01 Agosto 2019
Ninguém melhor do que um militar como Bolsonaro, com três décadas de carreira política, para saber que os sistemas de medição da conservação da floresta amazônica beiram a perfeição no Brasil. Inauguraram-se no início dos anos 1970 e desde o final dos anos 1980 são uma referência mundial. Os planos do presidente - a exploração das riquezas naturais brasileiras -, no entanto, estão longe da lição que pode vir da análise dos resultados de estudos oficiais publicados, por exemplo, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
A reportagem é de Victor David López, publicada por El Diario, 30-07-2019. A tradução é do Cepat.
Entre os avançados sistemas de controle do INPE, destaca-se o Deter-B, que identifica e mapeia em tempo real todos os tipos de alterações na superfície da floresta amazônica. Esse programa detectou, no mês de maio, 1.102,57 km² de áreas de alerta de desmatamento, das quais 739,68 km² correspondem à "eliminação completa da cobertura florestal (corte raso)". No mês de junho, as áreas de alerta atingiram 2.072,03 km², com 920,21 km² de eliminação total. Os estados do Mato Grosso e Pará levam a pior parte. Os dados do Deter-B podem ser consultados no site do Terra Brasilis.
"A área de desmatamento com corte raso, nos últimos três meses (abril, maio, junho), acumula 1.907,1 km²", indica o INPE. "Em 2018, foram registrados 1.528,2 km² no mesmo período, ou seja, se observa um crescimento de 24,8%." É complicado para Jair Bolsonaro se afastar do discurso antiambiental que demonstrou nos últimos tempos e refutar os exaustivos e minuciosos dados da tão elogiada instituição de seu próprio governo. Por isso, o presidente escolheu apelar ao nacionalismo e ao amor-próprio da população.
Nos últimos dias, tem dito, em primeiro lugar, as bases do que deveria fazer o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Ricardo Galvão, toda vez que a realidade do desmatamento aparecer diante de seus olhos: "Pela responsabilidade, respeito e patriotismo" procure o seu chefe imediato, neste caso o ministro: olha, ministro, temos alguns dados aqui, vamos divulgá-los, porque devemos divulgá-los, prepare-se porque você vai sofrer algumas críticas ".
Bolsonaro disse à imprensa que a divulgação desses números dificulta os acordos comerciais, por causa da imagem negativa do país, e que não deveriam vir à luz sem que ele tenha conhecimento prévio. Acusou também o diretor do INPE de produzir e divulgar dados "que podem não coincidir com a verdade" e estar "a serviço de alguma ONG".
Conhecedor do modus operandi de Bolsonaro com aqueles que não se alinham exatamente a suas ideias - ataques em público foram um prelúdio para as saídas do ministro da Educação, do ministro da Secretaria de Governo e do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento -, Ricardo Galvão respondeu a partir de sua posição como cabeça visível dos dados alarmantes de desmatamento da Amazônia: "Faz parte de um plano para me queimar". Segundo Galvão, o líder ultradireitista "adotou uma atitude pusilânime e covarde de fazer uma declaração em público, talvez esperando que eu peça demissão, mas não vou fazer isso".
As vozes que apoiam o trabalho do INPE foram chegando em cascata. Edegar de Oliveira (diretor de conservação e restauração de ecossistemas do Fundo Mundial para a Natureza no Brasil) afirma ao jornal El Diario que "os dados são bastante consistentes, confiáveis, extremamente relevantes por sua qualidade científica e pelo fato de serem transparentes". Em sua opinião, os ataques de Bolsonaro têm mais a ver com a sua "falta de preparação" do que com o nacionalismo, e pecam mais pelo "imediatismo" do que pelo patriotismo. "Há produtores conscientes e preocupados em favor de produções sustentáveis, o Brasil não precisa desmatar para continuar abastecendo o mercado de commodities", explica Oliveira, perturbado com a atitude de um presidente que "vai na contramão disso."
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), comandada por seu presidente Ildeu de Castro Moreira, publicou um manifesto em defesa do INPE, de seu diretor e suas pesquisas. "Na ciência, os dados podem ser questionados, mas sempre com sólidos argumentos científicos, e não por motivações de natureza ideológica, política ou qualquer outra", apontam no texto.
A SBPC, juntamente com a Academia Brasileira de Ciências, entre outras instituições científicas, também enviou uma carta direta ao presidente, com cópia para os Ministros da Agricultura, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente. Na carta, explicam resumidamente o amplo espectro da palavra desmatamento: "Não se trata apenas de conservar a mata como um sistema essencial para a regulação do processo de mudança climática, de interesse internacional, mas também da preservação da rica biodiversidade e da sobrevivência da agricultura brasileira em todo o país, particularmente no centro-oeste e no sudeste, cujos regimes de chuvas dependem fundamentalmente da existência da floresta amazônica e de sua exploração sustentável."
O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, citou o diretor do INPE para discutir os dados, e não saiu do script: "Entendo e compartilho a estranheza expressada por nosso Presidente". Pontes, tenente-coronel da Força Aérea Brasileira, uma das peças mais respeitadas do Executivo e o primeiro astronauta sul-americano a viajar ao espaço, também conhece bem o modo de agir de Bolsonaro quando quer encurralar um alto cargo que o atrapalha.
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Bolsonaro apela ao “patriotismo” para ocultar os dados do desmatamento da Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU