05 Janeiro 2018
"Permanecemos desafiados a manter lucidez e coragem para avaliar a real profundidade e as consequências da maior e mais bem engendrada das ditaduras conhecidas, que há 30 anos vem se estendendo ás nações e povos: a ditadura do capital financeiro especulativo nas entranhas da relação Sociedade-Estado.", escreve Nelson Rodrigues dos Santos, Membro do Conselho Consultivo do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde - CEBES e Presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado - IDISA, em artigo publicado por Plataforma Politica Social, 04-01-2018.
Iniciou-se nos anos 80 nas democracias políticas ocidentais e, a seguir, globalizou-se. As variações estratégicas na intensidade e formas desse engendramento entre os países centrais e periféricos e nestes, segundo seu peso geopolítico, só atestam que “um espectro destrutivo e poderoso ronda a humanidade”. Uma espiral de concentração de renda e riqueza de intensidade e métodos virtuais jamais previstos e concebidos, avoluma-se geometricamente há mais de 30 anos e coloca nas mãos dos 1% mais ricos, o acesso e controle do poder de Estado em detrimento da autonomia da relação Sociedade-Estado.
Desse controle decorrem os rumos do processo produtivo global, das commodities, da pesquisa em ciência e tecnologia, da automação e robótica, das relações de trabalho, dos conglomerados econômicos e financeiros e dos próprios continentes, países, povos e classes sociais; e, a definição de quais gastos públicos (não financeiros) devem ser objeto de “austeridade” para o equilíbrio fiscal: investimentos na infraestrutura e na cidadania social (“financeirização dos orçamentos públicos”).
Para tanto, esses 1% cercam-se desde o início de seus intelectuais orgânicos, as grandes redes bancárias e o “top” de executivos, estrategistas e comunicadores. O estabelecimento dessa hegemonia no seio das sociedades vem se valendo da imposição de escolas econômicas ortodoxas com complexas econometrias, impostas midiaticamente ás sociedades. Com métodos e dogmas ortodoxos pseudocientíficos, essa hegemonia impõe o endeusamento do mercado, uma nova divindade onipotente intocável: o mercado de capitais, o mercado financeiro, o mercado imobiliário, o mercado do empreendedorismo, as agências de risco, o mercado exige, o mercado avalia, o mercado propõe, o mercado pensa, o mercado desconfia, o humor do mercado, etc.
Essa ortodoxia imposta midiaticamente não se abala com as realidades demonstradas pelas evidências científicas reveladas por pesquisas de elevado nível tanto em países centrais como periféricos. Pelo contrário, vem se estendendo e se estabilizando em favor do núcleo dominante dos 1% mais ricos e envolve aspirações da classe media-alta e parte importante da classe média-média, visando a reprodução do sistema.
No Brasil a “modernidade” da gigantesca acumulação especulativa aliançou desde os anos 80 as oligarquias regionais mais atrasadas em engendramento estratégico de captura do Estado, centrado nos poderes Executivo, Legislativo e grande capital financeiro e empresarial.
Mantem o nosso sistema tributário entre os mais regressivos do mundo. Nossos 1% mais ricos são mais ricos que seus pares em vários países centrais. A renda dos nossos 5% mais ricos equivale á dos 95% restantes; nossos 1% mais ricos concentram perto de 25% da renda; nossos 0,1% mais ricos concentraram 11% da renda em 2001, 16% em 2007 e 14% nos últimos anos, fortemente favorecidos pela especulação financeira.
A riqueza dos seis brasileiros mais ricos equivale á dos 50% mais pobres. Ocupamos o 4º lugar no mundo em volume de depósitos em paraísos fiscais, e disponibilizamos mais da metade do nosso orçamento geral da União para os serviços de dívida pública impagável e nunca auditada. Desvinculamos 30% de nossas contribuições sociais da previdência social, saúde e assistência social, para o sorvedouro da austeridade definida pelos 1% mais ricos, visando o equilíbrio fiscal exclusivamente com gastos não financeiros. E permanecemos campeões em sonegação fiscal e renúncias fiscais pesadamente desviadas da produção para a especulação.
Esses macros gastos públicos, em nenhum momento assumidos pelos intelectuais orgânicos, estrategistas e comunicadores dos 1% mais ricos, como objeto da suposta “austeridade” fiscal, o que somente poderia ocorrer sob uma relação Sociedade-Estado realmente autônoma.
Note-se que esse engendramento estratégico desenvolve-se sem alardes desde os anos 80 e início dos 90, e já exercendo comprovada hegemonia, enquanto a sociedade estava eufórica com a vitória da Constituição voltada para o bem estar social.
Simultaneamente a essa euforia efetivavam-se políticas econômicas com base na financeirização do nosso orçamento público, e de políticas sociais com base no sucateamento dos serviços próprios e compra ou subvenção de serviços privados no mercado.
A grande e justa euforia da sociedade com a vitória do Título da Ordem Social na Constituição cidadã de 1988, explicitando inequívoca hegemonia no debate democrático, no rumo de pacto social para a implementação do Estado de Bem Estar Social, redundou em equivocado sentimento de que essa hegemonia seria de alguma maneira estendida, a seguir, para o interior dos aparelhos de Estado no Executivo e Legislativo para sua implementação.
Mas esse interior complexo do Estado estava hegemonizado pelo referido engendramento iniciado nos anos 80, consolidado nos 90, e que desenvolveu-se e vem sendo exercido até nossos dias, sob estratégias e adequações ao perfil de cada novo ciclo governamental e de coligação partidária: 1990/1993, 1994/2002, 2003/2010, 2011/14, 2015/2016 e 2016/2018. Com a radicalização dessa hegemonia a partir de 2015/2016 retroagimos á periferização mundial que nem os militares na ditadura ousaram tocar: na Telebrás, Eletrobrás, Embraer, Petrobrás, CSN, CLT, LOPS, etc.
As várias formas e impactos de deterioração nas entranhas do Estado, que acumularam em todos os ciclos anteriores, devem ser tomados como geradores maiores do período 2016/2018. Notamos que esses fatores geradores não foram arrefecidos, pela notável inclusão social no mercado de consumo, registrada a partir de 2004. Exemplos de fatores geradores:
1. a não abertura de amplo debate com a sociedade (afora a campanha eleitoral de 2002), de informações e alternativas de formulação e construção de projeto de nação e sociedade, com destaque á política econômica e ás políticas públicas de cidadania, assim como da democratização do Estado;
2. o não compartilhamento e parceria com pesquisas e formulações internacionais e nacionais com vistas a pactuação social por projetos alternativos para se obter o equilíbrio fiscal, vinculados ao desenvolvimento e aos direitos sociais;
3. nossa adesão subliminar á triangulação: superfaturamentos por grandes empreiteiras e de bancos privados utilizados no financiamento eleitoral e na consequente fidelização da bancada situacionista majoritária para chancelar políticas econômicas antinacionais e antissociais, corrompendo o orçamento público; e;
4. a recusa de identificar, suspender ou excluir de suas funções, os dirigentes de Estado e de Partidos, comprovadamente participantes ou coniventes com a triangulação e corrupção referidas no item anterior e outros fatores geradores do período 2016/2018. Essa recusa não pode ser justificada pela “injustiça” de dois pesos e duas medidas que parte do Ministério Público e do Poder Judiciário cometeram entre os partidos políticos mais expressivos, protagonistas da captura do Estado, acionando a mesma tipologia de desmandos de poder ás custas do orçamento público.
Conjecturamos que a crítica e autocrítica consistentes, com os equívocos, distorções e crimes de dirigentes de governo e partidos, em todos os ciclos que geraram o impeachment de 2016, é patamar inabdicável para a refundação partidária, de plataforma eleitoral e de estratégia governamental, debatidas aberta e amplamente como alternativa ás exercidas até então, o que muito ampliará a adesão social e do eleitorado, com repercussão em 2018.
Opinamos que a predominância do corporativismo, revanchismo e culto á personalidade ofuscam e distorcem a construção dos caminhos libertários. E como sempre, lembremos que nossa caminhada, na ânsia de contribuir no processo histórico, permanece desafiada ás balizas e prazos do próprio processo, muito mais que ás nossas balizas e processos pessoais e grupais. E permanece uma caminhada sem fim, bela e instigante. Persistamos.
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30 anos de domínio financeiro especulativo e perspectivas para 2018 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU