16 Março 2019
"É assim que funciona o livro de Paolo Costa: um mapa das mudanças e deslocamentos de paradigma que marcaram e ainda marcam a categoria de secularização", escreve Marcello Neri, teólogo e padre italiano, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 09-03-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
La città post-secolare. Il nuovo dibattito sulla
secolarizzazione
Paolo Costa
Queriniana (BTC 193), Brescia 2019.
Paolo Costa, filósofo, é pesquisador do Centro para as Ciências Religiosas da Fundação Bruno Kessler, em Trento. Profundo conhecedor e curador de algumas obras italianas de Charles Taylor e Hans Joas, Costa é autor de diversas publicações no âmbito filosófico e dos fenômenos político-culturais. Ente seus livros podemos citar: P. Costa, La ragione e i suoi eccessi (A razão e seus excessos, em tradução livre, Feltrinelli, 2014); P. Costa - D. Zordan, In una stanza buia. Filosofia e teologia in dialogo (Em um quarto escuro. Filosofia e teologia em diálogo, em tradução livre, FBK Press, 2014).
Há palavras que se tornaram de uso tão corrente que criam a impressão de serem praticamente autoexplicativas, marcadas por uma evidência inquestionável pela qual qualquer "distinção" a respeito delas é rapidamente colocada de lado como sinal de intolerância insuportável pela sociedade iluminada. Geralmente, esse é o percurso ao longo do qual as palavras, e os fenômenos que elas contam, perdem sua profundidade, tornam-se slogans ou o fantasma dos moinhos de vento contra os quais se podem travar ferozes batalhas. O uso de palavras não é inocente, e seu destino depende muito disso.
Construir excessos estratégicos de univocidade das palavras, dos conceitos e dos fenômenos significa esvaziá-las de sua força para gerar bons pensamentos. Designá-las como dados de fato para substituir uma supremacia por outra, é uma tarefa para a qual o círculo de clérigos, de todas as bandeiras e alianças, tem sido empenhado há séculos. De certa forma, o termo secularização acabou condensando paroxisticamente em si tal condição e deriva da linguagem pública dentro de nossas sociedades ocidentais.
Quando isso acontece, o problema não é de estar se deixando mais espaço para o que está sendo descartado, superado, deixado para trás (nesse caso, a religião, ou melhor, a prática religiosa, como uma condensação simbólica em torno do qual organizar vivências até muito distantes dela em um nível pessoal), mas que não se deixa mais espaço para o próprio pensamento - que deve ser algo pelo qual todos se preocupam, onde quer que se posicionem as persuasões pessoais que moldam nossa identidade moral (supondo que algo assim exista ainda hoje em dia).
O livro de Paolo Costa La città post-secolare. Il nuovo dibattito sulla secolarizzazione (A cidade pós-secular. O novo debate sobre a secularização, em tradução livre, Queriniana, 2019) tem o indubitável e considerável mérito de restituir a secularização para o exercício do pensamento e da interpretação crítica. Devolvendo o conceito à sua dignidade de querer dizer o processo de algo que aconteceu e que se desdobrou ao longo do tempo, movendo-se sobre as harmônicas da complexidade da vida social dos homens.
Esse é um empreendimento que uma teologia inteligente deveria saudar com gratidão; em primeiro lugar, porque obriga a pensar criticamente os profundos processos de transformação que a religião e as formas religiosas atravessaram no curso da era moderna. Esses processos, afinal, fazem parte e constituem a complexidade ocidental daquele fenômeno que chamamos, precisamente, de secularização.
O trabalho de Costa está interessado, principalmente, com a restituição à realidade da própria secularização. Ou seja, brevemente, para salvá-la de seu sucesso imperioso como palavra mágica em torno da qual todos paradoxalmente concordam (tanto os paladinos mais ardorosos quanto os detratores mais empedernidos). Retorná-la, assim, para ser uma categoria intricada que atravessa eventos humanos, políticos e culturais que nunca podem ser reconduzidos a uma unívoca linearidade.
Algo similar se tornou possível hoje, mesmo que a empresa seja tudo menos que simples: isso porque parece que algo aconteceu à própria secularização. Algo que a devolveu ao espaço da vida real, da qual é uma categoria descritiva. "Em suma, a tese é que nos últimos cinquenta anos ocorreu algo semelhante a uma mudança de paradigma no debate sobre a secularização.
Mais precisamente, o que aconteceu é uma transferência do ônus da prova entre os defensores e os críticos da teoria clássica. [...] Fora da metáfora, a ideia é que no nível teórico houve uma espécie de progressivo "desempacotamento" da metateoria do declínio ou transmutação da religião, que levou a uma articulação em diferentes narrativas e relatos locais ou "regionais" da macrodialética entre a esfera sagrada (ou religiosa) e a esfera profana (ou secular) da existência individual e social" (p. 18).
Por outro lado, a secularização torna-se muito mais intrigante precisamente porque algo acontece, muda novamente de posição traçando novos cenários no quadro de uma mudança na função e posicionamento da religião como referente da configuração da existência pessoal e das relações sociais. Posta novamente em vida e em circulação como faz Costa, a secularização e o debate que gira em torno dela tornam-se imprescindíveis até para a fé e a teologia. No mínimo porque é nela que estas últimas são implementadas, pelo menos a partir do início do século XX e, certamente, no presente momento.
Claro, mover-se dentro dessa constelação de falhas que caracterizam a história da secularização a partir da segunda metade do século XX não é, de modo algum, uma tarefa simples. Sozinhos não podemos fazê-lo, precisamos de um companheiro de viagem confiável que conheça os territórios em que nos movemos - e também tenha uma boa perspicácia em relação aos imprevistos que sempre podem espreitar. É assim que funciona o livro de Paolo Costa: um mapa das mudanças e deslocamentos de paradigma que marcaram e ainda marcam a categoria de secularização.
Não nos deixemos enganar pela modéstia que caracteriza o autor, que reverbera no uso das palavras escolhidas para descrever o layout estratégico do volume. Em primeiro lugar, em situações de "perda" das coordenadas de orientação, um bom mapa torna-se não apenas imprescindível, mas também vital. Isso não vale apenas para os "exploradores", para que não se percam no emaranhado dos caminhos que devem seguir, mas também para o próprio território a explorar que, sem mapas, permaneceria substancialmente inacessível e indecifrável.
Em segundo lugar, ao oferecer um mapa do debate sobre a secularização nos últimos cinquenta anos, Costa também assume a responsabilidade de um pensamento honesto e leal que nos conduz ao longo do caminho. Ele não nos força às suas escolhas, mas ilustrando-as com franqueza, nos permite entender as razões e apreciá-las em seu argumento.
Uma travessia, portanto, que é também uma orientação para a formação de um juízo próprio e autônomo; um juízo que, no entanto, deve confrontar-se com a pertinência rigorosa do percurso proposto por Costa. Por trás das "estações" dessa travessia da secularização, há uma ideia de leitura e compreensão da cultura do Ocidente e da Europa, dos processos transformadores que as caracterizam e das dinâmicas sócio-civis que os tornam corpos inquietos.
A arquitetura do volume segue a trajetória das mudanças e dos reposicionamentos das formas de secularização nas últimas décadas. Nesse caso, registrar o debate significa traçar uma espécie de trilha possível, que Costa sempre mantém aberta nas variáveis que contém. A primeira parte do livro descreve as características que levaram a uma espécie de revisão crítica do paradigma da secularização, deslocando o posicionando no quadro da sociedade ocidental e revendo-o em referência aos processos globais de modernização.
Com referência a Joas, é possível afirmar que "a secularidade moderna não coloca por si só as religiões fora de jogo - isto é, não representa o fim da virada axial e o início de uma nova revolução espiritual de semelhante envergadura - mas envolve uma reestruturação do campo de forças ideais dentro do qual a criatividade da ação humana se desdobra. O principal sintoma dessa transformação é a consciência crescente de que a fé e a religião - diferentemente da experiência do sagrado - não são universais antropológicos, mas opções significativas oferecidas à iniciativa individual e coletiva" (p. 95).
A segunda parte leva em consideração algumas abordagens que, conscientes das mudanças sofridas pelas formas de secularização e pelas práticas de secularidade, pretendem trabalhar para uma sua reconfiguração (em particular, Gauchet e Habermas), sem assumir a forma de uma superação do paradigma - e, portanto, da simples constatação de um "retorno" das religiões à cena pública ocidental.
O último capítulo examina o que poderia ser chamado de condição de hoje, em sua hiper-fragmentação e fugacidade; aquela em que o "monstro nascido da modernidade saturou cada fissura, mesmo a mais fina, do real, com a consequência de que seu imaginário, sua visão do mundo é governada pela intuição tácita de que a realidade seja one-possibility thing. Isso, aliás, não os pacifica, ao contrário, torna-os, se possível, ainda mais inquietos e imprudentes, já que tudo está aparentemente disponível, ao alcance da mão, impele-os a uma forma compulsiva de consumo que resulta em terra arrasada atrás de si” (p. 192).
Mas, precisamente, essas não devem ser entendidas como as consequências da secularização, como se fosse um projeto estudado de propósito e depois inexoravelmente aplicado por uma força obscura tão intangível quanto a do sagrado. O paradigma da secularização é, antes, a tentativa de descrever "algo que ocorreu na sociedade europeia nos últimos duzentos anos" (p. 212); o fio de uma leitura da nossa história pessoal e comunitária.
Dentro do qual também podem estar a fé e a religião, de um modo e de maneiras que são, no entanto, típicas e próprias da Europa, que transita da modernidade para o contemporâneo. Em nossos territórios, fora desse trânsito e dessas especificidades, tanto a fé como a religião de fato não existem - porque essa é a sua própria história, como lugar onde podem praticar e serem praticadas.
Por essa razão, a teologia pode aprender muito lendo esse livro; no final pode até aprender sobre si mesma, as razões de seu produzir-se de determinada maneira e em determinados âmbitos. É sempre bom ser guiados na aprendizagem das razões do próprio posicionamento na cultura e na sociedade; isto é, ao fato que olhando unicamente para si mesma a teologia ocidental contemporânea não tem a menor possibilidade de entender o que ela é, de fato, para a comunidade humana à qual gostaria de se destinar.
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A cidade pós-secular. O novo debate sobre a secularização - Instituto Humanitas Unisinos - IHU