13 Fevereiro 2019
A viagem do Papa Francisco ao Peru, há um ano atrás, incluiu a visita à uma região de biodiversidade onde um padre suíço tem por décadas lutado para trazer atenção global à devastação ambiental e social causada pela mineração ilegal de ouro.
A reportagem é de Paula Dupraz-Dobias, publicada por Religion News Service, 12-02-2019. A tradução é de Natalia Froner dos Santos.
Apesar de anos de esforços – e da visita do Papa – pouco mudou, disse Xavier Arbex.
“É frustrante ao ponto de raramente querer receber jornalistas” disse recentemente o padre de 75 anos ao Religion News Service.
Arbex viu e ouviu muito, nas mais de quatro décadas que tem vivido no Peru. Quando o padre diocesano chegou ao país, em 1974, começou a trabalhar em Puno, uma região de mineração onde indígenas vivem nas sombras da extensa riqueza mineral do país. O Peru é o segundo maior produtor de cobre e prata do mundo, e a sexta mais importante fonte de ouro.
Há vinte anos, Xavier Arbex se mudou para a região sudeste amazônica do Peru, Madre de Dios, para estabelecer um lar para crianças chamado El Principito. Após sua chegada, ele percebeu que grande parte da produção ilegal de ouro do país ocorre nesta região, representando um negócio multibilionário, com estimativas de ser atualmente mais lucrativo que o tráfico de drogas.
Assim que retornou para Puerto Maldonado, o padre começou a alertar líderes locais e jornalistas de questões sociais e ambientais iminentes.
Os garimpeiros que saqueavam ouro das margens dos rios começaram a transportar máquinas pesadas para Madre de Dios e a derrubar milhares de hectares da floresta, como consequência do aumento do preço do minério.
O mercúrio usado na mineração – cerca de 90 toneladas por ano, de acordo com o grupo canadense Artisanal Gold Council – expôs a população indígena e habitantes locais à altos níveis de contaminação sanguínea por metal pesado.
Dezenas de milhares de hectares de selva intocada são, todos os anos, transformados em terras áridas e estéreis. Em 2017, o governo estimou que foram perdidos 208 km² de floresta.
A atividade ilegal emprega diretamente entre 50.000 a 70.000 pessoas na região, de acordo com estimativas de 2014 do ombudsman nacional peruano, La Defensoria del Pueblo. Além disso, organizações não-governamentais dizem que milhares de meninas são aliciadas, muitas vezes contra a vontade, para o tráfico sexual.
“Eu alertei a todos de que isso ocorreria”, disse Arbex. “Mas ninguém quis ouvir. ”
Em 2006, o padre publicou um artigo condenando a exploração de água, terra e pessoas pela escavação e separação de ouro. Arbex criticou ministérios do governo e ONGs por não cumprirem seus papéis e controlarem a situação quando havia tempo para tal.
“A vida desta geração está causando a morte da próxima” ele escreveu.
O padre alega que em La Pampa, uma área sem leis e não muito longe de Puerto Maldonado, pelo menos 250 trabalhadores desaparecem todos os anos.
“Às vezes, eles são enterrados vivos por deslizamentos de terra causados por jatos de água (que separam o ouro do solo) ” ele explica. “E eles são deixados lá. ”
Guimo Loaysa, responsável pelo escritório de ombudsman nacional da região, contou ao RNS que “não há como documentar” o número de pessoas que desaparecem. “É tudo informal (na região). Não existem maneiras de procurar por essas pessoas, seja por suas famílias ou pela polícia. Frequentemente não há interesse em encontra-las. ”
El Principito, localizado a alguns minutos do centro de Puerto Maldonado, abriga 35 jovens, entre 4 e 20 anos de idade. A maioria foi abandonada por suas famílias ou fugiu de abusos sexuais, físicos ou psicológicos. Outros foram deixados no lar por mães solteiras que trabalham nas minas e procuravam garantir a segurança de seus filhos.
Em El Principito, Arbex disse que os moradores formam uma “grande família”. Eles vão à escola e futuramente à universidade, vão a festas de amigos e a aulas de música, além de receberem apoio de assistentes sociais e psicólogos.
O apoio à casa vem de contribuições privadas da La Apronia, uma associação sem fins lucrativos fundada por Arbex, e de lucros de “empreendimentos solidários”, que incluem uma sorveteria popular, Gustitos del Cura (os Sabores do Padre), localizada na praça principal de Puerto Madolnado.
Ao chegar no Peru em 2018, o Papa concentrou seu apoio à preservação ambiental.
“Florestas, rios e riachos são explorados impiedosamente, e então são deixados estéreis e inutilizáveis” disse Francisco. As pessoas, também, ele disse, “são usadas até que se cansem delas, até que sejam abandonadas.”
O Papa agradeceu a Arbex por seu “exemplo” e trabalho social para com as jovens vítimas da mineração.
Arbex disse que tem boas lembranças da visita do Papa. “Eu vou manter uma memória inspiradora” ele disse.
Mas um ano depois, Arbex está frustrado por pouco ter mudado a respeito da mineração ilegal. A região produziu 13 toneladas de ouro em 2017, de acordo com a Sociedade Nacional de Mineração, Petróleo e Energia.
“Nem um único grupo de estudos ou projeto de impactos ambientais foi criado aqui em uma instituição local”, segundo ele. “Eu não vi nenhum efeito da visita papal.”
Ainda assim, a visita do Papa beneficiou o trabalho de Arbex com as crianças.
Por causa da publicidade ao redor da visita, Arbex pôde angariar fundos para reformar a sorveteria, que auxilia o trabalho realizado em El Principito. “Pelo menos o lar das crianças é mais conhecido agora” ele disse.
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Peru. Padre ativista diz que pouco mudou desde a visita do Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU