11 Janeiro 2019
"O que assistimos ultimamente no Brasil e especialmente durante a campanha eleitoral e agora, infelizmente, no atual governo é a irrupção do dragão. Ele ameaçava a todos e cobrava sacrifícios. Aqui ele foi solto e se expressou por todo tipo de violência verbal e até física contra homoafetivos, indígenas, opositores e mulheres", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.
Face ao novo Governo de ultradireita, furioso e perseguidor, atingindo já direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente os salários e os de outra condição sexual, precisamos unir nossas forças de resistência e de crítica, por um imperativo ético, de salvaguarda da democracia e dos comuns que pertencem ao povo brasileiro.
Além desse esforço cívico, precisamos da ajuda do santo preferido dos cariocas que é São Jorge. Sua história legendária nos pode dar ânimo e fortaleza.
Um dragão terrível ameaçava uma pequena cidade no Norte da África. Exigia vidas humanas escolhidas por sorteio. Certo dia, a sorte caiu sobre a filha do rei. Vestida de noiva foi ao encontro da morte. Eis senão quando, irrompe São Jorge com seu cavalo branco e sua longa lança. Fere o dragão e o domina. Amarra a boca com o cinto da princesa e o conduz manso como um cordeiro até o centro da cidade.
Precisamos interpretar esta legenda pois pode melhorar nossa consciência sobre o que somos realmente. Sigo aqui as reflexões da psicologia analítica de C. G. Jung especialmente de seu discípulo preferido Erik Neumann (cf. A história da origem da consciência, Cultrix 1990). Segundo ele, o dragão amedrontador e o cavaleiro heroico são duas dimensões do mesmo ser humano. O dragão em nós é o nosso inconsciente, a nossa ancestralidade obscura, nossas sombras. Nossas raivas e ódios.
Deste transfundo irromperam para a luz a consciência, a independência do ego e nossa capacidade de amar e conviver humanamente, representados por São Jorge. Por isso que em algumas iconografias, especialmente uma da Catalunha (é seu patrono), o dragão aparece envolvendo todo o corpo do cavaleiro São Jorge, bem como aquela do brasileiro Rogério Fernandes.
Somos esta contradição viva: temos a porção São Jorge e a porção dragão dentro de nós. O desafio da vida que sempre nos acompanha e nunca tem um fim definitivo é São Jorge manter subjugado o dragão. Não se trata de matá-lo mas de domesticá-lo e tirar-lhe a ferocidade.
O povo sente necessidade de um santo guerreiro e vencedor, como se mostrou na novela “Salve Jorge” cujo script foi feito por uma grande devota do santo, Malga di Paulo. São Jorge salva as mulheres prostituídas contra o dragão do tráfico internacional de mulheres.
O que assistimos ultimamente no Brasil e especialmente durante a campanha eleitoral e agora, infelizmente, no atual governo é a irrupção do dragão. Ele ameaçava a todos e cobrava sacrifícios. Aqui ele foi solto e se expressou por todo tipo de violência verbal e até física contra homoafetivos, indígenas, opositores e mulheres. Como já escrevemos neste lugar, é a emergência da dimensão perversa de nossa “cordialidade” que, segundo Sérgio Buarque de Holanda, pode se manifestar também mediante o ódio e a inimizade. Ela estava e está sempre presente dentro de nós. Mas criou-se uma condição psico-social-política que pôde sair da escuridão e se manifestar destrutivamente.
Diante do dragão que ganhou visibilidade que vamos fazer? Precisamos acordar o São Jorge que está em nós. Ele sempre venceu o dragão. Vamos usar as armas que eles não podem usar. Às discriminações respondemos com a inclusão de todos indistintamente. Ao ódio disseminado contra opositores, responderemos com amorosidade e compaixão. À criação de bodes expiatórios, responderemos com a defesa dos inocentemente marginalizados e injustamente condenados. Às mentiras e às visões fantasiosas que nos querem levar à Idade Média, responderemos com a força dos fatos e fazer valer o sentido da contemporaneidade.
Importa vencer o mal com o bem. Não revidar com os métodos e ideologias esdrúxulas que apresentam, com a pretensão de não ter ideologia. O que na verdade mais têm os membros do partido e vários ministros é uma bizarra ideologia de fazer sorrir de tão rasa, velhista e ridícula.
Nesse afã, fazemos nossa a oração popular: “Andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos, não me peguem e tendo olhos não me enxerguem... E meus inimigos fiquem humildes e submissos a Vós. Amém”.
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Face ao novo Governo que nos valha São Jorge - Instituto Humanitas Unisinos - IHU