"A Igreja deu (e continua dando) mais importância à Religião do que ao Evangelho". Artigo de José María Castillo

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09 Outubro 2018

"Entre 'o divino' e 'o humano' foi inserido 'o religioso'"

O artigo é de José María Castillo, teólogo, publicado por Religión Digital, 07-10-2018. A tradução é de Graziela Wolfart.

Eis o artigo.

Entendo por "humano" o que é próprio e específico de nós, seres vivos, que pertencemos à condição ou categoria de "Homo Sapiens". Dito isto, de maneira tão genérica e superficial, em nossa cultura se costuma pensar e dizer que, por cima do "humano", está o "divino". E, por baixo do "humano", está o "desumano", ou o que é meramente instintivo e animal.

Dito isto, o que quero afirmar, nesta breve reflexão, é que o mais necessário e o mais urgente, que todos temos que enfrentar, é centrar e concentrar nosso maior interesse e nossos maiores esforços em recuperar "o humano". E em lutar, com todas nossas possibilidades, contra todo "o desumano", que nos desumaniza enquanto nos descuidamos.

Mais ainda, além do que acabei de referir, acrescento uma tarefa que, em não poucos casos, é a mais complicada e seguramente a mais urgente que nos atinge. Refiro-me ao "divino", que, em muitos âmbitos da vida, é o mais complicado de tudo. Porque, com a glória e a grandeza que lhe correspondem, por ser "o divino", o maior e mais sublime, é o que mais pode nos enganar.

Confesso que, há alguns anos, estas questões - aparentemente tão elementares - são as que mais me preocupam na vida. Porque, começando por baixo, o que eu vejo e sinto diariamente é que "o desumano" se tornou o dono de nossa sociedade. A paixão pelo poder e a paixão pelo dinheiro nos desumanizam e nos tratam sem piedade.

É daí que surgem a desumanização da política e a desumanização da economia, ainda que nos apresentem estas duas desumanizações como ciências e saberes de uma enorme complexidade, ou como coisas das quais nós, leigos, não entendemos nesses âmbitos de saber tão avançados.

Maldita seja a hora em que inventaram o complicado saber do capitalismo, que, no final das contas, o que está conseguindo é que a riqueza se concentre a cada dia nas mãos de menos capitalistas desavergonhados, ao mesmo tempo em que morrem de fome e miséria milhares de criaturas. Como também seja maldita a hora em que inventaram as ciências políticas, suas técnicas e seus procedimentos, que levaram quase todos nós a depender dos mais canalhas e dos mais corruptos.

E se do mais baixo, "o desumano", pulamos para o mais alto, "o divino", fico mais perplexo. E, evidentemente, bastante preocupado. Não porque eu não acredite no "divino", mas porque entre "o divino" e "o humano" foi inserido "o religioso". E a Religião, já sabemos, pode (e tende a) ser manipulada de forma que, nem quem a manipula, se dá conta ou é consciente do que está fazendo.

Mas pode muito bem acontecer (e acontece) que os "homens da religião" se sirvam do "divino", não digo nem para manipular "o humano", mas para conseguir coisas muito mais feias, nebulosas e sujas. Até alcançar, com a estrutura da Religião, "o mais desumano": o poder e o dinheiro, o status social da dignidade e, sobretudo, a "segurança" que poucos grupos humanos podem alcançar.

Assim, o mais genial que o cristianismo oferece, é que tem seu centro e sua chave de explicação no próprio Deus que, para trazer ao mundo a esperança e a salvação, se "fez humano" (Flp 2, 6-8). De forma que, por isso, Jesus é "a humanização de Deus" (Jn 14, 9-11). E o Evangelho é a compilação de relatos que nos resumem e explicam como, sendo profundamente humanos, e como "seguidores de Jesus" podemos (e devemos) buscar e encontrar Deus (Mt 25, 31-46).

Nós, cristãos, teríamos que assumir, com mais clareza, vigor e firmeza, que a teologia cristã não nos fez levar em conta devidamente um elemento que é fundamental: a Igreja deu (e continua dando) mais importância à Religião do que ao Evangelho. Não podemos esquecer que foi a Religião que matou Jesus. Porque Jesus deu mais importância ao "humano" do que ao "religioso".

Na "teologia narrativa" dos evangelhos, o que fica mais claro e evidente é isto: sempre que Jesus se encontrou diante do dilema de remediar o "sofrimento humano" ou submeter-se à "observância religiosa", não hesitou nem um instante: primeiro foi sempre dar vida, aliviar a dor, devolver a dignidade e seus direitos aos seres humanos. O fato é claro: encontramos Deus na medida em que nos fazemos profundamente humanos. Só assim poderemos ser autenticamente "divinos".

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