04 Dezembro 2017
O Papa Francisco pediu perdão aos rohingyas, em nome de todos aqueles que os perseguem e daqueles que os prejudicaram, mas principalmente pelo mundo que permanece indiferente à tragédia de um povo em fuga. Esses irmãos, ele explicou, também são a imagem de Deus vivo, por isso temos que continuar a fazer-lhes o bem, seguindo o exemplo de Bangladesh que acolheu muitos deles.
A reportagem é de Gianluca Biccini, publicada por L'Osservatore Romano, 01-12-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não há tempo a perder, precisamos nos mobilizar para que eles tenham seus direitos reconhecidos, sem fechar o coração, ou virar o rosto para o lado. De acordo com Francisco, de fato, a presença de Deus hoje se chama também rohingya: por isso assegurou-lhes que fará tudo o que puder para ajudá-los.
Já havia anoitecido em Daca, quando o Papa, visivelmente emocionado, depois de ouvir por um longo tempo em silêncio o depoimento de uma quinzena de refugiados do Cox's Bazar, pegou o microfone improvisando seu apelo emocionado.
Aconteceu no final do encontro inter-religioso e ecumênico pela paz realizado na sexta-feira, 1° de dezembro no jardim da residência do cardeal arcebispo, onde o Pontífice concluiu uma intensa agenda, durante a qual, pela primeira vez durante uma viagem internacional, também ordenou novos sacerdotes, dezesseis, em uma nação onde no total são menos de quatrocentos. Mas foi o seu abraço aos refugiados – entre os quais duas famílias e uma menina de nove anos que perdeu todos os seus entes queridos, pais e irmãos - a imagem icônica da visita asiática que chega ao fim.
Aqui em Bangladesh usa-se a frase Milo ne ananda para expressar "a alegria da comunhão", quando as pessoas se sentem bem juntas, mesmo entre pessoas que professam diferentes religiões. Essa foi atmosfera que se respirava durante o encontro de oração vespertino, no coração da capital: o Papa chegou transportado em um riquixá colorido, em sinal de respeito pelas tradições locais. Iniciando com canções e danças folclóricas, que aludiam às várias almas do povo de Bangladesh cujas diversidades étnicas refletem também as religiosas, o momento marcante foi enriquecido por cinco depoimentos.
Foram oferecidas por conceituados representantes das comunidades muçulmana, hindu, budista, católica e da sociedade civil. O canto pela paz, entoado pelo coro, que precedeu o discurso do Papa foi centrado na promoção da cultura do encontro e da colaboração, para ser contraposto ao vírus da corrupção, das ideologias destrutivas e, principalmente, da tentação de fechar os olhos para as necessidades dos pobres, dos refugiados e das minorias perseguidas, representadas em Daca precisamente pelo pequeno grupo de rohingyas, acompanhados por dois intérpretes da Cáritas. Com eles Francisco passou poucos, mas intensos minutos, feitos de olhares e lágrimas, imediatamente após a oração ecumênica proferida por um bispo anglicano particularmente comovido, que se ajoelhou diante do Papa para receber a bênção.
Recebidos com forte aplauso pelos presentes, um após o outro, os refugiados subiram ao palco para contar ao Papa suas histórias dramáticas de dor, luto, violência e privação, pelas quais passam nos campos onde tentam sobreviver à escassez de água, alimentos, medicamentos, roupas e cobertores. Entre eles, duas mulheres que usavam véus na cabeça e acabaram por tiraram o nicabe do rosto durante o encontro.
Francisco ouviu atentamente com expressão absorta, segurando suas mãos ou acariciando as cabeças para incentivá-los. Após o apelo, ele os convidou para posar para uma foto de recordação, e alguns começaram a chorar; por fim todos rezaram junto, cada um de seu jeito. E através desses gestos Francisco quis abraçar os mais de seiscentos mil refugiados, metade dos quais são crianças, amontoados no campo fronteiriço, onde muitas ONGs estão oferecendo assistência humanitária.
O encontro foi o culminar de um dia que começou com uma missa celebrada sob um sol escaldante no Suhrawardy Udyan Park em Daca. É outro santuário da nação: depois de ter sido um clube militar das tropas coloniais britânicas, tornou-se o hipódromo de Ramna antes de ser designado como memorial e museu da independência, dentro do qual repousam três grandes líderes.
Aqui o 'Bangabandhu' Sheik Mujibur Rahman proferiu um histórico discurso antes da guerra que, em 1971, levou ao nascimento da jovem nação. E aqui o exército paquistanês se rendeu no final de um sangrento conflito que custou muitas vidas humanas. Pelo fato da Igreja estar na linha de frente na ajuda e reabilitação das vítimas da guerra da libertação, embora represente uma pequena minoria (24%) no quarto país por população islâmica no mundo, desfruta de um discreto prestígio. E a missa da manhã da sexta-feira mostrou visivelmente tanto a capacidade organizacional como a fé devota da comunidade católica.
Recebido de acordo com a tradição asiática com uma guirlanda de flores, o Papa colocou-a em volta do pescoço antes de entrar no papamóvel branco - um pequeno veículo de fabricação indiana – com o qual realizou uma ampla volta entre os cem mil fiéis presentes, vindos de todo canto da nação. Entre eles, as crianças, com o traje para a primeira comunhão, que acenavam com fitas coloridas e muitas freiras que se protegiam do calor intenso com as capinhas azuis dos livretos litúrgicos.
Sobre o austero altar, montado de forma simples com bambu e palha, Francisco presidiu à Eucaristia para a ordenação de dezesseis novos sacerdotes locais: dez diocesanos, um oblato de Maria e cinco da congregação da Santa Cruz. Entre eles Jashmin Murmu, que vem de Dinajpur e é o primeiro padre de sua aldeia de etnia Santal - no país vivem várias tribos indígenas – enquanto Cizar Costa é originário do Rajshahi: "Todos estudaram no único seminário maior de Bangladesh, que abriga atualmente quatrocentos estudantes", nos relatou o reitor Emmanuel Kanon Rozario.
Foram apresentados por nome, individualmente pelo bispo Shorot Francis Gomes, auxiliar de Daca. Uma vez na presença do Papa, o cardeal D'Souza, primeiro cardeal na história do país, pediu à sua ordenação.
Feliz pela presença de tantos familiares e amigos dos ordenados, na homilia – escolhida do ritual para a ordenação dos presbíteros - o Papa recomendou um ministério focado no amor, amizade e serviço aos outros. Então ele se levantou para dizer algumas palavras de improviso, imediatamente traduzidas em bengali.
Durante o canto das litanias dos santos, os dezesseis jovens deitaram-se no chão; então o Pontífice impôs as mãos sobre a cabeça de cada um, recitando a oração de consagração. A investidura com estola e casula e a unção das mãos completou o sugestivo ritual, que culminou com a liturgia eucarística. Algumas partes na língua nacional, o ofertório na língua mandi, os cânticos nas línguas tripura e santal, e um original rito do incenso caracterizaram a missa, concelebrada por alguns cardeais e bispos da região – entre os quais os cardeais Gracias, Toppo e Alencherry - que o Papa saudou no término da cerimônia.
De volta para a Nunciatura no início da tarde, Francisco recebeu a visita da primeira-ministra Sheik Hasina. A filha do "pai da nação" estava na Alemanha quando seu pai foi assassinado e ela foi obrigada a viver no exílio por um longo tempo. Tornando-se líder da oposição, em 1996 assumiu a liderança do Governo de Bangladesh, com cargos renovados em 2008 e em 2014. No final do encontro, que durou 15 minutos, Francisco doou um tríptico de medalhas, recebendo em troca uma miniatura de prata de um barco característico dos pescadores do golfo de Bengala.
Em seguida voltou para Ramna, onde reside o cardeal D'Souza e onde repousam seus antecessores, os arcebispos Theotonio Amal Ganguly e Michael Rozario. No complexo – que inclui a catedral, o palácio do arcebispo, a residência para os sacerdotes idosos e o seminário - o Pontífice abençoou o mosaico comemorativo das três visitas papais – a de Montini, de 27 de novembro de 1970, de Wojtyla, de 19 de novembro de 1986, e a sua - bem como a pedra fundamental de um novo centro pastoral. Em seguida, dirigiu-se para o interior da catedral de Santa Maria para rezar em silêncio na capela do Santíssimo Sacramento. Na ocasião o Papa prestou homenagem aos túmulos dos três ordinários diocesanos anteriores, improvisando uma breve saudação às pessoas presentes.
Por fim, na residência dos sacerdotes idosos, dirigiu-se à Conferência episcopal: uma dúzia de sacerdotes, entre os quais Paul Ponen Kubi, o primeiro adivasi, como são chamados os autóctones. Em seu discurso, integrados por diversos apartes logo traduzidos em inglês pelo intérprete, Francisco expressou seu apreço pelo plano pastoral de 1985, reiterando a opção pelos pobres. No momento da despedida cumprimentou alguns padres adoentados, e em seguida se encaminhou para o encontro inter-religioso, durante o qual lançou o apelo pelos rohingyas. No final, retornou para a nunciatura.
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Diante da tragédia de um povo em fuga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU