20 Novembro 2018
Presidente eleito pode subordinar ações do Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultura, o que prejudicaria ambos os setores, e usa "fake news" para justificar possível saída do Acordo de Paris.
A reportagem é de Thomas Milz, publicada por Deutsche Welle, 19-11-2018.
A natureza do Brasil é plena de superlativos: ela dispõe da maior floresta tropical, com uma excepcional biodiversidade e as maiores reservas de água doce do mundo. Além do mais, é gigantesco o potencial de energia eólica, solar e hidrelétrica, assim como de biomassa.
Esses tesouros naturais estarão agora ameaçados pelos mais altos escalões da política? Há anos o recém-eleito presidente Jair Bolsonaro vem criticando normas ambientais supostamente rigorosas demais, que atravancariam o setor agrícola. Agora eleito, ele promete dar fim à "indústria da multa", que considera criminosa: "Vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil. Vamos tirar o Estado do cangote de quem produz."
O general Oswaldo Ferreira, que chegou a ser cotado para ministro da Infraestrutura, expressou nostalgia pelos tempos da ditadura militar: "Quando eu construí estrada [BR-163], não tinha nem Ministério Público nem Ibama […] Derrubei todas as árvores que tinha à frente sem ninguém encher o saco. Hoje, o cara, para derrubar uma árvore, vem um punhado de gente encher o saco", disse ao Estado de S. Paulo.
Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e colaborador próximo de Bolsonaro, exigiu a extinção do Ministério do Meio Ambiente e a subordinação da pasta ao da Agricultura: "Não podemos, um setor tão relevante para o Brasil, ser submetidos a perseguições ideológicas, a perseguições que levam a uma desestabilização do campo."
Bolsonaro chegou a anunciar a fusão dos dois ministérios, mas voltou atrás porque a proposta não agradava nem o setor agropecuário nem os ambientalistas. Mas a subordinação das questões ambientais aos interesses do setor agropecuário parece certa no futuro governo.
"O que não pode mais acontecer é briga entre ministérios", disse o presidente eleito. "E os problemas estão aí: a indústria das multas, e para você tirar uma licença ambiental não pode levar dez anos. Com essa forma xiita de tratar o meio ambiente, estou preocupado."
O ex-ministro do Meio Ambiente, Rubens Ricupero se manifestou contra a fusão ministerial: "Qual seria a mensagem? 'Nós queremos desmatar.' Na maior parte dos casos, os problemas são a construção de hidrelétricas, construção de linhas de transmissão, alargamento de rodovias, abertura de ferrovias. Apenas 3% dos casos de licenciamento têm que ver com agricultura."
Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace, declarou à DW que, por enquanto, é tudo especulação. "A única certeza que temos é que o Bolsonaro não quer um ministério forte, seja pela indicação de uma pessoa que não é da área, seja pela fusão do ministério. Mas parece que o objetivo dele, independentemente do caminho que for tomar, é enfraquecer o Meio Ambiente."
Adriana Ramos, da ONG Instituto Socioambiental (ISA), vê a questão de modo semelhante: "Há uma visão de que o meio ambiente é um problema, de que cumprir as regras ambientais é um impeditivo ao desenvolvimento, e não só na área de agricultura, mas também em outras."
No entanto, agricultura e meio ambiente poderiam se beneficiar mutuamente, afirma Astrini. "Tem mais espaço para a agricultura sem precisar desmatar. Com a quantidade de área já desmatada que não é utilizada, o Brasil pode dobrar a área plantada, sem precisar desmatar mais nada."
Mesmo entre os agricultores e pecuaristas há preocupação com a imagem do Brasil no exterior. "Para exportar uma série de produtos agrícolas, o Brasil precisa atender aos mercados internacionais que exigem a garantia de que aquele produto não está envolvido em desmatamento. Mais desmatamento afeta nossa economia, além de afetar nosso meio ambiente", diz o representante do Greenpeace.
Bolsonaro coloca igualmente em cogitação a saída do país do Acordo do Clima de Paris, por trás do qual ele vê a intenção de roubar dos brasileiros a soberania sobre a Região Amazônica.
"Eu sei que o [corredor] Triplo A está em jogo. Uma grande faixa que pega dos Andes, passa pela Amazônia e vai até o Atlântico, de 136 milhões de hectares, estaria não mais sob nossa jurisdição, mas sob a jurisdição de outro país. Nós poderíamos abrir mão da nossa Amazônia?" Só se essa cláusula for eliminada, diz Bolsonaro, o Brasil permanecerá no tratado do clima.
Ambientalistas se espantam por Bolsonaro engolir fake news como essas – esse corredor não está previsto no Acordo de Paris. "Só ele pode explicar de onde tirou essa ideia", comenta Astrini. "Esse assunto nunca existiu. Me parece um desconhecimento, me parece mais preconceito e desinformação."
Na realidade, o país ganha com as conferências do clima, afirma. "O Brasil pode pressionar os países envolvidos a trazer soluções. Se o Brasil sair, não faz mais essa pressão e não acessa mais os fundos que resultam dessas negociações. E dá as costas para o planeta."
Ricupero considera os planos de saída uma "estupidez homérica". Pois, com a atual crise econômica, o país já quase cumpriu as reduções de emissões carbônicas acordadas para 2025. Astrini supõe que Bolsonaro esteja seguindo o exemplo de seu ídolo declarado, Donald Trump, que já anunciou a saída do Acordo de Paris. Mas "está copiando a política errada" e "não há mérito algum em copiar os erros dos outros".
Bolsonaro prometeu, ainda, uma abertura das reservas naturais e indígenas em favor da agricultura e da mineração. "Isso dá incentivo para o desmatamento crescer no Amazonas", alerta Astrini.
Ramos, da ISA, prevê uma ampla frente de resistência, desde associações indígenas e ambientalistas até o Supremo Tribunal Federal, contra tais planos, os quais "vão afetar o chamado usufruto exclusivo dos territórios indígenas pelos indígenas, conforme previsto na Constituição".
No geral, os planos do presidente eleito parecem pouco amadurecidos para a ambientalista, para quem trata-se de "anúncios feitos muitas vezes intempestivamente, não tem nada de concreto, no papel".
Astrini espera que Bolsonaro não concretize suas promessas, que na verdade são ameaças: "Para o bem do meio ambiente, para o bem da Amazônia, da economia do país, dos povos que dependem da floresta para viver, como os povos indígenas, espero que ele não cumpra o que prometeu."
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Os riscos ao meio ambiente no governo Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU