexto de REDD + (um programa que busca reduzir as emissões pagando para que as florestas dos países em desenvolvimento permaneçam intactas).
Vimos o mecanismo de direitos humanos das Nações Unidas agir. A mudança climática é cada vez mais mencionada na Revisão Periódica Universal (RPU), vários Procedimentos Especiais atentam para ela, há um novo Relator Especial sobre direitos humanos e meio ambiente e até mesmo o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) está sobre a questão. Inevitavelmente, há um esforço conjunto para incorporar a “linguagem dos direitos humanos” no próximo tratado sobre mudança climática que será acordado em Paris em dezembro.
Tudo isso é bom, sem dúvida, mas parece fazer ajustes superficiais pelos cantos. Aparentemente, as normas de direitos humanos têm pouco ou nada a dizer sobre o problema central enfrentado pelas ações relacionadas à mudança climática: como vamos reduzir as emissões de carbono de forma dramática e urgente, a um ritmo que nos tire do caminho dos 4 °C?
Os Estados não adotarão metas vinculantes de redução de emissões, que poderiam derrubar suas economias, simplesmente para satisfazer seus colegas na RPU, os acadêmicos do CDESC ou os diferentes Procedimentos Especiais.
Não frearão as indústrias de combustíveis fósseis não em resposta à linguagem dos direitos humanos no Acordo de Paris. O foco nos direitos indígenas pode fazer com que o programa REDD+ seja mais favorável aos direitos humanos, mas não diz nada sobre se monetizar as florestas é uma boa ideia em si.
E quanto aos combustíveis fósseis? Algumas manchetes recentes: a produção de petróleo na Arábia Saudita acaba de atingir altos recordes, a Shell foi autorizada a perfurar a costa do Alasca, a Lamborghini está projetando um novo veículo SUV que estará à venda em 2018 e o Irã está negociando com a Shell e Eni, a fim de duplicar a sua produção de petróleo até 2020.
A produção de petróleo continua aumentando ano a ano (93 milhões de barris por dia até agora em 2015, mais do que os 91,5 milhões produzidos em 2014); as reservas provadas estão em um máximo sem precedentes (1,7 bilhão de barris, segundo a BP); E, apesar de tudo isso, devemos ficar felizes quando seis gigantes do petróleo se oferecerem para "contribuir" para o projeto de uma ferramenta para colocar um preço no carbono.
Se eles queimarem, as reservas de petróleo existentes hoje nos levariam muito além de um mundo dos 4 °C. Eles iriam atirar no céu mais 3.000 gigatoneladas de dióxido de carbono, quando os cálculos mais precisos dizem que qualquer quantia que exceda 500 Gt deixará a segunda meta fora de alcance.
Por essa razão, Nicholas Stern, o economista britânico, refere-se aos 3 bilhões de dólares investidos nessas reservas como "bens armadilhados". Talvez ele esteja certo, mas é claro que o mercado não acredita nisso.
Para manter 80% ou mais desse óleo no solo, como deveríamos, precisamos tomar medidas drásticas e concretas: bani-lo, gradualmente eliminá-lo, colocar uma moratória na exploração, superprodução de multas, criminalizá-lo.
Também precisamos injetar fundos públicos maciços na pesquisa e desenvolvimento de energias renováveis e na transferência de tecnologia para os países em desenvolvimento. Encontrar uma maneira de fazer isso, em condições de austeridade e neoliberalismo suave, tornou-se o desafio central da mudança climática.
É claro que também podemos repensar todas essas preocupações como questões de direitos humanos; mas se quisermos mudanças reais em vez de, digamos, aplausos nas redes sociais, por que faríamos isso?
A ironia é que, em face de uma ameaça extraordinária, de fato existencial, para o cumprimento dos direitos humanos supostamente “protegidos internacionalmente”, globalmente, normas e advogados de direitos humanos, de fato o movimento de direitos humanos como um todo Tem muito poucas coisas úteis para dizer e não tem um papel claro a desempenhar.
Eu espero que esteja errado.
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Os Direitos Humanos ameaçados pela emergência climática - Instituto Humanitas Unisinos - IHU