27 Fevereiro 2019
Sob o olhar da opinião pública internacional, líderes da Igreja Católica se reuniram em Roma para falar sobre os casos de abusos sexuais contra menores. Uma ação exemplar e necessária, opina Christoph Strack, jornalista, em comentário publicado por Deutsche Welle, 26-02-2019. A tradução é de Graziela Wolfart.
O Papa Francisco pronunciou um importante discurso referente ao mal dos abusos sexuais a menores, sobre o lado obscuro e criminoso da internet, e sobre o turismo sexual. Mas neste discurso há algo que é motivo de preocupação: o melhor lugar para pronunciá-lo teria sido uma conferência da ONU sobre proteção à infância ou algo parecido. Aqui, em Roma, depois desses dias, e no coração dessa Igreja, onde, tal como disse o Papa Francisco, ainda estão presentes os casos de abusos, o discurso foi mais do que ambivalente.
Sim, Francisco reconheceu que os abusos dentro da Igreja são "ainda mais graves e escandalosos”, e comparou aos sacerdotes que os cometeram com "lobos furiosos” e "delinquentes humanos”, qualificando-os como "ferramentas de Satanás”. Para abordar esta crise mundial no seio da Igreja católica, ele apostou no "Povo de Deus”, em todos os crentes. "Esse santo Povo de Deus que nos libertará desse clericalismo que avaliza o terreno para todas estas abominações”. Mas… e então?
Dezenas de vítimas procedentes da Europa, África, Ásia e América, que sofreram abusos sexuais por parte de clérigos quando eram crianças, assistiram durante esses dias à conferência de Roma do lado de fora. Não entraram. Somente a delegação polaca tinha ligações suficientes para chegar até o Papa. Sobre isso há uma fotografia impactante de Francisco beijando a mão de uma vítima. Outros não puderam se aproximar do Vaticano, mas, nestes dias, ficou confirmado que os arquivos foram destruídos e os fatos encobertos.
Sim, há muito tempo as vítimas estão dizendo isso na Alemanha. Até agora era algo muito chato, mas os que ocultaram os fatos têm que ser nomeados. Seus nomes devem ser revelados. Os arquivos não se destroem por si. Todas essas vítimas escutaram o discurso do Papa através da transmissão. Passaram minutos e minutos antes de, pela primeira vez, se abordarem os abusos da Igreja. A questão sobre compensação de danos nem sequer foi levantada. Pode ser que para alguns seja um tema marginal, mas, para outros, pode ser o reconhecimento de uma vida destroçada. Não é à toa que os bispados dos Estados Unidos estão entrando em falência.
Em muitos aspectos, os quatro dias de Roma supõem um ponto final. O final da hipocrisia na Igreja. Ninguém mais pode dizer que a violência sexual no seio da Igreja só existe em algumas regiões do mundo, e que seu próprio país apenas está afetado. Na Igreja de todo o mundo se praticou também o encobrimento, o crime depois do crime. Ninguém mais pode duvidar da ligação entre os abusos de poder e os abusos sexuais. A Igreja serve muitas vezes de refúgio para os abusos de poder por parte do clero.
Estes dias representaram um ponto de partida? Isto ainda vamos ver. Até agora, não se levantam efeitos legais. Durante as consultas, o Papa Francisco apresentou um programa de 21 pontos. Poderia ser um começo para realizar esse início nas Conferências Episcopais e em Roma. Todos os bispos que assistiram estão obrigados a cumprir esse programa.
Dias antes da conferência, o cardeal de Colônia, Rainer Maria Woelki, refutou a possibilidade de grandes expectativas e reformas de grande alcance: "Não é nossa tarefa inventar uma nova Igreja”. Uma frase que destila medo.
Em vista dos grandes discursos realizados por três mulheres durante a conferência do Vaticano, vale a pena refletir sobre essa isso. Foram os melhores discursos destes dias e, naturalmente, nenhum dos três pediu para "inventar uma nova Igreja”. Se o discurso da superiora nigeriana Veronica Openibo tivesse sido pronunciado no domingo nas igrejas católicas da Alemanha ou da Europa no lugar do sermão, teria provocado aplausos espontâneos. Provavelmente, Openibo não quer uma nova Igreja, muito menos que se suspenda o celibato. Ela pergunta: "por que a Igreja dos clérigos se calou durante tanto tempo?”. Falou de "abusos de poder, dinheiro, clericalismo, discriminação de gênero, o papel das mulheres e inclusive dos leigos”. "Muitas vezes queremos ficar em silêncio até que passe a tempestade, mas esta tormenta não passará”.
Sim, Roma se converteu nestes dias em um final e um começo. O final de algumas hipocrisias eclesiásticas, algo que significa muito em um sistema obstinado pelo autocontrole. Por sua vez, o começo poderia chegar timidamente. Tal como acidentalmente provocaram os discursos das três mulheres, provavelmente chegue por impulsos externos ao sistema clerical.
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Abusos sexuais na Igreja Católica: o princípio do fim da hipocrisia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU