25 Fevereiro 2018
O sítio Settimana News, 18-02-2018, publicou uma transcrição do texto da conferência do sinólogo italiano Francesco Sisci, proferida na Universidade, em Roma, em novembro de 2017, a convite dos professores Vincenzo Scotti e Marco Meyer, sobre as relações entre a Santa Sé e a China.
Sisci mora em Pequim, onde leciona na Renmin University of China.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As relações entre a Santa Sé e a China são uma questão extremamente delicada e também cheia de nuances, mas, apesar desses detalhes importantes e delicados, elas estão fundamentadas por um rastro de pensamento estratégico, tanto da parte chinesa, quanto da parte da Santa Sé.
O que vemos é uma maratona em que dois percursos estratégicos muito diferentes, dois modos de pensar muito diferentes estão convergindo pouco a pouco, e essa convergência é, sem dúvida, a maior desde 1949, desde que o Partido Comunista tomou o poder, e as relações China-Santa Sé, primeiro, se distanciaram e, depois, se separaram completamente.
Talvez, hoje, os pontos de convergência estratégicos de longo prazo sejam os maiores da história entre Santa Sé e China, talvez as duas únicas instituições milenares do planeta.
Antes de ir aos milênios, eu começaria com a crônica, ou seja, com aquela que foi a aceleração dos últimos dois anos. Nesse período, houve uma aceleração muito, muito forte, que nos dá boas esperanças para o futuro próximo. Como essas instituições pensam em termos de séculos ou de décadas, naturalmente, não sabemos onde e quando se chegará a uma normalização das relações. Poderia ser em um mês, em seis meses, em um ano ou em seis anos. Mas houve uma aceleração.
Creio que o primeiro ponto de virada dessa aceleração ocorreu quase que casualmente durante a visita contemporânea aos Estados Unidos, em setembro de 2015, do Papa e de Xi Jinping. Naquela ocasião, Xi Jinping esperava – como aconteceu com as visitas de todos os seus antecessores – que os Estados Unidos, de algum modo, se esforçassem e se concentrassem na visita do presidente da China.
Era um período muito delicado de campanha eleitoral muito tensa e dura entre Hillary Clinton e Donald Trump, mas o passado havia sido uma testemunha forte, e eles estenderam o tapete vermelho. As primeiras páginas dos jornais estadunidenses se concentraram na visita chinesa e no futuro da relação entre China e Estados Unidos.
Nesse caso, estranhamente, aconteceu outra coisa, porque havia a visita do papa. O papa devia ir falar na sessão plenária das Nações Unidas. Por cerca de 40, 50 dias, a visita desse papa ofuscou, por um lado, o debate político estadunidense, ou seja, se falava mais do papa do que de Trump e Hillary, e, por outro lado, ofuscou Xi Jinping.
Esse fato fez com que se entendesse de forma concreta o que alguns, na China, já diziam há algum tempo, mas, de algum modo, não era percebido pela liderança, isto é, o superpoder “suave” do papado, do Vaticano.
Nos últimos 20-25 anos, a China entendeu que há uma dimensão suave no poder e na projeção internacional de uma superpotência, aquela que Joseph Nye chama de soft power, e há esse interesse nos últimos 20-25 anos da China pela projeção do soft power.
Ali, na visita do papa aos Estados Unidos, houve uma explosão do soft power. Foi isso que revelou que, em primeiro lugar, a questão China-Vaticano não era simplesmente uma questão interna, de gerir 10, 12, quatro milhões de católicos que vivem na China, mas sim um problema muito mais complexo. Era o problema de ter uma relação com a superpotência suave do mundo, isto é, a Santa Sé.
Se a Santa Sé conseguia se impor e cobrir o debate interno estadunidense, esse era o verdadeiro superpoder suave.
Naturalmente, isso iniciou uma mudança na dinâmica das relações bilaterais e no modo de pensar o diálogo entre Santa Sé e China, que, aliás, já iniciou há muito tempo. Acima de tudo, mudaram os tempos, a sensação de urgência.
Se a questão Santa Sé-China era apenas interna, a China a considerava, sim, como uma questão importante, mas, no fim das contas, os católicos não criam problemas, são uma mínima minoria. Isto é, é uma questão que pode ser resolvida amanhã, depois de amanhã, sem nenhuma urgência.
Se, em vez disso, a Santa Sé é a superpotência, o pensamento se torna: somos nós, chineses, que devemos nos inserir nesse mundo onde o Vaticano consegue ser tão importante. Devemos ter um senso de urgência.
Em segundo lugar, chega também um cálculo de risco. Se o Vaticano é tão poderoso, não se trata mais apenas de gerir esses poucos milhões de católicos chineses. Talvez eles possam nos ajudar, mas talvez até nos prejudicar na nossa posição no mundo. Desse modo, a questão foi levantada em termos totalmente diferentes em comparação com o modo como era pensada antes.
Daí nasceu, pouco a pouco, a hipótese de fazer uma entrevista com o papa, que deveria ser uma mensagem de que os dois líderes se intercambiavam e, acima de tudo, também devia sair das fronteiras, dos perfis óbvios da situação [1]. Ou seja, o papa, como se viu, como já estava claro, não estava simplesmente interessado no destino dos católicos, não fala apenas dos católicos; o papa, este papa, está interessado no destino de sete bilhões de seres humanos e está fortemente interessado nisso. Ele não pensa apenas no seu quintal de um bilhão de católicos batizados, ele pensa em todos.
Isso é muito importante, porque ele falou naquela entrevista com os chineses sobre as questões que estão no coração dos chineses. Ele falou como padre, um bom padre. Ele falou como um padre que, quando criança – lembro-me –, quando acontecia um problema, conseguiu encontrar as palavras que tocam o coração e convencem você a repensar no que fez.
Essa abordagem também convenceu os chineses, e eu acho que colocou a questão China-Vaticano em termos diferentes, não simplesmente em termos ideológicos, não apenas estratégicos e geopolíticos, mas também de suporte, de ajuda humana. Havia aquilo que a Igreja podia fazer pelos chineses individuais, que têm muitos problemas materiais, mas também têm problemas de consciência muito fortes, por exemplo a questão do filho único.
Os chineses amam os filhos, e os filhos são um problema fundamental, a continuidade com os antepassados, quase como uma religião dos filhos. O fato de os chineses, nos últimos 30 anos, terem decidido não ter filhos, sacrificar, matar “o seu deus”, de algum modo, a fim de crescerem, de se transformarem, mudarem é o testemunho, por um lado, de como eles estão determinados a mudar, a se colocar em um caminho diferente.
Por outro lado, o caso do filho único é a evidência de como eles sofreram e sofrem com essas mudanças, e o papa, lá, conseguiu encontrar as palavras para olhar para a frente, não para se atormentar e continuar se atormentando. Então, isso foi uma coisa muito importante, e acho que a entrevista saiu muito bem, tanto que, poucas horas depois que a entrevista havia sido concedida, os jornais chineses a republicaram. Houve centenas de republicações. Eles não a traduziram totalmente, mas a noticiaram.
Um detalhe muito importante é que a entrevista foi concedida em inglês, não em italiano, não em chinês; o inglês foi a única versão oficial, porque era preciso uma língua neutra, que o papa entendesse e que, ao mesmo tempo, Xi Jinping entendesse. É um aspecto crucial para a minha modesta experiência de cronista; as traduções são sempre um truque, sempre muito delicadas, especialmente entre italiano e chinês, e vice-versa, línguas cultural e estruturalmente muito diferentes.
Então, em todas as vezes, não se trata de fazer uma tradução mecânica, mas de passar um pensamento de um lado para o outro. E, nessa rendição de pensamento, obviamente, milhares de pedaços se perdem em ambos os lados. Por isso, era importante ter um meio neutro que tivesse o mesmo valor de um lado e do outro, e o inglês é uma língua que o papa e Xi Jinping já são capazes de entender sem mais mediações.
Esse foi o primeiro ponto de ruptura e de aproximação concreta, isto é, a iluminação de setembro de 2015 se transformou em um primeiro ato de convergência importante.
Um segundo ato, um “farejamento”, eu diria, foi uma visita em março de 2016 do vice-presidente executivo da escola do partido que foi a Roma, encontrou-se com muitas pessoas, “farejou” a situação e ficou maravilhado com os Museus Vaticanos, com a cultura e a densidade deles.
Outro elemento muito importante: ele ficou intrigado que, nos Museus Vaticanos, também havia muitas esculturas e obras chinesas, porque a Santa Sé considera esses tesouros como parte da história da Santa Sé e da humanidade e testemunho do amor da Santa Sé pela China.
“Amor” é uma palavra um pouco forte que não se usa em geopolítica, mas é uma palavra muito importante para a Igreja e para a China, um país politicamente muito cético, mas também muito sentimental. Para enfrentar a China, é preciso uma inspiração sentimental, e, se essa inspiração sentimental existir, muitas dificuldades são superadas; sem ela, em vez disso, muitas dificuldades surgem e se multiplicam; a percepção desse sentimento em relação à China foi um elemento muito importante.
Naqueles meses, além disso, Gianni Valente havia entrevistado alguns bispos chineses “subterrâneos” para o Vatican Insider. Todos manifestaram seu apoio a um acordo com Pequim. Isto é: a Igreja chinesa mais fiel ao papa ao longo das décadas queria o acordo, não era contrária.
Tudo isso abriu caminho para um ponto importante, que chegou em agosto de 2016, quando o cardeal titular de Hong Kong, John Tong, publicou no semanário diocesano um longo ensaio eclesiológico que se abria concretamente aos termos de um acordo entre Santa Sé e China. O acordo não era impossível, mas havia um espaço concreto para o bem da Igreja na China que não devia mais ser deixada sozinha. A questão dos bispos podia ser resolvida.
Uma intervenção tão douta, humana e de autoridade significava que, na realidade, não havia oposição substancial a um acordo.
O que serviu de caixa de ressonância e criou um novo consenso também na China sobre a questão, depois, foi o trabalho naqueles meses do Global Times, o jornal semioficial, nascido de uma costela do Diário do Povo, voz da liderança chinesa. O Global Times publicou quatro artigos [2], uma enormidade em comparação com a experiência do passado.
Em agosto, além disso, pela primeira vez na história das relações bilaterais, o presidente chinês, Xi, respondeu à mensagem de um papa e enviou de presente uma cópia da Estela cristã de Xi’an do século VII. É preciso ressaltar que Paulo VI, ainda nos anos 1960, escreveu a Mao. Desde então, todos os papas, várias vezes, escreveram aos líderes chineses, sem qualquer efeito.
Xi, pela primeira vez, respondia com um objeto que queria dizer: o cristianismo não é uma religião ocidental que chegou recentemente à China, mas faz parte da tradição chinesa há séculos, como a outra grande religião hoje dominante no país, o budismo. Este chegou à China também em torno daqueles anos.
Outra data importante em 2016 foi o discurso do secretário de Estado, Pietro Parolin, sobre Celso Costantini. Esse foi um discurso absolutamente fundamental para Pequim, porque Parolin é secretário de Estado e, naturalmente, um homem que acompanhou a questão China em primeira pessoa, por cerca de 20 anos, que conheceu bem os chineses e conquistou sua confiança agindo como padre, e não tanto como diplomata. Ele se colocava não como político, mas como padre, e isso, longe de afastar os interlocutores, ao contrário, os aproximou. Ou seja, ele havia enfatizado um aspecto diplomático político, mas tinha essa substância de ser sacerdote.
Por que Celso Costantini é importante? Por dois elementos. Primeiro, ele renunciou a ser nomeado cardeal, fazendo com que pela primeira vez fosse nomeado cardeal um bispo chinês, e isso demonstrava que a Igreja não queria impor um controle do clero romano sobre a Igreja chinesa, mas, ao contrário, a Igreja romana queria que a Igreja chinesa fosse realmente chinesa. Na verdade, era importante que o primeiro cardeal chinês não fosse ele, que era italiano transplantado para a China nos anos 1920, mas que fosse um verdadeiro chinês. Então, era uma mensagem política muito importante para a China.
Em segundo lugar, extremamente importante do ponto de vista político para a China, Costantini lutou pelo reconhecimento do papel da Santa Sé com uma primeira nunciatura independente e longe do papel da França. A Igreja Católica havia substancialmente saído da China depois que havia sido abolida a ordem dos jesuítas, em meados do século XVIII e depois de ter entrado no fim do século XVI. Ela voltou cerca de um século depois, em 1856, com a segunda guerra do ópio trazida justamente pela França, que na época era a potência tutelar da Igreja.
Nesse contexto, com o exemplo de Celso Costantini, Parolin quis afirmar que a Santa Sé, mesmo não tendo um Estado como o Estado pontifício às costas, não quer agir em nome ou sob uma potência hegemônica. Então, tratava-se de uma mensagem muito importante, porque, naturalmente, há o debate na China sobre: por quem a Igreja se mobiliza? Mobiliza-se pelas novas potências atuais? Mobiliza-se para ajudar? É impulsionada pelos Estados Unidos, pela Europa, pela Itália?
Não, a mensagem de Parolin é que a Santa Sé se mobiliza por conta própria e não quer poder, não o quis à época, não o quer agora. Portanto, a Santa Sé fala por si mesma, não fala através do Estado. Então, esse foi um ponto muito importante para definir um lado político.
Outra etapa dessa aceleração foi um congresso organizado pela Universidade do Povo de Pequim no dia 29 de outubro, na Renmin University. Trata-se de uma universidade um pouco particular. Existem muitas grandes universidades na China, mas a Universidade de Pequim é famosa pela história, literatura, filosofia, matérias humanísticas. Depois, há a Qinghua, famosa pelas matérias científicas, incluindo a economia, e a Renmin, que, por sua vez, é a universidade fundada por Mao Zedong, fundada pelo partido, a Universidade do Povo, que se interessa particularmente por questões políticas e de lei, as questões mais delicadas.
Então, o fato de a Universidade Remnin fazer um congresso sobre questões religiosas era algo extremamente delicado e importante. Nesse congresso, os chineses expressaram publicamente uma parte absolutamente importante e fundamental em nível histórico das relações seculares da Igreja. Eles disseram isso atribuindo-o a Parolin. Então, nesse sentido, enfatizaram a importância que os secretários de Estado têm nas relações bilaterais, que a liderança chinesa aceitaria o papel do papa na nomeação dos bispos.
Isso, na Itália, no Ocidente, hoje, parece óbvio. Na realidade, sabemos que foi algo muito espinhoso durante séculos. Mesmo na Itália, a história dos bispos-condes deu forma às relações entre o Sacro Império Germânico e o papado. O imperador alemão que se ajoelha diante do papa em Canossa, contam os manuais de história.
Na realidade, esse ponto fundamental não havia sido resolvido pelos jesuítas, nem mesmo quando os jesuítas, com von Shall ou Verbiest, haviam se tornado parte da corte imperial como ministros muito importantes do império. No entanto, apesar do poder e da influência desses jesuítas, historicamente celebrada, nem eles conseguiram obter do imperador o privilégio para o papa na nomeação dos bispos. Isso porque o imperador, à época, somava o poder político e poderes quase religiosos.
Vice-versa com a adoção do marxismo como ideologia de Estado: o poder político chinês se distanciou da dimensão metafísica. O Partido Comunista Chinês é materialista e não tem nenhum interesse nas questões ultramundanas. Então, abria-se um espaço teórico de convergência, muito importante, porque ambos os sistemas funcionam em termos “teológicos” dedutivos: primeiro, é preciso fixar os princípios e depois, dos princípios, extrair as consequências.
Havia um espaço para um acordo verdadeiro e profundo. O partido não se interessa por Deus, interessa-se pelas questões humanas. O papa, o papado, a Igreja se interessa por questões pelas quais o partido não se interessa, por Deus. Abre-se realmente uma possibilidade de convergência como nunca houve entre os poderes imperiais chineses e o papado, e também a compreensão da particularidade e da originalidade da fé católica.
Na China, havia um problema de incompreensão profunda da particularidade da Igreja Católica que, por um lado, fala italiano, fala latim, fala inglês e assim por diante, isto é, está profundamente enraizada nas várias realidades nacionais. Mas é também universal e católica, isto é, justamente inclusiva de tudo, ao contrário das Igrejas protestantes ou ortodoxas, que são muito mais enraizadas nas especificidades locais às custas da dimensão geral.
Esse passo à frente de compreensão na China, extremamente significativo, ocorreu em um contexto específico. Estamos em outubro de 2016, perto do fim da campanha eleitoral estadunidense, e o interesse chinês pela questão da Santa Sé não é mais apenas interno, mas também diz respeito a todo o contexto internacional.
O contexto internacional levava a se concentrar, naturalmente, nos candidatos à presidência, Hillary Clinton ou Donald Trump. Na época, muitos chineses achavam que a presidência Trump seria melhor para as relações bilaterais do que a presidência Hillary Clinton.
Na realidade, após as eleições, viu-se que não foi assim. Ou, talvez, teria sido a mesma coisa com Hillary, não sabemos. Mas, certamente, a presidência Trump levou a um envenenamento progressivo, até mesmo muito rápido, das relações bilaterais. Isso influenciou a relação com a Santa Sé, porque eu acho que a China entendeu que a Santa Sé não se deixava influenciar e não seguia a linha dos estadunidenses. Ela continuava mantendo sua rota estratégica, indiferentemente daquilo que os Estados Unidos pudessem fazer e pensar. Por outro lado, o poder e a influência da Igreja continuava crescendo.
Em todos esses meses, pareceu que o poder de influência da Igreja assumiu uma nova dimensão. Parece que ela também começa a penetrar algumas lacunas deixadas abertas pelo poder estadunidense, que tem problemas de crise e de readaptação a um novo mundo depois de cerca de 16 desastres desde a guerra no Iraque e no Afeganistão, passando pelas primaveras árabes e pela guerra na Síria. Políticas que sangraram a economia estadunidense e aprofundaram o caos no Oriente Médio e na Ásia Central.
Isso levou a um pequeno passo à frente, algo que foi muito sofrido. Em 8 de março de 2017, os chineses transmitiram um primeiro programa de televisão na rede oficial, em que anunciavam a possibilidade de uma normalização das relações. Foi algo muito problemático. Devia ter sido primeiro em um dia, depois em outro, foi sendo adiado. No fim, foi feito, e foi algo dialético. Os chineses diziam: mas a Igreja derrubou e ajudou a derrubar o regime comunista na Polônia, foi ela quem destruiu a União Soviética, então – subentendiam – ela fará a mesma coisa na China.
Na transmissão, objetou-se: sim, por um lado, isso aconteceu, mas talvez também porque, naqueles países, havia carências específicas e fraquezas muito fortes daquele sistema. Mas, ao mesmo tempo, a Igreja, naqueles anos, salvou Cuba, que, em muitos aspectos, podia estar muito mais em risco do que a Polônia ou a Rússia. O regime de Castro foi salvo por uma intervenção muito forte da Igreja Católica em favor dos Castro. Isso demonstra, portanto, que a Igreja não tem programas ideológicos, nem agendas políticas. Ao contrário, é uma prova de que a Igreja olha para o mundo em termos amplos e não tem uma prevenção anticomunista de princípio. Certamente, ela é contrária ao ateísmo, quer mais liberdade religiosa, mas salvou Cuba.
Esse debate até mesmo muito intenso na televisão também evidenciou as dúvidas e os temores que continuavam persistindo na China sobre essa questão.
Então, no dia 1º de junho, houve outro passo significativo. O fundo de investimentos cultural, liderado por Zhu Jiancheng, foi doar um quadro ao Santo Padre, e a ideia que vimos se desenvolveu e cresceu. Estamos em 2017; está programada uma mostra conjunta, de um lado, dos Museus Vaticanos em Pequim e, de outro, o Museu da Cidade Proibida em Roma, junto aos Museus Vaticanos.
A ideia foi lançada para eles, e, recentemente, em novembro de 2017 houve o anúncio por parte da televisão chinesa e do Global Times de que a diplomacia da arte é equivalente à diplomacia que levou à normalização das relações entre China e Estados Unidos nos anos 1970.
Portanto, isso significou que, em novembro de 2017, tivemos a “quebra do gelo” oficial, ou seja, a declaração política por parte da China de que há a vontade política de normalizar as relações. Naturalmente, elas ainda não estão normalizadas, mas foi anunciado que há a vontade política de fazer isso – quando forem normalizadas e se forem. Há questões abertas e cheias de detalhes. É preciso imaginar mil questões também de desconfiança, mil medos das duas “administrações”, há prudência de ambos os lados.
A China deve pensar em 90 milhões de membros do partido, na estabilidade e nos riscos que estão aumentando cada vez mais, dia após dia, com as tensões em torno da própria China. Por outro lado, a Igreja deve pensar como tal decisão pode ser digerida e vivida pelo resto da Igreja mundial, incluindo os católicos, mas não só, dada a influência global sobre sete bilhões de terráqueos.
Poucos dias depois, houve a visita do papa a Myanmar, uma visita muito acompanhada na China, porque o papa quase foi à China. Myanmar é também um dos países com os quais a China tem relações politicamente mais próximas. O papa abordou a questão dos Rohingya que ocupam uma área onde os chineses poderiam querer criar um porto e um oleoduto estratégico. Aqui, na realidade, os chineses têm uma linha muito coincidente com a do papa e com os pontos de vista majoritários do governo dos Estados Unidos.
Os chineses esperavam que o papa desse um apoio à líder democrática do país, Aung San Suu Kyi, queriam limitar o poder dos militares. Os chineses sempre tiveram relações muito estreitas com Aung San Suu Kyi, ou, melhor, apoiaram-na e protegeram-na em tempos muito delicados e são favoráveis a uma transição democrática positiva na Birmânia. Não só não querem os militares tiranos, mas também não querem conflitos de rua que destroem o país. O papa conseguiu falar bem tanto para os militares quanto para Aung San Suu Kyi, assim como para os budistas. De fato, em Myanmar, há um fundamentalismo budista muito radical e muito antimuçulmano.
Os chineses ficaram muito satisfeitos com isso, tanto que, pela primeira vez, o Global Times dedicou um artigo a essa visita do papa, e um grupo de sacerdotes chineses com uma bandeira nacional foram à missa do papa na catedral de Yangoon dizendo-lhe: venha logo, Santo Padre.
Naturalmente, o “logo” dos tempos chineses poderia ser dois meses assim como dois anos, mas agora o ponto importante é essa aceleração. Ela também continua nestes dias, apesar, e talvez justamente apesar, do coro de críticas que se levantou em uma parte da imprensa internacional contra tal eventualidade.
1. Asia Times
2. “Cautious optimism” over Sino-Vatican ties (28-12-2016); Between God and Caesar (25-10-2016); LitFest 2016 (10-03-2016); From Rome to Beijing (25-02-2016).
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China-Vaticano: vigília de um possível acordo. Artigo de Francesco Sisci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU