02 Setembro 2013
O secretário de Estado vaticano é tradicionalmente o maior responsável pela gestão de todos os assuntos da Sé Apostólica, no pleno respeito à "plenitude dos poderes" do papa. Mas sempre foi assim?
A análise é do historiador italiano Agostino Paravicini Bagliani, professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão, ex-scriptor da Biblioteca Apostólica Vaticana e ex-professor da Escola Vaticana de Paleografia, Diplomática e Arquivística. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 01-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Muito se tem sido escrito e se continuará a escrever sobre o secretário de Estado vaticano, porque a história desses últimos dois séculos ensina que, da colaboração do secretário de Estado com o pontífice reinante, depende em grande parte o sucesso de um pontificado.
O secretário de Estado vaticano, de fato, é tradicionalmente o maior responsável pela gestão de todos os assuntos da Sé Apostólica, no pleno respeito à "plenitude dos poderes" do papa. Ainda por volta de 1800, o cardeal Ercole Consalvi assim o definia: " O secretário de Estado é ministro do Interior e do Exterior e de todos os gêneros de assuntos".
Mas sempre foi assim? De fato, não. A definição de Consalvi – ele foi forçado pelos franceses (1809) a deixar Roma e a viver em Paris, recusando-se a participar do casamento de Napoleão com Josefina de Beauharnais (1810) – fotografava o ponto de chegada de uma evolução que fizera do secretário de Estado o instrumento irrenunciável para a condução dos assuntos políticos e administrativos da Sé Apostólica (e do Estado vaticano, depois da sua fundação em 1929).
Secretários de Estado como Rafael Merry del Val ou Agostino Casaroli marcaram de modo profundo, e por décadas, a política vaticana. Sem falar de Eugenio Pacelli, secretário de Estado de Pio XI de 1930 a 1939. E Paulo VI também tinha sido, na juventude, justamente com Pacelli, desde 1937, Sostituto [vice-secretário] e depois, a partir de 1944, pró-secretário de Estado. Como dizendo que os grandes problemas políticos em que a Santa Sé se viu envolvida, da Primeira Guerra Mundial à Ostpolitik dos anos 1970 e 1980, facilitaram o progressivo e contínuo prestígio institucional da Secretaria de Estado.
Consalvi nunca teria feito uma definição tão peremptória do secretário de Estado um ou dois séculos antes! A evolução da Secretaria de Estado rumo à quase- onipotência, em termos administrativos e políticos, dentro da Santa Sé, de fato, foi lenta e nada linear. Por muitos séculos, a palavra "secretário" tinha outro significado; isto é, servia para definir responsáveis de escritório que tinham a tarefa de redigir as cartas "secretas" do papa, ou seja, as cartas de maior importância política. Era a tarefa confiada à Câmara secreta instituída por Martinho IV (cerca de 1430), que depois foi transformada em Secretaria Apostólica por Inocêncio VIII (1487), composta por um colégio de 24 secretários apostólicos, dirigidos pelo Secretarius domesticus. Então, o Secretarius domesticus desempenhava funções diplomáticas e de chancelaria importantes, mas não funções semelhantes às do atual secretário de Estado.
Isso também por causa da crescente importância que então tinha o nepotismo. De Paulo IV (1555-1559) até 1691, com a única exceção de Inocêncio XI (1676-1689), a figura curial em torno da qual girava toda a administração e a condução dos assuntos políticos da Santa Sé, de fato, era o sobrinho do papa reinante, ao qual era conferido o título oficial de Cardeal Sobrinho. Verdadeiro primeiro-ministro, verdadeiro alterego do papa para os assuntos temporais, o Cardeal Sobrinho, por isso, era chamado de "cardeal chefe".
No entanto, quando Inocêncio XII (1691-1700) suprimiu o nepotismo, uma figura curial, a de Secretarius intimus ou maior, que tinha acabado substituindo a de Secretarius domesticus, assumiu o comando então e foi redefinida como "secretário de Estado". Somente a partir de então, podemos falar da existência de um verdadeiro Secretário de Estado com responsabilidades e qualificações semelhantes às que ainda estão em vigor .
Mas os secretários de Estado sempre foram poderosos? De fato, não. No fim do século XVIII, o secretário de Estado de Clemente XIV (1769-1774), Lazzaro Opizio Pallavicini, foi mantido longe dos negócios, e o seu sucessor, Ignazio Boncompagni Ludovisi, secretário de Estado de Pio VI (1775-1799), foi obrigado até a renunciar, não tanto por causa dos inúmeros insucessos diplomáticos (com a corte de Napoleão, por exemplo), nem mesmo por causa de escândalos ou outra coisa, mas simplesmente por causa das fortes polêmicas provocadas pelo seu projeto de instituir um cadastro em Roma e no Estado pontifício que inevitavelmente levaria ao "rebaixamento da nobreza", ou seja, à eliminação de privilégios.
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De escrivães a plenipotenciários: assim encerra-se a era do nepotismo na Secretaria de Estado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU