06 Abril 2019
Especialista internacional em história do cristianismo, Mauro Pesce fez uma contribuição importante para o conhecimento das origens do cristianismo, e para a divulgação fora dos restritos setores acadêmicos. Ao longo dos anos de estudos e pesquisas, Pesce e sua escola historiográfica fizeram uma campanha tenaz para combater os imaginários públicos estereotipados de Jesus, dos seus seguidores, bem como do nascimento da religião cristã e de seu desenvolvimento. Estamos, portanto, particularmente satisfeitos em poder contribuir para a divulgação de sua mais recente obra bibliográfica, Il cristianesimo. Gesù e la modernità. Uma relazione complessa (O cristianismo. Jesus e a modernidade. Uma relação complexa, em tradução livre, Carocci, 2019, p. 279).
O comentário é do historiador italiano Alessandro Santagata, professor da Universidade de Roma Tor Vergata, em artigo publicado por Adista, 29-03-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Folheando esse denso e rico volume, se tem a impressão de ter entre as mãos uma espécie de compêndio da produção do autor ou, pelo menos, de um segmento relevante. Partindo da premissa de que é possível identificar uma unidade sistêmica da história cristã, o livro articula-se em torno de três questões distintas em termos de conteúdo e cronologia, mas profundamente entrelaçadas entre si: a figura histórica de Jesus, o nascimento do cristianismo e, finalmente, sua complicada relação com a modernidade.
Como escreve Pesce, "a redescoberta da figura histórica e da judaicidade de Jesus e a consequente percepção dos processos de descontinuidade e continuidade entre o cristianismo e o judaísmo são, de fato, um dos resultados do impacto da modernidade sobre o cristianismo". Compreende-se, portanto, como o experimento do autor não consista em investigar as raízes cristãs da modernidade - um tema que usufrui de uma vasta literatura – mas, de tentar reconectar algumas vertentes que vão dos movimentos internos ao cristianismo medieval tardio até a subsequente redescoberta de um cristianismo original, "que havia sido de alguma forma abandonado e escondido por aquele antijudaico tardio e antigo". Seguindo esses dois eixos - a crítica do cristianismo e a redescoberta do cristianismo original - os diversos capítulos se concentram em alguns aspectos específicos.
No primeiro, examina-se a construção do sistema simbólico tardio-antigo, dentro do qual se inclui o desenvolvimento histórico da teologia cristã. O autor concentra-se, por exemplo, na luta pela interpretação da Bíblia e nos lembra como as doutrinas teológicas, para serem corretamente interpretadas, não devem ser desconectadas das relações de força do contexto em que se desenvolveram. Pesce observa que "as doutrinas teológicas não devem ser vistas como puros produtos doutrinários. Elas estão profundamente conectadas às culturas de seu tempo, das quais não podem ser isoladas. Uma história do cristianismo que não leve em conta, em cada uma de suas fases, a relação com sistemas culturais, com sistemas de poder político, com as ciências naturais e com o judaísmo, acaba reduzindo tudo a ideias teológicas e permanecer no campo de uma visão confessional e apologética".
No segundo e terceiro capítulos, o autor aborda diretamente a questão da natureza hebraica das Escrituras, colocando em foco quando, como e por que nasceu o conceito de heresia e, portanto, como aconteceu historicamente a cristianização da Bíblia hebraica. Se esses capítulos mostram a ação crítica exercida pelas ciências modernas sobre as concepções teológicas cristãs, por exemplo, na crítica do próprio conceito de heresia a partir do século XVI, o quarto quer mostrar o impacto da ciência moderna sobre todo o sistema teológico. O caso da astronomia, e em especial o estudo da Carta a Cristina de Galileu, resulta funcional para mostrar como a evolução da ciência provocou uma redefinição radical do cristianismo, uma vez colocado em crise o complexo de concepções relativas à natureza sobre as quais haviam se fundado as culturas antigas e medievais. O quinto capítulo aborda diretamente a questão política através das lentes da história da tolerância, assumindo o episódio de Cassiodoro como emblemático da dialética interna do cristianismo. O capítulo seguinte entra no mérito dos problemas da era contemporânea do ponto de vista das religiões, com um estudo aprofundado sobre os sistemas que regulam as relações entre crenças e política e sobre as respostas das confissões cristãs e do islã.
Encerram esse riquíssimo exame de temas e contextos as páginas dedicadas à "complexa redescoberta de Jesus desde o início da era moderna em diante", e mais precisamente da lição de Hermann Samuel Reimarus. Trata-se de um tema particularmente caro a Pesce, que propõe a necessidade de uma desconstrução do conceito de modernidade. Tal desconstrução não é apenas o ponto de chegada, mas também provavelmente a própria razão de toda a obra.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Jesus e a modernidade. Relação complexa, investigada por Mauro Pesce - Instituto Humanitas Unisinos - IHU