14 Junho 2019
Ao final, e apesar de ter ameaçado ir assistir ao encontro do Papa com todos os representantes pontifícios, o ex-núncio Viganò não compareceu. Porém sua figura esteve presente, e muito, no discurso de Francisco. Uma espécie de decálogo, com um duríssimo “aviso aos navegantes”: “É inconciliável ser representante pontifício e criticar o Papa às suas costas, ter blogs ou se unir a grupos hostis a ele, à Cúria e à Igreja de Roma”.
A reportagem é de Jesús Bastante, publicada por Religión Digital, 13-06-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O Núncio “é um homem de Igreja”, assegurou o Papa, e, portanto, “não pode cair na fofoca e em calúnias” e que “não pode deixar se enganar pelos valores mundanos”. Também deve “evitar o luxo” e não esquecer que é “representante do Papa”.
Ser um homem da Igreja significa defender valentemente a Igreja frente às forças do mal que sempre tentam desacreditá-la, difamá-la ou caluniá-la.
“O núncio é homem de Igreja”, se lê na segunda indicação, e “deixa de ser quando trata mal os seus colaboradores” ou “busca o luxo na sua roupa ou objetos de marca em meio de gente que não tem nem o necessário”.
“Ser homem da Igreja quer dizer defender valentemente a Igreja frente às forças do mal que tentam sempre desacreditá-la, difamá-la ou caluniá-la”, advertiu Francisco, que pediu aos delegados em 193 países do mundo que sejam “homens de reconciliação e de mediação” e que sejam sempre “imparciais e objetivos”.
Francisco aconselha que o núncio seja “homem de obediência”, “oração”, “humildade” e “caridade”, e ao respeito instou a que se realizem obras para os pobres e aos mais necessitados dos países aos que foram enviados.
Se um núncio se fechasse na nunciatura e evitasse se encontrar com o povo, trairia sua missão e, no lugar de ser um fator de comunhão e reconciliação, converter-se-ia em obstáculo e impedimento.
Porém, ademais, lhes exorta a serem prudentes com todos os presentes recebem, porque “podem comprar” sua objetividade e sua liberdade, e rechaçar “todos os presentes caros que são feitos para eles", dedicando os à caridade.
Todas as pessoas podem ter reservas, simpatias e antipatias, porém um bom núncio não pode ser hipócrita porque o Representante é o trâmite, ou melhor dito, uma ponte de conexão entre o Vigário de Cristo e as pessoas a quem foram enviados.
Ser um “homem de Deus” significa seguir a Deus em tudo e por tudo; obedecer seus mandamentos com alegria; viver pelas coisas de Deus e não pelas do mundo; dedicar livremente todos os recursos, aceitando com um espírito generoso os sofrimentos que surgem como resultado da fé n’Ele. O homem de Deus não engana, nem difama o seu próximo, não se deixa ir a mentiras e calúnias; conserva a mente e o coração puros, preservando os olhos e os ouvidos da imundícia do mundo.
Ao ser um Representante Pontifício, o núncio, não se representa a si mesmo, mas sim à Igreja e, em particular, ao sucessor de Pedro... É feio ver um núncio que busca o luxo, os trajes e os objetos “de marca” no meio das pessoas, sem o necessário. É um contra-testemunho. A maior honra para um homem da Igreja é ser “servo de todos”.
Ser homem da Igreja requer a humildade de representar o rosto, os ensinamentos e as posições da Igreja, isso é, deixar de lado as convicções pessoais.
Ser homem da Igreja significa defender valentemente a Igreja frente as forças do mal que sempre tentam desacreditá-la, difamá-la ou caluniá-la.
O núncio é o anunciador da Boa Nova e, como apóstolo do Evangelho, tem a tarefa de iluminar o mundo com a luz do Ressuscitado, de levar Cristo até os confins da terra. Ele é um homem a caminho, que semeia a boa semente da fé nos corações daqueles que encontra. E aqueles que o conhecem devem sentir-se, de algum modo, desafiados.
A indiferença (é) uma doença quase epidêmica que está se espalhando de várias maneiras, não só na generalidade dos fiéis, mas também entre os membros dos institutos religiosos. Deus é digno de glória infinita... A glória de Deus brilha acima de tudo na salvação das almas que Cristo redimiu com o seu sangue. Segue-se que o principal compromisso de nossa missão apostólica será buscar a salvação e a santificação do maior número de almas.
Uma parte importante do trabalho de todo núncio é ser um homem de mediação, de comunhão de diálogo e de reconciliação. O núncio sempre deve tratar de ser imparcial e objetivo, para que todas as partes encontrem nele o árbitro correto que busca sinceramente defender e proteger somente a justiça e a paz, sem se deixar nunca se envolver negativamente.
Se um núncio se fechar na nunciatura e evitar de se encontrar com o povo, trairá sua missão e, em vez de ser um fator de comunhão e reconciliação, se converterá no obstáculo e impedimento. Nunca deve esquecer que representa o rosto da catolicidade e a universalidade da Igreja nas Igrejas locais dispersas no mundo todo e frente aos governos.
Como representante pontifício, o núncio não representa a si mesmo, mas sim o Sucessor de Pedro e age em seu nome perante a Igreja e os governos, isto é, concreta, implementa e simboliza a presença do Papa entre os fiéis e as populações. É lindo que em vários países a Nunciatura se chame "Casa do Papa".
Certamente, todas as pessoas podem ter reservas, simpatias e antipatias, mas um bom núncio não pode ser hipócrita porque o Representante é o trâmite, ou melhor, uma ponte de ligação entre o Vigário de Cristo e as pessoas as quais foi enviado, em uma determinada área, para a qual ele foi nomeado e enviado pelo Romano Pontífice.
Por isso, é irreconciliável ser um representante pontifício e criticar o Papa pelas costas, ter blogs ou mesmo se juntar a grupos hostis a ele, à Cúria e à Igreja de Roma.
É necessário ter e desenvolver a capacidade e a agilidade para promover ou adotar uma conduta adequada às necessidades do momento, sem cair nunca na rigidez mental, espiritual e humana, ou na flexibilidade hipócrita e camaleônica. Não se trata de ser oportunista, mas sim de saber como passar da ideação à implementação tendo em conta o bem-comum e a lealdade do mandato.
A virtude da obediência é inseparável da liberdade, porque somente em liberdade podemos obedecer realmente, e somente obedecendo o Evangelho podemos entrar na plenitude da liberdade. O chamado do cristão, e nesse contexto, o do Núncio, à obediência é o chamado a seguir o estilo de vida de Jesus de Nazaré.
Aqui me parece importante recordar uma vez mais a palavras insuperáveis com as quais São Giovanni Battista Montini, como subsecretário de Estado, descreveu a figura do Representante pontifício: “É a de alguém que verdadeiramente tem a consciência de levar a Cristo com ele” (abril de 1951), como o bem precioso para comunicar, anunciar, representar. Os bens, as perspectivas desse mundo terminam sendo decepcionantes, empurram a não estar nunca satisfeitos. O Senhor é o bem que não defrauda, o único que não defrauda. E isso requer um desapego de si mesmo que só pode ser alcançado com um relacionamento constante com o Senhor e a unificação da vida em torno de Cristo.
Aqui é necessário reiterar que a oração, o caminho do discipulado e a conversão encontram na caridade que se faz compartilhando a prova de sua autenticidade evangélica. E dessa forma de vida se deriva a alegria e a serenidade mental, porque se toca com a mão à carne de Cristo.
A caridade também é gratuita, e é por isso que gostaria de falar de um perigo permanente, o perigo das regalias. A Bíblia define o homem mau como "aceitando presentes sob o manto, para desviar o curso da justiça".
A caridade operada deveria nos levar a ser prudentes ao aceitar os dons que nos oferecem para ofuscar nossa objetividade e, em alguns casos, infelizmente, comprar nossa liberdade.
Nenhum presente, seja qual for o seu valor, deve nos escravizar! Rejeite presentes que são muito caros e muitas vezes inúteis, ou encaminhe-os para a caridade, e lembre-se de que receber um presente caro nunca justifica seu uso.
Gostaria de concluir esse manual com a virtude da humildade, citando as “Ladainhas da humildade”, do cardeal Rafael Merry del Val (1865-1930), um antigo colega de vocês, secretário de Estado e colaborador de São Pio X:
“Jesus, manso e humilde de coração, faz de meu coração parecido ao teu,
Do desejo de ser louvado. Livrai-me, Senhor.
Do desejo de ser honrado. Livrai-me, Senhor.
Do desejo de ser aplaudido. Livrai-me, Senhor.
Do desejo de ser preferido a outros. Livrai-me, Senhor.
Do desejo de ser consultado. Livrai-me, Senhor.
Do desejo de ser aceito. Livrai-me, Senhor.
Do temor de ser humilhado. Livrai-me, Senhor.
Do temor de ser repreendido. Livrai-me, Senhor.
Do temor de ser caluniado. Livrai-me, Senhor.
Do temor de esquecido. Livrai-me, Senhor.
Do temor de ser ridicularizado. Livrai-me, Senhor.
Do tempo de ser injuriado. Livrai-me, Senhor.
Do temor de ser rejeitado. Livrai-me, Senhor.
Concede-me Senhor o desejo de que os outros sejam mais amados que eu.
Concede-me Senhor o desejo de que os outros sejam mais estimados que eu.
Concede-me Senhor o desejo de que os outros cresçam, suscitem a melhor opinião do povo, e que eu diminua.
Concede-me Senhor o desejo de que os outros sejam louvados e de mim não se faça caso.
Concede-me Senhor o desejo de que os outros sejam empregados em cargos e que eu seja julgado inútil.
Concede-me Senhor o desejo de que outros sejam preferidos a mim, em tudo.
Concede-me Senhor o desejo de que os demais sejam mais santos que eu, contanto que eu seja todo o santo que posso."
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O Papa aos Núncios (e ao ex, Viganò): “Não se pode ser um representante pontifício e criticar o Papa às suas costas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU