21 Dezembro 2018
Levantamento inédito mostra que às vésperas das eleições presidenciais, brasileiros se tornaram segunda maior nacionalidade na plataforma Gab, que é investigada no Brasil e nos EUA.
A reportagem é de Ethel Rudnitzki e Felipe Sakamoto, publicada por Agência Pública, 18-12-2018.
Frases racistas, xingamentos a mulheres e feministas, insultos a LGBTs, posts que relativizam a escravidão no Brasil. Esses são alguns dos temas discutidos livremente em português no Gab, “uma rede social que defende a liberdade de expressão, as liberdades individuais, e o fluxo livre de informações”, segundo o site oficial. “Todos são bem-vindos”, define. A rede ficou famosa por ser um reduto da ultradireita americana – um dos saltos de usuários nos EUA foi na época do protesto supremacista branco de Charlotesville.
Criado nos Estados Unidos em agosto de 2016, às vésperas do pleito que elegeu Donald Trump à Casa Branca, o Gab, agora, é também terreno brasileiro. Em levantamento inédito, a Pública revela como o Brasil se tornou a segunda maior nacionalidade na rede após um boom de novos perfis em agosto deste ano – uma onda de novos usuários que trouxeram para o Gab uma série de comentários que poderiam ser banidos em outras redes.
A ação foi liderada pelo próprio fundador do Gab, o americano Andrew Torba, que se aproximou de apoiadores do então candidato Jair Bolsonaro para expandir seu mercado. A própria plataforma chegou a convidar o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para criar um perfil por lá – seu filho Flávio Bolsonaro já tem um.
O Gab funciona de maneira parecida com o Twitter. Os usuários podem postar textos de até 300 caracteres, fotos, links e vídeos. A página inicial é aberta com as postagens mais populares do momento, mas cada perfil pode construir seu próprio feed. A grande diferença são os termos de uso. Enquanto no Twitter não são permitidos conteúdos abusivos, de propagação de ódio ou violência, no Gab só serão excluídas publicações com pornografia infantil e as que incitem explicitamente à violência. “O Gab é uma rede que visa não ter moderação nenhuma. Na verdade ele tem uma moderação muito fraca. Ele fala alguma coisinha que ele não permite e o resto está liberado”, explica Fabrício Benevenuto, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Enquanto a plataforma diz ser defensora da liberdade total de opinião, autoridades nos EUA e no Brasil estão investigando a presença de discurso de ódio e até a relação com ataques terroristas de ultradireita.
Em agosto deste ano, o Twitter brasileiro foi inundado de sapos verdes – antigo logo do Gab, uma alusão ao “Pepe The Frog”, desenho adotado por supremacistas durante a campanha de Trump –, acompanhados da hashtag #MeSegueNoGab. Era uma ação de convite para que brasileiros migrassem de outras redes e criassem contas no Gab.
A hashtag foi postada 25 mil vezes entre o dia 21 e 23 de agosto, segundo relatório da Sysomos, uma empresa de análise de mídia social com sede em Toronto, no Canadá, obtido pela pesquisadora Luiza Bandeira, do Observatório das Eleições (Election Watch), um projeto do centro de estudos internacionais americano Atlantic Council.
A estratégia deu resultado: nos primeiros 30 dias da campanha eleitoral no Brasil (de 20 de agosto a 17 de setembro), o endereço do site gab.ai foi o 16º domínio mais compartilhado no Twitter brasileiro.
De acordo com relatório da Secretaria de Títulos e Câmbios do governo americano, em 10 de setembro, o Brasil se tornou a segunda nacionalidade mais presente na rede: 144 mil brasileiros possuíam contas no Gab, atrás apenas dos EUA, com 275,6 mil perfis. Até junho, os brasileiros não apareciam nem entre as cinco maiores nacionalidades dentro da plataforma.
A Pública analisou mais de 66 mil publicações na plataforma de 21 a 28 de agosto, período da campanha #MeSegueNoGab. Descobriu que 9.691 dos posts que possuíam sua linguagem identificada foram feitos em português. Isso equivale a 15% das postagens no período, o que coloca o português como o segundo maior idioma nas postagens, depois do inglês, que foi 54% do total.
A reportagem analisou também outras 105 mil publicações, realizadas na semana que antecedeu o primeiro turno das eleições, de 1º a 8 de outubro. A porcentagem de posts identificados com o idioma português nesse período era de 5% do total. Mesmo assim, o português foi a segunda língua mais presente na rede social.
A adesão em massa de brasileiros para o Gab foi, em parte, uma resposta à exclusão de centenas de contas em redes sociais por denúncias de publicação de conteúdo falso (fake news) e discurso de ódio que violam os termos de uso dessas plataformas.
No dia 25 de julho, o Facebook removeu 196 páginas e 87 perfis brasileiros que violavam as políticas de autenticidade da plataforma. “Essas Páginas e Perfis faziam parte de uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”, escreveu o líder de cibersegurança do Facebook, Nathaniel Gleicher.
Em outro comunicado, em 15 de agosto, a empresa informou que retirou 74 grupos, 57 contas e 5 páginas do Brasil que violaram os Padrões de Comunidade e spam.
O Twitter também se engajou na remoção de usuários e aplicativos que vão contra sua política de uso. Entre o dia 21 e 27 de agosto deste ano, em seu perfil oficial, a rede social informou que suspendeu 770 contas por “engajar em manipulação coordenada de informações”. A plataforma não divulgou dados da exclusão de contas no Brasil.
Brasileiros que haviam sido banidos do Twitter e Facebook criaram contas no Gab. A migração também foi associada à hashtag #DireitaAmordaçada, que chegou aos trending topics do Twitter no Brasil nos dias 7, 8 e 16 de agosto. O próprio Jair Bolsonaro aderiu à hashtag, assim como membros do Movimento Brasil Conservador (MBC) e do Movimento Brasil Livre (MBL).
O projeto Bot ou Humano, desenvolvido pelo grupo Eleições sem Fake, da UFMG, concluiu que não houve interferência significativa de robôs nas postagens da hashtag #MeSegueNoGab – 98% dos perfis eram humanos.
Mas, segundo Luiza Bandeira, houve uma coordenação nesse movimento. “Existe uma diferença entre um movimento que é coordenado e um movimento automatizado. Quando você tem grandes contas participando de um movimento, você acaba gerando uma coordenação, que pode ser orgânica.”
O primeiro perfil a postar a #MeSegueNoGab no Twitter foi do Movimento Brasil Conservador, apoiador declarado de Jair Bolsonaro. O tweet foi publicado no dia 21 de agosto às 13h04, convidando os seguidores a subir a hashtag. Depois disso, outros perfis ligados à direita e ao então candidato a presidente também se engajaram, entre eles o MBL e os sites Conexão Política, Renova Mídia e Terça Livre.
Em entrevista à Pública, Anderson Sandes, membro do MBC e da equipe editorial do site Conexão Política, negou que hashtag foi iniciada pelo movimento. “Fomos um dos primeiros, porque nós estamos sempre ligados no Twitter, é a rede social que nós mais usamos, mas quem começou eu não sei”, disse.
O perfil do Movimento Brasil Conservador no Twitter foi o primeiro a postar a hashtag #MeSegueNoGab
Sandes conta que o CEO do Gab, o empresário americano Andrew Torba, procurou o site Conexão Política para convidá-los para a plataforma e ofereceu ainda um selo de verificação. “É essa estratégia de marketing deles. Eles pegam páginas que tenham muitos seguidores e uma linha editorial ideológica semelhante à deles, que lutam por uma rede social que não tenha uma política tão fechada. Eu não sei como é que eles acham, mas eles saem pedindo para essas pessoas migrarem para o Gab e divulgarem o Gab.”
À Pública, a empresa não quis comentar o convite a páginas brasileiras para se juntarem à rede.
Para Sandes, não cabe às plataformas sociais moderar o discurso: “A rede social não é só uma questão de conhecer o crush e curtir uma fotinho como era de início. Agora ela tem um papel informativo e midiático. E assim como a TV que não vai me calar da minha casa, as redes sociais também não têm esse papel de calar”, diz.
Segundo o levantamento da Pública, as menções ao então candidato dispararam nas postagens realizadas na semana da votação do primeiro turno: entre as publicações em português, Bolsonaro apareceu em 21% delas.
Já na semana de 21 a 28 de agosto, quando houve a campanha #MeSegueNoGab, das postagens em português, mais de 10% citavam Bolsonaro. Também mais de 2% das 17 mil postagens sem idioma identificado continham a citação.
A pesquisadora Luiza Bandeira concluiu em artigo que o movimento em torno da hashtag #MeSegueNoGab também estava ligado a um apoio ao então candidato à Presidência Jair Bolsonaro. As principais hashtags utilizadas em conjunto com a #MeSeguenoGab foram #DireitaUnida, #DireitaNoGab, #BolsonaroNoGab e #BolsonaroPresidente17.
Além disso, os seguidores de Bolsonaro no Twitter foram os que mais compartilharam a hashtag – 5.819 deles postaram a #MeSegueNoGab, de acordo com estudo da Sala de Democracia Digital da Fundação Getulio Vargas (FGV). Em segundo lugar ficaram os seguidores de João Amoedo, candidato do Novo: 1.218 deles publicaram a hashtag. Em último ficaram os de Guilherme Boulos, do Psol (167).
Mas a aproximação da plataforma com Bolsonaro não se restringe ao apoio dos seus usuários. O empresário americano Andrew Torba, CEO e fundador do Gab, chegou a convidar oficialmente o presidente eleito Jair Bolsonaro a fazer parte da rede social. O convite foi publicado em inglês e em português, mas as postagens foram excluídas posteriormente. Ele compartilhou outros conteúdos relacionados ao político e às eleições brasileiras.
O próprio Andrew Torba, nas postagens depois eliminadas, criticou a campanha petista. A Pública teve acesso a 86 postagens de Torba relacionadas ao Brasil e publicadas entre 18 de agosto e 9 de setembro. Em 23 de agosto, ele publicou “Como é possível que o candidato preso esteja à frente nas pesquisas?”. Torba compartilhou link para uma petição de autoria da página “Brasil No Corrupt” pela adesão de Bolsonaro à rede. No dia 25 de agosto, ele compartilhou dois vídeos do político e postou: “Quanto mais eu vejo vídeos do Bolsonaro, mais eu gosto dele”. No primeiro vídeo, chamado “Conheça Jair Bolsonaro, o Trump Brasileiro”, o então candidato aparece dizendo que as minorias devem se curvar às maiorias. O segundo se trata da entrevista de Bolsonaro a Stephen Fry, o qual Torba descreveu como “hilário”.
Andrew Torba é CEO do Gab
A conta oficial de Twitter do Gab também fez referência ao candidato eleito e às eleições brasileiras em diversos posts – que foram igualmente deletados depois. O mesmo ocorre nos perfis oficiais dentro da plataforma. É comum Torba republicar postagens de brasileiros e a página verificada do Gab postar conteúdos em português.
A conta oficial de Twitter do Gab também fez referência à Jair Bolsonaro e às eleições brasileiras
A plataforma nega ter tido influência nas eleições brasileiras ou de qualquer outro lugar no mundo. Mas admite ter impacto. “Muitos souberam do recente esfaqueamento de Bolsonaro primeiramente pelo Gab. As informações fluem livremente no Gab sem o policiamento da Big Tech. Todos vocês estão fazendo a diferença”, disse a empresa em postagem oficial no dia 17 de setembro.
Andrew Torba compartilhou em seu perfil uma postagem do Twitter de Eduardo Bolsonaro com vídeo da facada que atingiu seu pai. Em outra publicação ele escreveu: “Nenhuma facada comunista vai parar esse homem”. O CEO do Gab ainda compartilhou a hashtag #PrayForBolsonaro (rezem por Bolsonaro, em inglês).
Apesar do convite e dos agrados, o presidente eleito ainda não tem uma conta oficial na plataforma – existe apenas um perfil extraoficial e outro dedicado a republicar seus tweets.
Mas seu filho Flávio Bolsonaro possui desde setembro. Os outros dois filhos, Eduardo e Carlos Bolsonaro, possuem contas extraoficiais, criadas por usuários. “Pela iniciativa de outros usuários do GAB, fiz essa conta e está reservada para o vereador pelo PSL-RJ Carlos Bolsonaro, quando ele vier para o GAB”, escreve o perfil não oficial na sua apresentação.
O Partido Social Liberal (PSL) possui uma conta oficial – é o único dos 35 partidos brasileiros que tem uma conta do Gab.
No Gab, o espaço é aberto para propagação de todo tipo de discurso – incluindo o que outras plataformas classificaram como discurso de ódio. O estudo “O que é o Gab? Um bastião da liberdade de expressão ou uma câmera de eco da extrema direita?”, realizado em parceria com universidades americanas e europeias, constatou que 5,4% das postagens na plataforma entre agosto de 2016 e janeiro de 2018 continham palavras de ódio em inglês, como palavrões e xingamentos. O número é 2,4 vezes maior do que o encontrado no Twitter.
“Todos os crimes de ódio serão permitidos”, postou um usuário do brasileiro Gab no dia 29 de outubro, um dia depois da vitória de Bolsonaro. É possível encontrar diversas publicações incitando à violência contra grupos e indivíduos na plataforma, como “Viado é igual punheta só serve pra bater kkk” e “Jornalistas e artista também têm que apanhar até virar gente”, entre outras postagens.
Já o terceiro post com mais interações com menção a negros no período tinha uma conotação ainda mais racista. “‘Os brancos têm uma dívida histórica com os negros’. Beleza. A minha eu paguei quando tinha 14 anos e um preto roubou meu relógio e minha carteira”, publicou o usuário Renato Monteiro. A publicação atingiu 37 curtidas, mas foi apagada depois. O mesmo perfil havia publicado outras afirmações racistas antes, mas apagou e hoje possui apenas uma publicação no Gab.
No Gab é possível encontrar diversas publicações de cunho racista
A reportagem analisou também publicações que se referiam à população LGBT. Foram 467 publicações com as palavras “lgbt”, “gays”, “lésbicas”, “transexuais”, “bissexuais”, “homossexuais”, e xingamentos relacionados, na semana de 21 a 28 de agosto. “Gente, eu sou novo aqui. Posso desejar morte aos comunistas e chamar os viados de bichas?”, comentou Wellington Nunes em uma postagem no grupo “Brasil no Gab” que divulgava os números de candidatos do PSL em São Paulo e o link para doar para a campanha de Bolsonaro.
As publicações que mencionavam feministas foram 228 na primeira semana de análise. A grande maioria ironizava o movimento e ofendia essas mulheres. “Para desespero dos Vagabundos Petistas, do PSOL e PC do B, o negócio da cachorrada aqui no GAB é MULHER DE VERDADE, vagabundagem. Não venham com feminazis peludas e comunistas anoréticas (SIC) com brincos nos cotovelos e cabelo verde…AQUI, NÃO !!!!”, publicou o perfil Ataque Aberto. O texto veio acompanhado de uma foto de uma mulher seminua e foi marcado como sensível para menores de 18 anos.
Menções ofensivas, agressivas ou conspiratórias a “esquerdistas” “comunistas” ou “petistas” também são comuns – foram 273 publicações entre as analisadas, representando 3% das identificadas em português. O usuário Jonathan Jean publicou uma imagem do sapo Pepe com uma metralhadora e de legenda escreveu: “pronto para receber os esquerdistas aqui…”. A segunda publicação com maior interação mencionando esses grupos foi do portal Renova Mídia, dizendo que “4 das maiores plataformas de tecnologia do mundo têm parcerias de trabalho com uma associação esquerdista que tem um histórico de imprecisões e rotula rotineiramente organizações conservadoras como ‘grupos de ódio’”. O post teve 208 likes.
Na semana do primeiro turno, de 1º a 8 de outubro, as ofensas a esses grupos se misturavam com comentários xenófobos. “Cara, eu estou com um ódio tremendo dessas desgraças que votaram em esquerdistas, tanto aqui no Nordeste quanto nas demais regiões do país!”, com 54 likes, foi a terceira postagem com maior número de likes mencionando esquerdistas entre as analisadas.
Publicações incitando à violência e comentários xenófobos são comuns no Gab
Entre as personalidades brasileiras que aderiram ao Gab durante o início da campanha eleitoral estão diversos nomes ligados a Bolsonaro. Fernando Holiday e Kim Kataguiri, ambos do MBL, entraram na plataforma em agosto de 2018, mês da campanha #MeSegueNoGab. Olavo de Carvalho, escritor e mentor de Bolsonaro, e Luiz Philippe de Orleans e Bragança, descendente da família real portuguesa e eleito deputado federal pelo PSL-SP, também criaram suas contas na rede no mesmo mês. O deputado eleito recebeu até postagem de boas-vindas do CEO da plataforma: “Agora o Gab tem realeza”, escreveu Torba no dia 23 de agosto.
O sucesso dos brasileiros na rede é visível: na primeira semana da campanha eleitoral, usuários brasileiros ficaram entre os perfis com maior interação na plataforma. Nas 66 mil publicações analisadas pela Pública, de 16.044 perfis, as oito contas com maior número de curtidas em publicações eram de brasileiros.
No topo, ficou Gabriel Pinheiro, membro do Gab desde sua fundação, em agosto de 2016. Seus posts no período somaram quase 5 mil curtidas, ou “pontos positivos”, como contabilizado pelo Gab. Ele já publicou mais de 3,7 mil posts com mais de 218 mil pontos (uma média de 59 curtidas por publicação – um número alto para o Gab).
Pinheiro atualmente reúne 20.751 seguidores na rede e ficou famoso entre os conservadores no Twitter com postagens contra o “politicamente correto”. Ele não possui mais conta em outras redes sociais, após ser banido inúmeras vezes. No Gab, publica todos os dias. Durante as eleições sua atividade se resumia a postagens de apoio a Bolsonaro e críticas aos adversários do político. Hoje seu perfil compartilha mais vídeos de músicas do que relacionados à política.
Já Allan dos Santos, do site Terça Livre, que afirma tentar “desmascarar todas as mentiras que a mídia propaga dia e noite”, ficou em segundo lugar nas interações, somando 4.697 likes no período. Sua conta no Gab foi criada em julho de 2018 e ele já publicou 606 posts, totalizando 192 curtidas por post – e 29.220 seguidores. Sua atividade se resume a republicar conteúdos do Terça Livre e algumas outras notícias hiperpartidarizadas. No Twitter, Allan também já teve conta excluída, mas possui novo perfil com 91,5 mil seguidores.
O Terça Livre também teve grande interação de posts no Gab, ficando em décimo lugar, com 1.401 likes. O portal está com sua conta temporariamente suspensa pelo Twitter desde junho, mas está no Gab desde novembro de 2016.
Em terceiro lugar, com um total de 3.332 curtidas nos posts analisados, ficou o perfil Joaquin Teixeira, que se descreve como um homem aposentado, cristão e patriota. Ele criou sua conta em setembro de 2016, publicando sátiras e piadas para maiores de 18 anos – como define em sua biografia no Gab. Atualmente, possui 32.597 seguidores e 452 posts.
Portais de conteúdos apoiados pelos movimentos de direita também são populares no Gab. O Renova Mídia, que defende a propagação de notícias “sem o filtro do politicamente correto”, ficou em quarto lugar nas interações de 21 a 28 de agosto. Com 2.407 curtidas e 11.925 seguidores, o perfil do site no Gab tem 1.544 publicações – cerca de 12 posts por dia desde a criação, em agosto deste ano. No Twitter, o Renova tem 94 mil seguidores, enquanto no Facebook possui apenas 15 mil likes.
Em quinto lugar ficou o perfil do site Caneta Desesquerdizadora, um portal pró-Bolsonaro que critica a imprensa que chama de “esquerdista” e projetos de fact-checking. Também são publicadas análises e notícias hiperpartidarizadas relacionadas à direita.
A Caneta tem 15.198 seguidores no Gab e seu perfil foi criado em agosto, como a maioria das contas brasileiras. Desde então, publicaram 265 posts, somando 51.385 likes. Na semana analisada, de 21 a 28 de agosto, os posts tiveram 2.386 likes. No Twitter, a conta foi criada em 26 de julho e soma mais de 200 mil seguidores. O site também possui Instagram e YouTube.
Outro perfil de destaque, sobretudo na semana da votação do primeiro turno, foi o “Blog do Pim”, uma conta de Felipe Moura Brasil. O perfil teve 1.537 likes nas postagens analisadas no período e soma mais de 1.653 posts, com 63.894 likes e 8.063 seguidores. Grande parte das publicações são cópias das publicações oficiais no Twitter.
Em comum, todos os “influenciadores” do Gab compartilham apoio declarado a Jair Bolsonaro. Na primeira semana de levantamento, das 1.697 postagens analisadas que continham menção ao então candidato, as três com maior número de likes foram feitas por algum desses perfis.
Devido à falta de moderação e de combate ao discurso de ódio, o Gab tem enfrentado crescentes dificuldades nos EUA – e os problemas começam também aqui no Brasil.
A empresa teve seu aplicativo rejeitado pela loja virtual do sistema Android, o Google Play, e pelo IOS, a Apple Store. No dia 29 de outubro, a empresa GoDaddy baniu o site de seus servidores devido à associação da rede com o atentado de Pittsburgh em 27 de outubro.
O atirador, que entrou em uma sinagoga e matou 11 pessoas, tinha perfil no Gab e havia postado conteúdos antissemitas diversas vezes. Sua apresentação na plataforma era “Judeus são os filhos de Satã”. Dias antes do atentado ele postou “O HIAS [Sociedade de Auxílio a Imigrantes Hebreus] gosta de trazer invasores que matam nosso povo. Não posso ficar sentado e assistir a meu povo ser massacrado. Danem-se suas opiniões, eu vou agir”. Seu perfil foi banido depois do massacre.
Por causa do crime, o Federal Bureau of Investigation (FBI) investiga a associação do Gab com terrorismo, monitorando seus usuários.
Em novembro, outro membro da rede social foi preso por associação com o atirador de Pittsburgh e por planejar outro atentado. Seu perfil também foi excluído.
Depois de ter perdido seu servidor no Go Daddy, o Gab ficou fora do ar até dia 4 de novembro, quando conseguiu acolhimento pela startup Epik, situada em Seattle. Quando voltou ao ar, todas as postagens anteriores do CEO Andrew Torba haviam sido excluídas.
A associação com o terrorista, ainda, fez o Gab perder seu contrato com as empresas Paypal e Stripe, que facilitavam os pagamentos do crowdfunding que mantêm a plataforma e da compra de contas “Pro”. Agora, para fazer doações ou pagar mensalidade da conta especial, é preciso enviar cheques para os endereços postais do site.
Sobre a investigação do FBI, o GAB afirma ser protegido pela legislação americana, por meio da Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão. É essa lei que permite, por exemplo, a existência de grupos como a Ku Klux Klan, declaradamente racista e antissemita, nos Estados Unidos.
Sérgio Amadeu, membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), explica que a primeira emenda americana determina limites claros até para a Ku Klux Klan. “Pode falar, porque esse grupo está exercendo sua liberdade de expressão, sua liberdade de queimar uma cruz. Mas ele nunca assume um ato de violência, por exemplo”, explica.
Porém, no Brasil, a interpretação legal é outra. A liberdade de expressão é garantida pelo artigo 5º da Constituição Federal, mas, diferentemente dos EUA, ela tem exceções que ocorrem “exatamente quando alguém extrapola esse direito e passa a agredir o outro, a praticar, por exemplo, o racismo, que na nossa Constituição é proibido. Então você tem todo um mecanismo de contraposição”, diz Amadeu.
O Marco Civil da Internet protege os chamados provedores de aplicação, que são sites, blogs, aplicativos ou redes sociais. “Pelo Marco Civil, os provedores de aplicação não podem ser responsabilizados pela ação de terceiros dentro dele”, explica o membro do CGI.
No caso de crimes de ódio ou ofensas, as legislações aplicáveis são as de crimes contra a honra, como calúnia, injúria e difamação, e crimes de discriminação, racismo e injúria racial. Vítimas desses tipos de crimes dentro do ambiente online podem recorrer à Justiça para punir o responsável pela postagem e exigir a retirada do conteúdo, por exemplo. “A plataforma somente será responsabilizada se, uma vez acionada, não atender ao pedido da Justiça”, diz Sérgio Amadeu.
Foi o que aconteceu com o Gab no dia 19 de novembro. A Coordenadoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) solicitou ao CEO do Gab dados da plataforma para apurar uma investigação que corre em sigilo sobre disseminação de discurso de ódio, envolvendo racismo e gênero. O órgão deu dez dias de prazo sob pena de responsabilidade criminal em caso de não cumprimento.
Em seu perfil no Gab, Torba publicou a resposta encaminhada à promotora responsável pelo processo, Christianne Cotrim. Ele afirmou que não responderia aos questionamentos do MPMG por seguir a lei federal dos Estados Unidos: “Chamamos sua atenção para a lei federal dos EUA, que nos proíbe de divulgar o conteúdo de comunicações eletrônicas a qualquer pessoa e de divulgar ‘um registro ou outra informação pertinente’ de um usuário de nosso serviço a qualquer entidade governamental”, escreveu Torba.
À Pública, o Gab respondeu que só respeita a legislação americana: “O Gab.com é uma rede social livre de anúncios dedicada a preservar a liberdade individual e de expressão, e o fluxo livre de informações na internet. Nós recebemos todos na nossa plataforma. Nós somos uma empresa americana. Assim, somos subordinados à lei federal dos Estados Unidos de proteção à privacidade e dados e estendemos a todos os nossos usuários a proteção do direito de liberdade de expressão conforme garantido nos EUA. Até onde sabemos, as únicas leis que se aplicam a pessoas nos Estados Unidos são as leis dos Estados Unidos. Sem mais comentários”.
Sérgio Amadeu defende que, devido ao enorme número de brasileiros, o GAB precisa respeitar a nossa legislação. “O Gab é uma plataforma que não está acima da legislação do Brasil, assim como o Facebook e o Twitter. E o que se publica nela, se forem conteúdos extremamente discriminatórios, homofóbicos, misóginos, são conteúdos que, na nossa Constituição, são fora dos seus parâmetros. O fato de ter uma liberdade de expressão não pode ser assim usado para esconder o chamado discurso de ódio.”
“Qualquer órgão é obrigado a cooperar com a Justiça brasileira. Se a Justiça pede informação e esse órgão não passa, eles aplicam uma multa”, explica o delegado Felipe Carvalho, da Delegacia Especializada de Investigações de Crimes Cibernéticos (DEICC) de Minas Gerais. Para que o Gab responda à solicitação, contudo, é preciso acionar a Justiça americana, visto que o site não possui sede ou representação no Brasil. “Como a Justiça brasileira pode se comunicar com esses sites? Através do Ministério das Relações Exteriores e da Polícia Federal. Mas é complicadíssimo”, diz o delegado.
Nos Estados Unidos, o Gab se tornou também uma alternativa para usuários da ultradireita. Nos primeiros três meses após a criação da plataforma, em agosto de 2016, já havia mais de 100 mil usuários cadastrados. Em setembro deste ano já eram 635 mil inscritos, 242 mil deles eram ativos. Hoje, são mais de 820 mil usuários e 10 milhões de visitas por mês.
Com o crescimento de usuários, a empresa sediada no Texas declara seu valor de capital em US$ 9,9 milhões. Além disso, mais de 3 mil pessoas teriam doado dinheiro para a plataforma através de seu crowdfunding inicial, que arrecadou US$ 150 mil, segundo dados do próprio Gab. Além das doações, a empresa se financia através de mensalidades de usuários que pagam por uma conta “Pro”, com mais recursos na plataforma como verificação de conta, possibilidade de salvar posts e ter conversas particulares com outros usuários.
Em junho de 2017, o Gab abriu parte de seu capital através da Start Engine, uma plataforma online de financiamento de startups na qual pessoas comuns podem investir. O primeiro arrecadamento atingiu a meta de US$ 1,07 milhão em menos de dois meses, com mais de mil investidores. Agora, a empresa está testando um projeto de arrecadação maior – US$ 20 milhões.
O sucesso começou com a eleição de Donald Trump. Segundo monitoramento da UFMG, durante o primeiro ano de funcionamento do Gab, 51,4% dos usuários se inscreveram entre agosto e dezembro de 2016, e apenas em novembro daquele ano foram 28% – data que coincide com a eleição. No período, as hashtags mais compartilhadas eram pró-Trump. Em primeiro lugar ficou a #MAGA, sigla para o slogan de campanha do presidente “Make America Great Again” (ou Faça a América Grande Novamente, em tradução livre para o português).
Não há membros da campanha nem do governo de Trump na plataforma, mas sim outras personalidades relacionadas à política nos EUA. Entre elas está Patrick Little, candidato ao Senado nas eleições parciais para o legislativo americano em 2018. Little foi expulso do Partido Republicano e teve que interromper sua campanha devido a seus comentários antissemitas – o político nega o Holocausto e chegou a comparar Adolph Hitler à “segunda reencarnação de Cristo”.
Recentemente, a conta de Little foi excluída do Gab devido a postagens em que ele pedia a “completa erradicação” de judeus. A exclusão foi feita no dia 20 de novembro, depois de a Microsoft ameaçar retirar o site de seus servidores. O Gab publicou em seu perfil oficial uma nota sobre o acontecimento em que justifica a exclusão: não foi pela grande quantidade de discurso de ódio, mas pela presença de ameaças concretas a indivíduos e ao patrimônio.
Apesar da exclusão de Little, contas ligadas a personagens da extrema direita americana são comuns.
O estudo da UFMG analisou 36 mil usuários do Gab cadastrados entre 2016 e 2017 e encontrou, entre eles, perfis listados como extremistas por organizações como o Southern Poverty Law Center (SPLC) e a Liga Antidifamação (ADL). Entre os listados pela ADL, 61,1% tinham conta no Gab no período.
“Falando do Brasil ou dos Estados Unidos, o Gab se trata de uma parede de eco da extrema direita”, conclui Fabrício Benevenuto, da UFMG.
Além disso, a análise mostra que 67% dos usuários da plataforma eram homens, contra 32% de mulheres. Levando em conta a raça, 76,1% eram brancos, 8,2%, negros e 15,7%, asiáticos. Os homens brancos representavam mais da metade dos usuários (50,9%).
Com tamanha adesão da extrema direita, outro evento que atraiu usuários para o Gab nos EUA foram os protestos de supremacistas brancos em Charlottesville em agosto de 2017. Dos usuários inscritos na plataforma entre agosto de 2016 e janeiro de 2018, 13% entraram nesse período, segundo a pesquisa.
Na ocasião, o Facebook prometeu excluir contas que contivessem ameaças. “Não há espaço para ódio na nossa comunidade”, escreveu Mark Zuckerberg em seu perfil oficial. Até então, pelo menos oito grupos relacionados à extrema direita americana foram excluídos da plataforma.
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Rede social de ultradireita chega ao Brasil com acenos a Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU