17 Junho 2019
Recebendo em 2018 os CEOs das principais companhias de petróleo e os diretores das mais importantes empresas de investimento globais, o Papa Francisco dedicou 2060 palavras. Para o bis concedido após quase exatamente um ano, Jorge Mario Bergoglio conteve-se a um discurso de 913 palavras.
O comentário é de Andrea Mainardi, publicado por Start Magazine, 14-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Discurso mais sucinto, não menos premente. Provavelmente mais veemente: "Caros amigos, o tempo está se esgotando!" Portanto: "São os pobres que sofrem o pior impacto da crise climática". E ainda: "Os jovens exigem uma mudança". Então: "A crise ecológica de hoje, especialmente a mudança climática, ameaça o próprio futuro da família humana. Por demasiado tempo ignoramos coletivamente os frutos da análise científica, e as previsões catastróficas já não podem mais ser vistas com desprezo e ironia".
O cenário também mudou. Para uma plateia tão seleta foi escolhida a suntuosa Sala Clementina, no Palácio Apostólico para a audiência de 9 de junho de 2018. Em 14 de junho de 2019, o encontro do Papa com os “grandes” do setor energético no final do simpósio dessa vez sobre o tema "A transição energética e a proteção da casa comum" aconteceu na sede do próprio simpósio - realizado durante dois dias (quinta e sexta-feira, rigorosamente a portas fechadas) - na mais reservada sala de conferências da Casina Pio IV dos Jardins do Vaticano, sede da Pontifícia Academia das Ciências. Foi o cardeal Peter Turkson quem fez as honras da casa, prefeito do Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral.
Insólita – destacaram todos os observadores dos assuntos do Vaticano - a extrema confidencialidade mantida até o último minuto do meeting do Vaticano. Do qual, no entanto, se tinha notícias desde abril. Um meeting, desta vez, a diferença do anterior, publicamente divulgado e promovido diretamente pelo Vaticano, enquanto em 2018 havia sido considerado como uma reunião solicitada pelas companhias petrolíferas. Para discutir o que?
Dois dias de debates produziram um duplo comunicado que acompanha o forte relançamento do Papa, Já em 2018, Francisco lembrava (de maneira anti-trumpista?) o Acordo de Paris com a firme intenção de limitar o aumento do aquecimento global abaixo dos 2ºC em comparação com os níveis pré-industriais e, se possível, abaixo de 1,5°C. Este ano Bergoglio vai diretamente para 1,5°C. Sem descontos. Os comunicados das big oils falam de um compromisso "below" (abaixo) os 2°C. Há obviamente algo a mais.
As empresas – entre as quais a ExxonMobil, BP, Royal Dutch Shell, Total, Chevron e Eni - e vários grandes investidores - incluindo a BlackRock - declararam que os governos deveriam estabelecer regimes tarifários em um nível que encoraje empresas e investimentos, reduzindo os custos para as comunidades vulneráveis. Ao reler os comunicados, o que parece não estar ressaltado é uma linha precisa em um calendário específico para aquele “tempo que está se esgotando" ditado por Francisco no final do simpósio. Existe um compromisso assinado sobre a importância da tarifação do carvão com vistas a reduzir as emissões e sobre a necessidade de as empresas fornecerem informações claras sobre estratégias, ações, procedimentos administrativos e resultados relacionados às mudanças climáticas.
Il Sole 24 Ore relata uma declaração de Claudio Descalzi, CEO da Eni, que participou do encontro no Vaticano: "É a segunda vez que, como Eni, participamos do diálogo no Vaticano sobre energia e clima. É um dos momentos mais altos e importantes de encontro ao longo do ano, porque nos permite discutir os desafios e a complexidade da transição energética com outras empresas do setor e com os maiores fundos de investimento mundiais, além de importantes expoentes da comunidade científica". "Entre os objetivos da Eni – consta no jornal da Confindustria - há o de alcançar a neutralidade do carbono a partir de 2030".
A Carbon Tracker Initiative, grupo sediado em Londres que examina o impacto que a transição dos combustíveis fósseis tem sobre os mercados financeiros, acolheu de forma positiva o anúncio do Vaticano das grandes petrolíferas: “É importante que muitas das principais empresas de petróleo e gás do mundo e muitos dos maiores investidores mundiais tenham aprovado os regimes de determinação de carbono", enfatiza o diretor executivo do grupo, Mark Campanale.
Mel Evans, ativista climático do Greenpeace no Reino Unido, tem uma visão bem diferente. Eis sua opinião escrita pelo Guardian: "Os compromissos das companhias petrolíferas não avançaram muito. As grandes empresas de petróleo sabiam tudo sobre o risco ligado às mudanças climáticas muitos anos antes que muitos de nós tivéssemos ouvido falar sobre isso pela primeira vez. Eles sabiam para onde estávamos indo e ainda estão pressionando a favor dos negócios como de costume."
Bergoglio, que desde 2013 assinou exortações e motu proprio, mas de fato apenas uma encíclica, Laudato si' de 2015 sobre o cuidado da casa comum – a Lumen Fidei publicada em junho de 2013 era, como se sabe, um texto herdado de seu predecessor - sobre clima e meio ambiente estabeleceu um ponto essencial de seu pontificado.
O sínodo dos bispos em outubro sobre a Amazônia oferecerá mais uma oportunidade para aprofundamento. Enquanto isso, o compromisso na esteira marcada pela encíclica ambiental continua. Embora desta vez os líderes das principais companhias de energia e de investimento do mundo não tenham sido recebidos naquela suntuosa Sala Clementina, que impõe rígidos protocolos. Aquela em que o Papa recebe os diplomatas ou os cardeais. Aquela em que ele recebeu o clube das big oils em 2018. Reservando a elas um discurso de 2060 palavras.
Para este ano, ao bis no Vaticano, Bergoglio foi até eles. "Igreja em saída". Ele os encontrou na, certamente não modesta, sala de conferências da Casina Pio IV. Mas com um discurso muito, muito mais conciso e lapidar. Uma breve fala de 913 palavras. Sem muitas cerimônias, mesmo que com muitos flashes, acompanhado por um cardeal Turkson em clergyman. Ele lembrou, entre outras coisas, que o Painel Intergovernamental sobre as Mudança Climática prevê que haverá efeitos "catastróficos" no clima "se formos além do limite dos 1,5ºC delineados no objetivo do Acordo de Paris" e que "falta pouco mais de uma década para alcançar essa barreira do aquecimento global".
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ExxonMobil, BP, Shell, Total e Chevron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU