02 Abril 2018
O reverendo Martin Luther King, "Dr. King" para seus fiéis, encontrou-se com Malcolm X apenas uma vez, em Washington, durante o debate parlamentar sobre a lei dos direitos civis de 1964. "Olá, Malcolm, é um prazer encontrar você", disse King, "Igualmente," respondeu cortês Malcolm X: "Eu estou agora me lançando no coração da batalha pelos direitos".
O comentário é de Gianni Riotta, jornalista italiano, publicado por La Stampa, 01-04-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os dois líderes foram imediatamente separados pelos repórteres. Os dois morreram vítimas precoces de atentados, aos 39 anos, Malcolm X em 1965, morto por extremistas islâmicos, o reverendo King meio século atrás, em 4 de abril de 1968, atingido pelo fugitivo racista James Earl Ray. Em ambos os crimes os historiadores suspeitam de um papel, ou pelo menos da cumplicidade e do silêncio, do FBI liderado pelo controverso J. Edgar Hoover. King ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1964 pelo movimento pacifista afro-americano, recebeu, como título póstumo, a Medal of Freedom, a mais alta honraria civil dos EUA e a cada terceiro domingo de janeiro os Estados Unidos param, em um feriado nacional em seu nome. Malcolm X, pelo menos até o filme de Spike Lee de 1992, é considerado um desesperado ultra radical, o romântico perdedor da Autobiografia escrita por Alex Haley (Einaudi).
Cinquenta anos depois, a história recorda o encontro fugaz entre os dois líderes, porque nos últimos meses de sua vida Malcolm X rompe com o nacionalismo da Nation of Islam e, após uma peregrinação à Meca, prega uma possível coalizão entre brancos e negros. Em paralelo, o nobre pacifismo do reverendo King, celebrado no discurso "Eu tenho um sonho ..." na Marcha sobre Washington de 1963, desvanece em decepção.
Brown vs. Board of Education de 1954 (Linda Brown, a menina no centro do caso, desapareceu no último 27 de março), concedem depois de dois séculos de discriminação o voto para as minorias com o Voting Rights Act de 1965 e encerram com o apartheid racista seguido pela guerra civil, graças ao Civil Rights Act de 1964. A partir de então brancos e negros podem usar os mesmos banheiros, restaurantes, hotéis, e nenhum xerife vai impedir que um negro vote, zombando "Declame de memória a Constituição..." Mas King compreende que, depois dessas concessões, a maioria branca, e o presidente democrata Johnson, dizem basta.
A sua campanha pelos direitos ele deixa o Sul ex-escravocrata, as antigas plantações e a pobreza, dirigindo-se diretamente para o Norte, onde os negros emigram há tempo para procurar trabalho na indústria. Lá percebe com lucidez: "A América dos brancos não é psicologicamente preparada para a igualdade real", iguais condições econômicas, de vida, de ofício e de família. Escreve Eddie Glaude, diretor dos estudos afro-americanos na Universidade de Princeton: "A brutalidade do Sul e a hipocrisia de todo o país levaram King a entender que a igualdade racial, entendida como uma tarefa humanitária, distorce os princípios da democracia e desfigura o caráter e a moralidade daqueles que se obstinam a acreditar em uma mentira".
É este último King que por fim se declara contra a guerra do Vietnã, o King que desafia empresas e sindicatos sobre o desemprego. "Está em ato uma vingança dos brancos", escreve com amargura em 1966, e afunda em uma depressão psicológica, que o impede até de sair da cama, depois de ver uma multidão de racistas quebrar os ossos de negros adolescentes na frente de uma escola no Mississipi. Dois anos antes de sua morte, King aparece nas pesquisas como detestado por 63% dos brancos, que - observou o escritor negro James Baldwin - veem “os direitos civis como uma meta, enquanto são apenas o ponto de partida". Hoover manda o FBI persegui-lo, envia cartas anônimas para sua esposa, Coretta Scott, com as provas da infidelidade de seu marido e o instiga "Mate-se, King, se você não quiser escândalos".
A Klan abre uma temporada de terrorismo em Forrest County, Mississipi, e Bogalosa, Louisiana, onde são mortos os ativistas Vernon Dahmer e Clarence Triggs. O prefeito de Chicago, Daley, um democrata, proíbe King de se manifestar contra a pobreza na cidade, e o Congresso rejeita o projeto de lei para integrar o mercado das casas e dos aluguéis.
Nos últimos meses, Martin Luther King pondera sobre as vitórias e as derrotas, consciente de que uma longa e nova campanha está se iniciando. Ele quer integrar brancos e negros pobres, agitar o racismo hipócrita daqueles que toleram os direitos, desde que os negros fiquem bem longe. Ele não verá o resultado, assassinado em Memphis com uma bala na coluna vertebral, disparada pelo fugitivo Ray, que a família King ainda acredita inocente, mera cobertura da conspiração do FBI.
Em 1968 os Estados Unidos encaram a ofensiva do Vietnã em fevereiro, King assassinado em abril, as cidades queimando em revolta, 40 mortos e 3.000 feridos, as mais sangrentas agitações desde 1863, o senador Robert Kennedy - que cita Ésquilo em memória a King da noite da morte, em Indianápolis - morto em junho, a batalha na Convenção democrata em Chicago, em agosto, 28.000 policiais contra 10.000 militantes, ao vivo para todo o mundo, o republicano Nixon eleito em novembro.
Nem mesmo Barack Obama, o primeiro afro americano na Casa por dois séculos e meio apenas branca, sutura as feridas. O presidente Reagan, como muitos conservadores, invocava a "justiça cega" de King, mas quando da sua morte - governador da Califórnia – denunciava "aquele que primeiro quebrou a lei”, acusando entre as linhas os negros, um ressentimento surdo ainda ativo no voto de 2016.
Os Estados Unidos hoje se curvam à poça de sangue de Martin Luther King, honrar a sua memória é exercício onipresente nas escolas: honrar seu último legado, a justiça para todos e todas, a verdadeira igualdade, não só no papel, é a tarefa do próximo meio século. "Free at last" livre enfim, reproduz o lema na lápide de Martin Luther King em Atlanta, Georgia, ainda uma esperança, não uma meta.
Cinquenta anos atrás, em 4 de abril de 1968, Martin Luther King Jr. era assassinado com um tiro no Lorraine Motel de Memphis. Um dia antes, o homem-símbolo da luta contra a segregação racial, tinha realizado seu último discurso público e tinha mencionado as ameaças de morte cada vez mais iminentes.
Ele havia afirmado: "Eu gostaria de ter uma vida longa. Mas eu não me preocupo agora. Eu só quero fazer a vontade de Deus, que me permitiu subir a montanha. E eu olhei além. E eu vi a terra prometida".
Luther King, cinco anos antes, depois da grande marcha pelos direitos civis dos afro-americanos em Washington na frente de 300.000 pessoas, gritou várias vezes o seu bíblico sonho: "I have a dream, eu tenho um sonho - dizia - isto é, que meus quatro pequenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo conteúdo do seu caráter. Eu tenho um sonho hoje". A marcha foi um enorme sucesso. Participaram afro-americanos e líderes americanos de todos os níveis. Os cantores mais famosos cantaram suas canções. A lendária do gospel Mahalia Jackson cantou How I Got Over, enquanto Marian Anderson apresentou He's Got the Whole World in His Hands. Também estava lá Joan Baez com We Shall Overcome e Oh, Freedom e Bob Dylan com sua Ship Come In.
Assista aos vídeos com com as músicas:
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Martin Luther King, o que resta do sonho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU