03 Julho 2019
“Todos os dias vejo de forma mais clara que a religião do futuro é a ‘religião laica’. Essa não é a religião que nega a Deus. Isso é uma contradição grosseira. A ‘religião laica’ é a religião que iguala a todos nós”, escreve José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 02-07-2019. A tradução é do Cepat.
As declarações feitas pelo Núncio da Santa Sé, ao se despedir da Nunciatura de Madri, estão dando o que falar por um motivo compreensível. O representante oficial do Papa na Espanha se despediu fazendo alusões e dando sua opinião sobre um problema, o enterro do ditador Franco, a respeito do qual muitos espanhóis não são indiferentes.
Ao falar sobre esse assunto, minha intenção não é me pronunciar a favor ou contra o Núncio. O que pretendo é indicar o problema de fundo que está oculto em todo esse assunto. Um problema que muitas pessoas não conseguem imaginar, mas que tem mais atualidade e envergadura do que normalmente se pensa ou se diz nesses
A que me refiro? O centro e o eixo do cristianismo, como bem sabemos, é o Evangelho. E no Evangelho tudo gira em torno do personagem principal, que é Jesus. Pois bem, se a Igreja tem sua origem no Evangelho e sua razão de ser é fazer presente esse mesmo Evangelho, é evidente que os representantes oficiais da Igreja não podem ir pelo mundo fazendo e dizendo exatamente o contrário do que, de acordo com os Evangelhos, Jesus fez e disse enquanto esteve na terra.
Dito isto, se há algo claro nos Evangelhos é que Jesus foi um homem profundamente religioso, que falava constantemente de sua relação (e de nossa relação) com o Pai do céu. E que passava as noites inteiras em oração a Deus. Mas, sempre fez essas coisas de tal forma que a vida de Jesus transcorreu não apenas à margem da "religião oficial", a religião do templo e dos sacerdotes, mas - acima de tudo e como bem sabemos - "enfrentou diretamente" o templo e seus funcionários, em muitos de seus rituais e cerimônias e ao "jugo" (Mt 11,29) de normas que os clérigos impunham ao povo.
De tal forma que Jesus entendeu e praticou a religião de tal maneira que aquilo acabou em um conflito mortal. Porque, como é bem sabido, foi o Sinédrio (o Supremo Conselho de Religião) que condenou Jesus à morte (Jo 11, 47-53). E o que forçou as autoridades civis e militares a executar a sentença da forma mais cruel que havia até então.
Foi o que aconteceu. Mas, por que ocorreu aquele crime? Não foi para defender a religião, que estava bem defendida. Nem foi para proteger os Sacerdotes e suas benesses. O templo e seus homens eram a grande fonte de riqueza que Jerusalém possuía naquele tempo, como demonstraram os melhores estudiosos desta história (ver J. Jeremias, Jerusalém no tempo de Jesus, 1977).
Então, por que perseguiram e mataram Jesus? Simplesmente porque Jesus viu, com clareza cristalina, que o mais urgente e emergencial, neste mundo, não é a submissão àqueles que têm poder, mesmo que seja o poder sagrado da religião. O mais importante, que não admite espera, é remediar o sofrimento daqueles que não podem continuar, afundados como estão em suas carências e misérias. Por isso, Jesus curava os enfermos, acolhia pecadores e estrangeiros, defendia as mulheres, se colocava ao lado das crianças, mendigos e das pessoas desamparadas.
Sem dúvida alguma, tudo isso é o que irritava os homens da religião. Sobretudo, quando Jesus disse em suas caras que haviam feito do templo "um covil de ladrões". Os "profissionais do sagrado" – os de então e os de agora – não se davam conta de que a religião ou é "laica" (do povo, de todos igualmente) ou não é religião, isto é, não nos leva a Deus, porque o direito nos leva à tranquilidade da consciência e ao "senhorio do disparate", como deixou evidente o Núncio que parte?
Quando um coletivo de homens pensa que são superiores aos outros, porque sabe mais e pode mais que os outros, não se pode suspeitar com fundamento que a experiência religiosa que este coletivo nos prega já não é confiável, pois nos remete a uma falsa religião?
Todos os dias vejo de forma mais clara que a religião do futuro é a "religião laica". Essa não é a religião que nega a Deus. Isso é uma contradição grosseira. A "religião laica" é a religião que iguala a todos nós. E todos nós nos concentramos na firme convicção que se centra neste critério: uma conduta ética tão honesta e tão transparente que não tenha outra explicação a não ser a existência de um além e a experiência de um Pai que é a chave que explica o que nunca chegaremos a explicar.
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"Ou é do povo, de todos igualmente, ou a Igreja não nos leva a Deus". Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU