22 Novembro 2018
Uma das surpresas das eleições estaduais, o juiz Wilson Witzel tornou-se governador do Rio de Janeiro ao acoplar sua imagem à do presidenciável Jair Bolsonaro e ao adotar um discurso linha dura para a Segurança Pública. Durante a campanha, o então candidato do PSC apareceu em uma foto ao lado de dois bolsonaristas que quebraram uma placa da vereadora Marielle Franco, cujo assassinato brutal até hoje não foi esclarecido.
A reportagem é de Marina Gama Cubas, publicada por CartaCapital, 22-11-2018.
Mesmo depois de vencer nas urnas, Witzel manteve o discurso belicista. Prometeu contratar "snipers", atiradores de elite, para "mirar na cabeça e matar" de supostos bandidos e usar todos os métodos para combater a criminalidade.
"Não vai faltar lugar para colocar bandido", afirmou o futuro governador. "Cova a gente cava, e presídio, se precisar, a gente bota navios em alto-mar". A retórica trouxe votos e apoio popular, mas não garante sucesso na redução da violência alertam especialistas. Até o momento, as propostas apresentadas por Witzel, do fim da Secretaria de Segurança Pública, da separação dos comandos das polícias Civil e Militar e da reedição da Garantia da Lei e da Ordem, mecanismo de intervenção das Forças Armadas, são consideradas equivocadas e ineficientes.
Witzel voltou recentemente a propor uma nova edição da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que manteria tropas das Forças Armadas no trabalho de segurança no estado. Funcionará? Para Luiz Eduardo Soares, antropólogo e especialista em segurança, a ideia não surtirá efeitos positivos e manterá os mesmos péssimos resultados registrados desde a implantação da intervenção federal.
O governador eleito disse pretender manter o Exército nas ruas por seis ou dez meses, ao mesmo tempo em que informou a intenção de extinguir a pasta de Segurança Pública e criar outras duas, separando os comandos das polícias civil e militar, antes unificados.
“Os relatórios do Instituto de Segurança Pública mostram que a intervenção federal foi um grande fracasso porque as expectativas da sociedade e as promessas todas se frustraram. Tivemos um aumento do número de mortes. No caso das mortes provocadas durante as ações policiais, houve uma explosão quando se compara com o mesmo período do ano anterior”, destaca o antropólogo, que lembrou ainda o aumento de tiroteios com vítimas fatais.
Os números do ISP são claros: de janeiro a outubro deste ano, cresceu 43% o número de mortes por decorrência de ações policiais no Rio se comparado com o mesmo período do ano anterior, de 917 casos para 1.308.
“Como nós que trabalhamos nessa área prevíamos, ficou patente que não é esse ângulo adequado de abordagem (as GLOs). Os militares mais experientes e responsáveis também já previam que essa não poderia ser a abordagem para o Rio”, afirmou Soares.
Renato Sérgio Lima, diretor-presidente do Fórum Nacional de Segurança Pública, interlocutor das diferentes forças de segurança do País, corrobora a observação do antropólogo. “Os militares das Forças Armadas sempre entenderam que sua ações precisam ser pontuais. Eles concordam que não se deve mobilizar tropas para o trabalho cotidiano. E aí acho que tem uma grande dificuldade”.
Uma nova GLO não seria novidade. O estado está ocupado pelos militares desde fevereiro, após uma onda de violência, sobretudo no período do Carnaval. Em passado recente, a população fluminense foi submetida ao menos outras duas vezes a esse tipo de operação: nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 e durante a greve dos caminhoneiros, em maio deste ano. Desde 2010, contabilizam-se outras quatro situações parecidas.
“Não é possível que depois de décadas não fomos capazes de buscar resultados e aprender com o que pode realmente funcionar. Caminhamos para a reprodução do mesmo e só poderemos esperar resultados análogos”, prevê Soares caso Witzel realmente peça ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, a edição da GLO.
Para Soares, mais grave que a manutenção do Exército nas ruas são as declarações de Witzel, que defende o "abate" de suspeitos.
Ele relembra um momento trágico da Polícia Militar do Rio para criticar a ideia. “Tivemos um período nos anos 90 em que o BOPE deixou de aceitar rendição, que é o mesmo que a “lei do abate” - ou seja, quando não se aceita a rendição, se executa. Quando isso aconteceu, houve uma corrida armamentistas, pois todos os envolvidos em criminalidade acabaram por ser armar muito mais fortemente. Eles sabiam que teriam que lutar com armas até a morte porque não havia qualquer outra alternativa. Depois, começaram a se antecipar aos confrontos, indo a caça de policiais, assassinando os policiais”.
Segundo o antropólogo, criou-se ali uma espiral da violência. "Estamos reintroduzindo o momento de terror no Rio de Janeiro, responsável pela elevação da insegurança já então gravíssima. Estamos legitimando a execução extrajudicial, estamos radicalizando esse processo, retomando momentos pavorosos sem aprender rigorosamente nada e apenas apresentando a sociedade essa guerra como solução quando essa guerra tem sido a nossa grande tragédia."
Para Lima, as medidas do governador eleito mostram "um gestor que não tem ideia do que fazer e que se apegou a um discurso populista de endurecimento penal e abate", sem nenhuma ideia do que é gerir as policias do Rio.
Além do discurso populista, aponta Lima, Witzel não deixou claro como pretende organizar as duas corporações, ainda mais separadas agora, para que ofereçam um serviço de qualidade para a população. "Witzel separou as policias, mas não deu nenhuma esclarecimento de como ficará o ISP, o monitoramento e a avaliação dos projetos, como os recursos serão geridos. Tudo isso é uma incógnita".
A extinção da pasta da Segurança Pública foi criticada pelo ministro Raul Julgaman, em entrevista a CartaCapital. “Não vejo nenhum ganho em extinguir uma Secretaria de Segurança. Vejo nisso um retrocesso porque a lógica é você integrar e não desintegrar”.
Ao anunciar a extinção da pasta e a separação das duas polícias, argumenta Soares, Witzel atende a uma demanda história e corporativista fazendo o contrário do que ele havia anunciado . “Ele que disse que ia afastar a Segurança da política, mas começou a se afundar na política corporativa mais tradicional e atrasada.” A separação seria uma demanda antiga dos oficiais da PM.
O governador eleito afirmou que as direções de cada polícia estarão submetidas diretamente a ele, o que para os especialista demonstra um completo desconhecimento das estruturas governamentais. “Ou ele não sabe o que é governo, ou não sabe o que é Segurança Pública ou ele não sabe o que são ambas as coisa. É impraticável, ao mesmo tempo, governar o estado e dedicar-se à administração da segurança pública”, afirma Soares.
O antropólogo complementa: “Isso deve ser mais um discurso para justificar sua ações do que de fato uma convicção, porque se ele acredita nisso ele vai realmente se surpreender com a realidade. Segurança pública exige 24 horas de atenção e não é possível fazer isso ao mesmo tempo tocar um governo sobretudo num momento de crise que o Rio de Janeiro vive”.
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Rio de Janeiro. Plano de Segurança de Witzel estimula a violência, dizem especialistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU