13 Agosto 2018
Executivos da Monsanto e de outras empresas, além de defensores dessas tecnologias, dominam programação de encontro nacional que deveria ser um espaço para o debate aberto à cidadania.
A reportagem é de Cida de Oliveira, publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 12-08-2018.
Em ano de grande avanço do Pacote do Veneno na Câmara, a indústria do setor domina também um evento que deveria ser espaço para o debate cidadão de novas tecnologias voltadas à agricultura, à saúde e a ciência como um todo – temas de grande interesse da sociedade brasileira: o 9º Encontro Nacional de Comissões Internas de Biossegurança (ENCIbio), em conjunto com o 8º Encontro Bienal de Biossegurança (EBBio).
Protesto contra transgênicos/Reprodução Youtube
Não é a toa que os eventos que integram a agenda da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) estão sendo considerados pela organização como “mais um passo para a consolidação da biotecnologia no Brasil”.
A conferência de abertura será ministrada por Margaret Karembu, diretora de políticas e comunicação em biossegurança do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agro-Biotecnológicas (ISAAA), no Quênia. A entidade tem entre os parceiros a Monsanto, a Intrexon (empresa ligada a Oxitec, dos mosquitos transgênicos) e a Croplife, associação comercial internacional de companhias do agronegócio.
Entre os participantes da mesa redonda para discutir o papel das CIBios no marco regulatório de biossegurança estão o presidente da Monsanto no Brasil, Fabio Tagliaferro, e Kelly Seligman, representante da Amyris, uma empresa norte-americana que detém tecnologia para substituir derivados de petróleo por cana. No debate sobre comunicação e percepção pública dos organismos geneticamente modificados – os transgênicos na visão do cientista e do público leigo –, o jornalista Carlos Orsi, autor de diversos artigos em defesa dos transgênicos. Entre eles, Pedro e o Lobo Transgênico.
A programação conta ainda com outros cientistas fortemente ligados à indústria. É o caso de Paulo Ferreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Entre outros serviços prestados aos fabricantes está o parecer sobre a validade dos quesitos novidade, atividade inventiva e suficiência descritiva da patente PI0016460-7, da Monsanto, conforme descrito em seu currículo na base Lattes, do CNPq. Ferreira é defensor ferrenho dos organismos geneticamente modificados.
Participa ainda o ex-presidente da CTNBio, Edivaldo Velini, que falará sobre os impactos da adoção de OGMs no mundo. As ligações de Velini com o setor, apontadas em reportagem da RBA, estão sendo investigadas pelo Ministério Público Federal.
Na mesma mesa está presente o produtor rural Fábio de Salles, presidente do Conselho de Administração do Instituto Pensar Agro (IPA), um dos articuladores do Pacote do Veneno.
Com sede em Brasília, o Instituto congrega 42 entidades representativas do setor, que debatem estratégias para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro. Foi criado em 2011 como associação de direito privado de âmbito nacional e sem fins lucrativos para apoiar programas, projetos e organizações que trabalham para o avanço do setor agropecuário em articulação com as diversas áreas governamentais.
De acordo com o próprio IPA, as entidades que o integram dão suporte aos trabalhos da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), hoje composta por 240 deputados e senadores, de diferentes partidos e ideologias, “todos defensores do agronegócio brasileiro,” como faz questão de afirmar o presidente da FPA, deputado Marcos Montes (PSD-MG), líder do partido na Câmara Federal.
Com realização a cada dois anos,o ENCIBio tem como missão trazer atualizações para os membros das Comissões Internas de Biossegurança (CIBios) e promover discussões sobre a legislação em Biossegurança no Brasil e no mundo.
É realizado dois dias antes da reunião da CTNBio, que é deslocada de Brasília para o local onde ocorre o encontro. Neste ano será no Espírito Santo. O EBBio é um fórum para discussões, debates e encaminhamentos relacionados aos vários enfoques da questão de biossegurança e espaço de formação de recursos humanos "capazes de responder aos desafios do uso das tecnologias, buscando o desenvolvimento sustentável dentro de uma concepção técnica-científica, econômica, social e ambiental", segundo a organização.
Além dos transgênicos
Nesta semana, a presidenta da CTNBio Maria Sueli Felipe concedeu entrevista por e-mail à RBA. Na pauta, a regulamentação brasileira sobre novas tecnologias criticada por cientistas e entidades de saúde, meio ambiente, direitos humanos e consumidor e pesquisadores estrangeiros.
Em junho, a CTNBio considerou que duas leveduras obtidas por meio da tecnologia Crispr Cas9 pela empresa belga-brasileira GlobalYeast não são transgênicas. Isso porque não deixam rastro de outro DNA dentro dele. A decisão, considerada histórica, é questionada. Pesquisadores do Centro Genok pensam exatamente o contrário. E apontam que a Resolução Normativa nº 16 traz um equívoco: definir um OGM a partir da análise do produto final. O que a senhora tem dizer a respeito?
O sistema brasileiro de biossegurança (Lei de Biossegurança nº 11105/2005) é robusto e transparente. A CTNBio leva em consideração o processo de produção, avaliando também a técnica utilizada para a produção do organismo. Em relação aos organismos desenvolvidos pelas novas Tecnologias Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMP) a análise feita não é diferente. A Resolução Normativa 16 não é uma norma de caráter decisório.
Apenas estabelece critérios coerentes com a lei de biossegurança para que sejam feitas consultas sobre a caracterização de novas tecnologias e produtos, podendo estes serem considerados OGMs ou não. A carta-consulta é minuciosamente analisada, e se houver dúvidas a proponente poderá ser consultada para esclarecimentos. Tem como um dos seus princípios a análise, caso a caso, fundamentada em dados e considerando as características tanto da tecnologia quanto do produto em análise. O conceito de OGM é apresentado no Artigo 3º da Lei 11.105. Em seu artigo 4º a Lei 11.105 estabelece de modo claro e correto, à luz do conhecimento atual, os casos aos quais a lei não se aplica. A Lei de Biossegurança não se aplica quando a modificação genética for obtida por meio de mutagênese (caso das leveduras para produção de bioetanol da empresa belga-brasileira GlobalYeast).
Art. 4º Esta Lei não se aplica quando a modificação genética for obtida por meio das seguintes técnicas, desde que não impliquem a utilização de OGM como receptor ou doador:
I – mutagênese;
II – formação e utilização de células somáticas de hibridoma animal;
III – fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser produzida mediante métodos tradicionais de cultivo;
IV – autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de maneira natural.
No último dia 25, a Corte de Justiça da União Europeia (UE) determinou que organismos obtidos por alterações no genoma, entre elas técnicas de edição do genoma, devem estar sujeitos aos mesmos critérios da legislação que envolvem os transgênicos. Essa decisão, ao meu ver, vai no sentido oposto da RN 16/2018. Isso trará alguma mudança à RN?
A RN16 é coerente com a legislação brasileira. Incluímos, a seguir, imagem com o preâmbulo da decisão da UE. O título da decisão se inicia com a afirmação: “Organismos obtidos por mutação são Organismos Geneticamente Modificados (OGMs)...”. As ações e normas da CTNBio estão subordinadas ao que é estabelecido nas leis vigentes no Brasil, conforme detalhado na questão 1. Portanto, a decisão da UE não acarretará em modificações na RN16.
A propósito, que avaliação a senhora faz da decisão da Corte da União Europeia?
É uma decisão que pode ser tomada por qualquer país ou bloco. Um regulatório internacional harmonizado facilita muito as questões de relações de comércio internacional. A decisão da Corte Europeia deve ter sido tomada à luz de legislações dos países que a compõe, o que é legítimo.
Respeitamos a decisão da UE. Mas é importante ressaltar que mesmo países membros da UE como a Alemanha, Suécia, Holanda, França se posicionaram cientificamente de forma semelhante à legislação brasileira e de vários países como Estados Unidos, Argentina, Chile, Colômbia, Filipinas, Israel.
Em palestra na UFABC, a doutora Maria Lúcia Zaidan explicou que a RN 16 resulta do trabalho de um grupo, que ao longo de dois anos se debruçou sobre o tema. Imagino que os especialistas tenham viajado e participado de muitos encontros, com o intuito de entender como a questão tem sido discutida nos outros países e até mesmo para embasar a RN. Agora, com a decisão da Corte, a RN 16 fica arranhada?
Sim, especialistas das setoriais Vegetal/Ambiental e Humana/Animal participaram de várias discussões nacionais e internacionais, além de terem acompanhado, estudado e discutido muitos artigos científicos recém-publicados em revistas cientificas internacionais, que em muito ajudaram a entender a questão. Durante o trabalho de 2-3 anos sobre este assunto na CTNBio estas discussões foram internalizadas para os membros o que terminou gerando a RN16. Como resultado destas discussões científicas entre os membros das comissões e, também com os membros da CTNBio, doutores com notório saber na área de biotecnologia e biossegurança representantes da comunidade científica, da comunidade civil e de todos os ministérios do governo, a RN16 foi aprovada por unanimidade na reunião da CTNBio de dezembro/2017 e publicada em janeiro/2018. Ressalto que, a avaliação caso a caso, podendo resultar na decisão de que uma determinada tecnologia, sob consulta, deve ser considerada um OGM, ou não, foi bastante debatida e entendida por todos os membros, o que resultou na aprovação por maioria absoluta do primeiro caso apresentado à CTNBio, aprovado em junho/2018 (caso das leveduras para produção de bioetanol da empresa belga-brasileira GlobalYeast).
A CTNBio sai enfraquecida ao adotar regras que seguem na contramão daquelas estabelecidas por um conjunto de países, sendo eles, em sua ampla maioria, mais desenvolvidos que o Brasil do ponto de vista técnico e científico, nos quais interferências econômicas são menos comuns nas agências e comissões?
As decisões e normas da CTNBio estão subordinadas às leis brasileiras, com destaque para a lei 11.105. As decisões são sempre caso a caso de modo fundamentado em dados técnico-científico. O conhecimento técnico-científico sobre o assunto deve sempre ser integralmente considerado no processo decisório. Todo o conhecimento é avaliado, independentemente do nível de desenvolvimento do país em que foi produzido. Boa ciência é produzida em todos os países do mundo, inclusive no Brasil e, não apenas nos desenvolvidos. Portanto, a CTNBio está bastante alinhada com diversos outros países do mundo no que tange aos organismos criados pelas TIMPs.
A decisão da Corte tem consequências, e a biossegurança se reflete em diversos aspectos, entre eles econômicos. A União Europeia, que já impõe diversas barreiras a produtos brasileiros, deve aumentar a vigilância com relação a produtos dessas novas tecnologias – como já faz com os transgênicos, por exemplo. Como a CTNBio vê essa questão, já que o propalado desenvolvimento científico estaria atrelado ao desenvolvimento econômico?
Em suas decisões, a CTNBio considera apenas a análise da biossegurança de biotecnologias fundamentadas em OGMs, fazendo uma análise robusta e transparente. Não faz análises socioeconômicas. A lei 11.105 estabelece que tais considerações cabem ao CNBS (Conselho Nacional de Biossegurança).
O site da CTNBio informa que não há representantes da área da saúde, saúde do trabalhador e tampouco do consumidor na comissão. E são justamente os consumidores e trabalhadores que têm grande rejeição aos transgênicos, conforme diversas pesquisas. Por que não foram indicados ainda? Não é no mínimo curiosa essa lacuna nos assentos da Comissão?
A CTNBio não indica ou nomeia os seus membros. Os critérios de indicação são estabelecidos na Lei 11.105/2005. Cabe aos vários Ministérios e Secretarias indicarem os seus representantes segundo os procedimentos estabelecidos na Lei. A Secretaria Executiva da CTNBio notifica os órgãos responsáveis pelas indicações, sobre a vacância de cargos. Havendo indicações, a nomeação cabe ao Ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Ressaltamos que a vacância de cargos não reduz o rigor das decisões da CTNBio. As deliberações nas seções plenárias ocorrem apenas com maioria absoluta do número máximo de membros.
Por que a CTNBio ainda não divulgou em seu site as atas das reuniões realizadas este ano? Não seria uma medida de transparência das decisões às quais a opinião pública tem todo o direito de acessar?
As atas são divulgadas assim que aprovadas nas reuniões plenárias. As atas estão disponíveis no site.
Que medidas a CTNBio já implementou para aumentar a transparência e reduzir a incidência de conflitos de interesses no âmbito da Comissão em atendimento a recomendações do Ministério Público Federal? A Rede Brasil Atual, aliás, já publicou reportagens com evidências robustas a respeito, envolvendo inclusive o ex-presidente, doutor Edivaldo Velini, e os doutores Jesus Aparecido Ferro e Galdino Andrade Filho.
A CTNBio tem normas específicas sobre o assunto e as observa sempre em sua atuação. Os questionamentos dos órgãos de controle têm sido respondidos invariável e exaustivamente pela Secretaria Executiva, pela Presidência e pelos membros.
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Indústrias dos agrotóxicos e transgênicos comandam evento da CTNBio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU