23 Julho 2018
A demanda pela intimidade conjugal e a rejeição de uma abordagem inquisitorial da sexualidade são claramente visíveis.
A socióloga Magali Della Sudda, pesquisadora do Centro Emile Durkheim, em Bordeaux, estudou 100 cartas enviadas pela Ação Católica Geral Feminina (ACGF) após a publicação da encíclica de Papa Paulo VI Humanae Vitae em 1968.
As mulheres – e alguns homens – descrevem sua luta com a experiência diária e o ensinamento do magistério.
As cartas foram enviadas ao diário do movimento ACGF entre outubro de 1968 e fevereiro de 1969, na sequência da publicação da Humanae Vitae.
A entrevista é de Anne-Bénédicte Hoffner, publicada por La Croix International, 20-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
O que dizem as cartas?
A edição de outubro de 1968 do L'Echo de notre temps (O Eco do Nosso Tempo), a publicação bimestral da ACGF, comentou a Encíclica Humanae Vitae e convidou os leitores ao debate.
Das 2.958 respostas recebidas pelo movimento, apenas 98 cartas ainda estão preservadas em seus arquivos. A maioria — 76 — foi escrita por mulheres, 04 por casais, 17 por homens e uma por 'um grupo de famílias cristãs'. As cartas retratam experiências muito concretas e por vezes extremamente íntimas – embora com alguma reserva. Elas revelam a maneira como os autores manejaram sua confiança na Igreja e as dúvidas sobre como implementar o seu ensino. Eles expressam o seu pesar em não receber o apoio que se procurava por parte da Igreja.
Quais são seus argumentos?
A maioria defende sua própria situação como mães de famílias, embora algumas também estejam fundamentadas em sua experiência como médicas ou enfermeiras, expressando franca discordância ou dúvida. Elas citam problemas de saúde, incluindo a "depressão nervosa", ligada a "numerosos nascimentos", partos cesarianos, ciclos irregulares e preocupações financeiras, especialmente em famílias de classe trabalhadora.
Muitas mulheres também chamaram o "dever conjugal" de "caridade" em relação a seus cônjuges. Eles pensavam que ao "dizer não" para seu parceiro estaria o empurrando em direção ao adultério.
Um marido, quem teve cinco filhos, dos quais o último foi um bebê Ogino [O Método Ogino é um método de evitar a concepção baseado no calendário, nomeado em homenagem a Kyasaku Ogino] escreveu sobre a necessidade de um casal em experimentar uma sexualidade gratificante.
'Achamos que o atual sucessor de Pedro não é muito bem informado de um ponto de vista prático', escreveu o homem. 'Ele escreve abstratamente e numa perspectiva legalista'.
No entanto, várias mulheres mais velhas defenderam o documento. O mesmo fez o único padre que contribuiu com as respostas, o capelão do movimento, que ficou furioso pelo fato de que a revista se atreveu a apresentar a Encíclica como um tema para discussão e pedir aos leitores que expressassem suas opiniões!
Finalmente, uma mulher manifestou sua ruptura com a Igreja sobre a questão da sexualidade e do acesso à contracepção.
O que as cartas indicam sobre o estado de espírito e a vida conjugal de mulheres católicas durante a década de 1960?
Este foi um canal completamente sem precedentes das mulheres. Elas são de um período quando as cartas dos leitores, por exemplo, da revista Marie-Claire ou do programa de TV de Ménie Grégoire, se tornaram um meio vital de expressão, emancipação ou pelo menos uma afirmação de si mesmas e da feminilidade, tanto dentro como fora da Igreja.
É interessante em dois aspectos, primeiro porque o ACGF foi o movimento feminino mais importante da época. Em segundo lugar porque este período agora é pouco conhecido.
As mulheres desses anos foram sempre suspeitas aos olhos daquelas que vieram depois por terem sido muito conservadoras e não feministas o suficiente.
No entanto, esses arquivos demonstram que a mudança já estava em andamento. As cartas escritas pelos homens também são interessantes sobre a questão da igualdade entre os cônjuges.
A demanda por uma intimidade conjugal e a rejeição de uma abordagem inquisitorial da sexualidade são claramente visíveis.
Várias cartas também mencionam o desejo de tomar uma decisão 'de consciência' e destacam a contradição com a ênfase colocada sobre este ponto pelo Vaticano II.
A chamada à responsabilidade pelos fiéis leigos está no centro do aggiornamento [atualização] daqueles anos.
Alguns católicos esperavam que isso também se aplicasse ao campo da sexualidade. Para eles, a Humanae Vitae parecia tratar as pessoas como crianças.
'Nos últimos dois ou três anos, eles nos convidaram a nos tornamos adultos, para tomarmos decisões sem perguntar constantemente o que é permitido e o que é proibido', escreveu uma mulher casada com seis filhos.
'Agora com o que Paulo VI falou, nós precisamos fazer amor sob comando e não quando nós desejamos', escreveu.
Outro casal fez referência a uma decisão 'tomada em plena consciência, que aparece para nós como a única possível.'
O ACGF não tomou uma posição. No entanto, o fato de que abrir suas colunas para debater e permitir que a dissidência aparecesse, escandalizou alguns leitores. Além disso, a publicação de certos extratos, que são bastante representativos do todo, ilustra que os líderes e capelães do movimento pretenderam dar voz às mulheres. Nenhuma das mulheres alegou a liberdade sexual fora do casamento. Elas simplesmente desejaram articular as injunções do magistério com seu desejo de uma vida sexual satisfatória, não necessariamente procriadora.
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Católicas de 1968 respondem a Humanae Vitae - Instituto Humanitas Unisinos - IHU