02 Agosto 2019
O glifosato é o agrotóxico mais vendido no Brasil e no mundo. Foi proibido na Áustria e em alguns pontos de Portugal, que quer banir por completo.
Gigante do setor químico e farmacêutico, a alemã Bayer, proprietária da Monsanto, é alvo de 18.400 processos em tribunais dos Estados Unidos. Só nos últimos três meses, foram ajuizados 5 mil. O dado foi apresentado nesta terça-feira (30) pela presidência da empresa, na Alemanha. A principal acusação é que o agrotóxico glifosato, criado pela Monsanto, é causador do câncer que vitima o próprio reclamante ou membro de sua família.
A reportagem é publicada por Rede Brasil Atual, 01-08-2019.
Trata-se do princípio ativo do Roundup, nome comercial de um agrotóxico que naquele país está presente em doses acima do permitido em vinte marcas e cereais matinais, segundo uma pesquisa da organização Environmental Work Group (EWG). E que extrapola o uso agrícola, com presença nas prateleiras de supermercados e lojas de jardinagem.
A empresa já foi condenada em três processos no estado da Califórnia. O valor total inicial das indenizações era de US$ 2,36 bilhões – equivalente a R$ 8,9 bilhões. Mas em instâncias superiores foi reduzido para US$ 172,3 milhões (R$ 653 milhões).
O primeiro foi em agosto de 2018. Um júri da Califórnia responsabilizou o glifosato – e a companhia – por causar linfoma não-Hodgkin no ex-jardineiro Dewayne Johnson.
Trata-se de um tipo de câncer que afeta o sangue e o sistema imunológico. De lá para cá, a proprietária da Monsanto perdeu mais dois e passou a enfrentar uma enxurrada de ações.
A Bayer passou a ser responsabilizada judicialmente desde o ano passado, quando concluiu o processo de incorporação da Monsanto, pela qual pagou US$ 37 bilhões. O grupo alemão calculou todo o risco envolvido para atingir seu objetivo, de dominar o mercado mundial de sementes transgênicas. A maioria dessas sementes são desenvolvidas para resistir a doses maiores de agrotóxicos antigos, como o próprio glifosato.
Apesar de sua patente ter expirado no início dos anos 2000, o que permite que empresas em todo mundo o fabriquem e vendam – é o caso de grandes, como a alemã Basf, e diversas outras –, a Monsanto/Bayer ainda faturam. “Ao mesmo tempo que distribuem riscos para outras empresas, como muitas chinesas, o grupo ainda mantém a produção da matéria prima da síntese do glifosato”, afirma o defensor público de São Paulo Marcelo Carneiro Novaes.
Princípio ativo mais vendido no Brasil e no mundo, o glifosato integra a lista de liberações recorde de agrotóxicos do governo de Jair Bolsonaro (PSL). Dos 290 itens aprovados em apenas sete meses, 13 são a base de glifosato.
O grupo alemão investe para amenizar as derrotas nos tribunais estadunidenses e para ser absolvido nos próximos processos. Anunciou recentemente a criação de um comitê para monitorar os processos. E contratou o advogado estadunidense John H. Beisner, especialista em questões que envolvam a responsabilidade de empresas em danos. O objetivo é assessorar o conselho fiscal quanto aos processos.
Afinal, as condenações milionárias derrubaram o valor das ações da companhia na bolsa de Frankfurt. Neste ano, foram desvalorizadas em mais de 6%, chegando a valer 56,60 euros atualmente. No começo de agosto de 2018, antes de efetivar a incorporação da Monsanto e de perder o primeiro processo, valiam 95,75 euros.
Segundo a imprensa europeia, os acionistas da empresa estão infelizes com o glifosato. Tanto que em maio, mais da metade deles se recusou a ratificar as decisões tomadas pela diretoria da Bayer em 2018. Inclusive a própria aquisição da Monsanto. A razão é que a fusão tornou-se um risco para o futuro da gigante alemã. Embora sem efeitos práticos, o posicionamento pode abalar a relação entre diretoria e investidores.
Em fevereiro, uma ampla pesquisa divulgada pela Elsevier, maior editora de literatura médica e científica do mundo, apontou que o glifosato aumenta em 41% o risco de uma pessoa exposta a ele vir a desenvolver o linfoma não-Hodgkin. O mesmo que afeta Dewayne Johnson. Trata-se de um tipo de câncer que tem origem nas células do sistema linfático e que se espalha de maneira desordenada pelo organismo.
Com respaldo em pareceres de autoridades sanitárias internacionais, a indústria nega que o glifosato cause algum tipo de câncer. No final de abril, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) declarou que o herbicida “provavelmente não é cancerígeno para os humanos”.
Em 2015, a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), atestou que o produto é um “provável causador” de câncer. No ano seguinte, a Agência Reguladora Europeia (EFSA) descreveu o glifosato como “seguro para saúde humana”, desde que os níveis de resíduos sejam mínimos.
Em fevereiro, a Agência Nacional de vigilância Sanitária (Anvisa) concluiu a reavaliação e liberou o produto, já que não “apresenta características mutagênicas e carcinogênicas”. Ou seja, não causa mutações genética que levem ao câncer.
Mas nem todos caem na conversa. No começo do mês, foi aprovada no parlamento da Áustria lei que proíbe todos os usos do glifosato. A medida apoiada por partidos social-democrata, liberal e de extrema direita, pioneira na União Europeia, foi tomada justamente pelo elo entre glifosato e câncer. Em outros países houve proibição parcial do uso.
A Áustria tem a maior produção orgânica da União Europeia. Cerca de 23% de suas lavouras estão livres de agrotóxicos e transgênicos – o que está bem acima da média da UE, de 7%.
O governo português proibiu, em 2017, o uso do glifosato nos parques infantis, praças, parques urbanos e áreas de camping, além de hospitais e outros locais de prestação de cuidados à saúde, como residências para idosos. A proibição do produto, bem como outros nocivos às abelhas, é uma das bandeiras do Bloco de Esquerda, que disputa as eleições em outubro para a Assembleia da República.
Em 2018, vieram a público a existência de e-mails e documentos da Monsanto que revelam uma campanha de desinformação para esconder as ligações entre glifosato e câncer.
Maior consumidor mundial de agrotóxicos desde 2008, o Brasil tem o câncer como maior causa de mortalidade em 10% das cidades brasileiras. É que mostra um levantamento a partir de números oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), de 2015, divulgado pelo Observatório de Oncologia do movimento Todos Juntos Contra o Câncer, em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM). Pelo andar da carruagem, o câncer deverá se tornar a maior causa de mortes em uma década, superando problemas cardiovasculares.
“Não precisamos provar o nexo causal entre uso de agrotóxicos e incidência de diversas doenças crônicas, uma vez que, nessa questão, usamos dados epidemiológicos, que é uma situação de risco, ensejando uma correlação entre uso de agrotóxicos e diversas doenças. Até porque buscar o nexo causal é impossível”, afirma o defensor Marcelo Carneiro Novaes. Ele cita como exemplo a alta incidência de câncer na zona rural do estado de São Paulo. Em Bento de Abreu, na região de Araçatuba, há 18 óbitos por câncer cerebral para cada 100 mil habitantes. A taxa estadual é 6.6, conforme o Observatório de Saúde Ambiental. São cidades pequenas, segundo ele, na fronteira entre o urbano e rural, em que ao sair da igreja matriz, os moradores já estão sob a deriva da pulverização aérea que tinha como alvo a plantação de cana.
“As empresas se defendem dizendo que o produto é seguro, desde que usado corretamente. Essa é a tônica da defesa. Agora, como usar um produto seguro com as condições climáticas do Brasil?”, questiona.
Um parecer técnico obtido pelo promotor Gabriel Lino de Paula Pires, do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) da região do pontal do Paranapanema (SP), demonstra bem a maneira pela qual a pulverização de agrotóxicos afeta saúde e a vida das populações expostas.
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Elo comprovado entre agrotóxico glifosato e câncer leva a 18 mil processos contra a Bayer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU