05 Janeiro 2018
O protagonismo indígena na defesa dos seus direitos é a pauta desta semana. Na seara do contexto amazônico, a entrevistada é Angela Amankawa Kaxuyana, da TI Kaxuyana Tunayana, do extremo Norte do Pará, que pertence ao povo Kahyana e Katxuyana. Atual coordenadora tesoureira da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), ela fala ao Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk sobre as principais bandeiras de luta, que envolvem uma leitura pan-amazônica e de instrumentos cada vez mais importantes de protocolos de consulta específicos de cada povo frente a empreendimentos que afetam seus territórios, cultura e modos de vida.
A COIAB foi fundada em 19 de abril de 1989, com sede em Manaus, e é atualmente a maior organização indígena do Brasil, que compõe a base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e está vinculada à Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA). No Brasil, tem atuação em nove estados na Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) com o objetivo de articular e mobilizar 60% do total da população indígena do país, com a participação de mais de 200 organizações (desde associações locais a organizações de mulheres e de agentes ambientais e agroflorestais indígenas).
A entrevista é de Shkrada Resk, publicada por Blog Cidadãos do Mundo, 22-12-2017.
Hoje quais são as principais bandeiras de luta da COIAB?
A COIAB tem como missão a defesa dos direitos dos povos e organizações indígenas amazônicos, considerando as suas diversidades, visando sua autonomia por meio de articulação e fortalecimento. São muitos os problemas enfrentados, que vão desde a educação, territórios, impactos ambientais, sustentabilidade, saúde dentre outros e hoje, entre os que têm maior impacto e ameaçam esses povos, estão as construções de grandes empreendimentos na Amazônia.
Trata-se de 46 regiões indígenas de base, com mais de 160 diferentes povos, com um total de 440 mil pessoas, além dos indígenas isolados que evitam o contato com a sociedade nacional e preferem viver de forma autônoma na floresta.
Esses povos ocupam 110 milhões de hectares no território amazônico, distribuídas em 403 Terras Indígenas (TIs) demarcadas (além das que estão em processo de regularização), nas quais as comunidades precisam ter condições de sustentabilidade e sobrevivência digna. Muitos territórios ainda não foram regularizados, exigindo que o movimento indígena se fortaleça para assegurar o direito fundamental aos seus territórios tradicionais.
A COIAB, nos seus 27 anos de luta dentro do movimento indígena amazônico, vem atuando de forma incisiva e clara na defesa e na promoção dos direitos indígenas frente ao cenário político nacional e internacional, apresentando as propostas que estão de acordo com os anseios dos povos indígenas e que cabe aos representantes das instituições governamentais inseri-las dentro do plano político.
Muitos líderes indígenas das diversas organizações que compõem a sua base política apoiam articulações políticas, que buscam diálogo franco e aberto com os órgãos governamentais.
Qual sua avaliação sobre o protagonismo feminino indígena no campo da incidência política nos dias de hoje? Quais são os desafios?
As mulheres indígenas ainda encontram dificuldades de acesso a espaços decisórios do movimento indígena, uma vez que são ocupados majoritariamente pelos homens. Porém, o protagonismo cada vez mais tem se fortalecido a partir da atuação de mulheres mais jovens e incidência forte e perceptível feminina nos processos de discussão dos direitos.
Hoje a própria COIAB tem na coordenação geral uma mulher – Francinara Soares Baré -, pela primeira vez na história. Ela é de São Gabriel da Cachoeira, AM. Temos a presença feminina na coordenação executiva da APIB, com Sônia Guajajara, do Maranhão, que é um ícone de empoderamento das mulheres. Ela é um é o símbolo de luta dos povos indígenas. Também há mulheres indígenas na política, na região Nordeste… e em outras localidades no país no espaço da política partidária.
Espera-se que as mulheres ocupem e mantenham os espaços formais e informais de liderança, de decisão e poder, além da conquista do respeito e confiança, incluindo as organizações do movimento e de conselhos tradicionais de povos indígenas.
Como a COIAB está atuando no contexto da Pan-amazônia?
A COIAB tem atuação junto à COICA e faz parte da organização maior na Bacia Amazônica, na qual se discutem as questões junto aos oito países da Bacia Amazônica, além do Brasil (Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Equador, Suriname e Venezuela).
No campo dos direitos indígenas, o que está sendo feito pelas organizações indígenas para fazerem valer as determinações de tratados internacionais, como a Convenção OIT 169?
Sempre lutamos enquanto povos indígenas para o cumprimento dos nossos direitos assegurados pelas legislações do país e internacional, a luta e as cobranças de forma coletiva é umas das formas mais eficazes para que nossos direitos sejam respeitados. Mas cada vez mais o Estado brasileiro não tem respeitado essas convenções que asseguram esses direitos. O Estado tem praticado aquilo que sempre foi ameaçar e retroceder todo um histórico de luta que afeta nossos direitos, que durante muitas décadas foram conquistados, direitos consuetudinários, direitos que não são adquiridos, mas o que é nosso por direito.
Não temos desistido no que refere ao cumprimento desses direitos. A luta do movimento indígena e a resistência têm sido o fator fundamental para isso. Estamos sempre vigilantes, atentos e prontos para o embate e morrer se preciso for, como muitas das lideranças têm feito e têm perdido suas vidas para proteger a vida do seu povo, e do direito de continuar vivendo.
Fale a respeito dos Protocolos de Consulta Indígena concluídos e em formulação na Amazônia e como está sendo a receptividade no campo jurídico dos direitos?
Os protocolos próprios de consulta, com base na convenção 169 da OIT, estão sendo elaborados, desenhados com base em cada cultura, forma e tempo de decidir sobre aquilo que afeta o seu povo. Essa ferramenta tem sido cada vez mais importante para ser socializada com a sociedade, principalmente com o governo sobre como, quando e quem pode nos consultar sobre tudo que vai mudar e afetar nossas vidas e as vidas das nossas futuras gerações.
Os protocolos próprios de consultas são nada mais que ferramentas de diálogo e garantia quanto aos nossos direitos de opinar e decidir sobre determinada situação ou tema, para que sejam respeitados e considerados como decisão legítima. Ainda são poucos, mas o ideal é que cada povo tivesse seu protocolo próprio de consulta, porque estamos falando de povos no plural, ou seja, são infinitas formas de olhar e decidir sobre os assuntos. Mas de uma coisa, os povos indígenas não abrem mão em qualquer cultura, tempo e espaço – é o direito ao território e a garantia à terra. Com a terra podemos discutir as várias formas de viver nesse território.
Entre os protocolos pioneiros estão os dos Wayapi, do Amapá, dos Munduruku do Médio e Alto Tapajós do Pará, dos povos indígenas do Alto Xingu, do Mato Grosso, e Yudja, do Baixo Xingu (PA) e de outras regiões que estão em processo de construção e/ou publicação.
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Protocolos de consulta de diferentes povos indígenas na Amazônia são instrumentos de luta pelos direitos. Entrevista com Angela Amankawa Kaxuyana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU